sexta-feira, 21 de fevereiro de 2025
O que as redes sociais nos fazem (V)
A olhar os dias, a olhar o mundo, através de livros recentes
"As máquinas começam de forma muito rudimentar a adquirir agência. Isto é, a capacidade de agir de maneira autónoma para alcançar uma meta. Nunca passou pela cabeça de um lápis escrever algo por sua iniciativa nem da da prensa pisar com mais força um cacho de uvas. Acontece que o telemóvel já não funciona de forma passiva, estando pelo contrário, programado para tomar as suas próprias decisões. Utilizamos o telemóvel para enviar um WatSapp e até aqui assemelha-se a uma ferramenta sofisticada, mas convencional. Permite-nos comunicar a mensagem que queremos. Mas depois aparece um monte de notificações que nunca pedimos e desvia-nos dos nossos objectivos iniciais. O aparelho começa a adquirir agência. Não por ser inteligente, não é, mas porque outros o utilizam como mecanismo de manipulação do nosso comportamento e pensamento. O uso que lhe damos é influenciado pelos interesses de um terceiro, mediatizados através de algoritmos. A irrupção da Inteligência Artificial coloca em cima da mesa o problema de quem toma as decisões. Uma bomba é atroz, mas é largada por uma pessoa, não decide atirar-se sozinha. Em contra partida, actualmente, graças a um profundo conhecimento que possuem sobre nós, as máquinas podem escolher de forma muito precisa que estímulo nos deverão apresentar para que se alterem os nossos pensamentos e comportamentos. Íamos enviar uma mensagem mas acabamos por passar duas horas a olhar para vídeos no Instagram ou no TikTok. Quem tomou essa decisão? Há já algum tempo que perdemos parte da nossa autonomia, a de sermos nós a decidir o que queremos com liberdade. Somos um pouco artificiais e deixamo-nos arrastar por algoritmos que invadem o nosso desejo mais profundo e a nossa motivação. Geram dependência. Apesar de andarmos por aí convencidos de que somos nós quem determina as nossas preferências e desejos. Na realidade, muitas das coisas que desejamos reflectem ideias que nos foram implantadas. "Muitas vezes as pessoas não sabem o que querem até que alguém lho mostre", disse uma vez Steve Jobs. A indústria da publicidade e do markting manipula as pessoas há décadas sem que estas se dêem conta. Estabelece associações entre cores e formas para gerar sensações de frescura, saúde ou beleza para satisfazer, etc. Recorramos a um exemplo simples: Quando num restaurante nos oferecem uma longuíssima carta com vinhos que não conhecemos, qual é o critério de escolha? A grande maioria das pessoas opta pelo segundo vinho mais barato. A decisão assenta num mecanismo inconsciente, tão invisível quanto recorrente, poupar o mais possível sem passar por sovina. Muitos hoteleiros sabem isto e põem o vinho que preferem vender, ou que lhes custa menos, em segundo lugar na lista. E assim, pouco a pouco, vamos caindo na armadilha de comprar o pior por um valor superior ao que tem. Alertados para esta possibilidade, aprendemos a desconfiar dos anúncios e de outros métodos evidentes de condicionamento dos nossos critérios. Mas ainda não desconfiamos das ferramentas porque, apesar de tudo, tivémo-las sempre sob o nosso controlo. Pegamos num lápis, desenhamos meia-dúzia de figuras, apagamo-las para as melhorar, fazemo-las de novo. O processo continua até perdermos a vontade de desenhar. E então, pura e simplesmente, paramos. Deixamos o lápis e passamos a outra coisa. Esta é a expressão mais simples do nosso sentido de agência. Quando queremos desenhar, desenhamos. Quando queremos parar, paramos. Pelo contrário, quando queremos comer duas ou três batatas fritas e acabamos a comer o pacote inteiro sentimos que algo se descontrolou e que não conseguimos evitá-lo. O que se perdeu pelo caminho é o sentido de agência. A nossa inteligência é versátil, mas também está repleta de pontos fracos que são muito evidentes quando entra em jogo a manipulação do desejo e da vontade."
Dos argentinos Mariano Sigman, físico, especialista em neurociência cognitiva da aprendizagem e Santiago Bilinkis, tecnólogo e especialista em Inteligência Artificial robótica de neurociência e nanotecnologia.