sábado, 28 de fevereiro de 2009

LINHAS CRUZADAS # 28












A Vida e a arte do encontro na Música

Elvis Costello e Robert Wyatt, no tema “Shipbuilding”. A canção também é assinada por Clive Langer e foi escrita para a voz de Robert Wyatt.
Decorria a guerra das Malvinas, as Ilhas Falkland no Atlântico sul: o conflito armado que opôs a Argentina e a Grã-Bretanha nos inícios da década de 80.
A canção “Shipbuilding” é de forte vertente política, altamente crítica face à governação neo-liberal de Margaret Thatcher, a então chefe do governo do Reino Unido. Uma composição directamente contra o absurdo de uma guerra para nada. “Shipbuilding” fala da falsa vantagem de se construírem navios num sector de actividade que, até a guerra começar, vivia em profunda crise. Eram os dias negros do drama social britânico da fome e do desemprego nas portos londrinos, até que a guerra fez explodir a produção de embarcações para a guerra nas Malvinas. O conflito durou pouco mais de dois meses, foi ganho pelos ingleses, e a recessão económica continuou.
A crítica política sempre foi uma temática na obra de Robert Wyatt, antes e depois de “Shipbuilding”. Ainda hoje, o ex-líder dos Soft Machine continua a escrever e a interpretar temas de cariz político. No mais recente disco: «Comic Opera», editado em 2007, Robert Wyatt não perdeu o ensejo de criticar abertamente a invasão do Iraque por parte dos Norte-Americanos que, por sua vez, foram decisivos no apoio aos ingleses na guerra das Malvinas. Indo mais atrás, ainda na primeira metade dos anos 80, Robert Wyatt dedicou e gravou temas contra o ‘Apharteid’ na África do Sul e a invasão de Timor-Leste por parte da Indonésia, uma vez mais com o apoio dos Estados-Unidos.
A escolha da dupla de autores para cantar “Shipbuilding” não foi por mero acaso. Robert Wyatt manteve-se constantemente como apologista do lado esquerdo da política.
De “Shipbuilding” há uma interpretação de Elvis Costello a solo, mas a versão definitiva é a de Robert Wyatt em 1982.



Ouvir / download / podcast

Outras interpretações de interesse do tema “Shipbuilding”:
Robert Wyatt (ao vivo na TV em 1983)
Elvis Costello & The Attractions (ao vivo)
Tasmin Archer (1994)
Suede (versão de estudio em 1995)

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

QUANDO A MÚSICA ESTÁ A MAIS










A iniciar este texto, uma inequívoca declaração de interesses: Sou amante de música desde sempre, consumidor em grande escala e ex-divulgador de música na Rádio; actualmente divulgador a espaços na blogosfera.

Acho que a música na Rádio deve ser mais – muito mais – que um mero utensílio de uso fácil para “preenchimento” de antena; verbo-de-encher; tapa-buracos; último recurso quando já não há mais nada e tem-se que evitar a “branca” na emissão; etc. A música na Rádio tem, terá e deverá ter sempre espaço privilegiado na Rádio. Mas não “porque sim”, ou através de playlists inócuas, desprovidas de critério e coerência estética; escolhas sem se saber porquê e para quê. A música emitida pela rádio tem sido, por vezes (vezes a mais e durante demasiado tempo) mal tratada, sem sapiência e a servir de tapete para todos os pés. E a história da Rádio em Portugal (não só em Portugal) está, neste caso, escrita com páginas muito negras, até por quem mais e melhor a devia defender. Quer seja a Música quer seja a própria Rádio. É um assunto a merecer outras e futuras reflexões.
O assunto que aqui quero trazer – embora estejam ligados – é outro: os programas, alguns deles muito bons, que não deviam conter música e que se prejudicam com isso, prejudicando por inerência a própria música. Refiro-me concretamente a programas de palavra e cuja essência é a conversa, formal ou informal, a troca de ideias, a transmissão de pensamentos, exposição de histórias pessoais, colectivas e outras.
A não ser que os intervenientes convidados sejam músicos ou estejam directamente ligados ao meio musical, justifica-se a passagem de temas musicais nesses espaços? Para quê? Para intervalar? Se sim, é mais ou menos discutível. Mas tem a mesma consequência comum a todas as opções deste género, que é o corte desnecessário da palavra num programa de palavra. No fundo trata-se de um paradoxo que parece não incomodar quem faz os programas. A mim incomoda-me, porque num programa de palavra quero ouvir a conversa – de preferência – sem interrupções do princípio ao fim. Acresce a isto que as escolhas musicais, ainda e sempre subjectivas, podem não ser do agrado de quem ouve. Vivemos numa sociedade em que ninguém parece ter paciência para ouvir ninguém e os desvios, a fuga à profundidade dos assuntos, até dos mais agradáveis, são corrompidos por cortes sucessivos até o objectivo último da palavra ficar totalmente liquidado.
A opção por palavra-música-palavra-música é um estilo antigo, ultrapassado. Fez sentido e teve a sua fama e proveito nos tempos áureos das transmissões em Onda-Média e nos primórdios do FM em Portugal, numa altura em que a Frequência Modulada ainda não era muito escutada (por desconhecimento; falta de cobertura; aparelhos receptores sem FM; etc.).
As programações das rádios de hoje em dia ainda estão repletas de exemplos destes, contrariando a tendência natural que é a especialização dos conteúdos. Um programa de palavra é de palavra, um programa de música é de música. Salvaguardando as excepções que se impuserem. Acontece que as excepções são a regra dominante deixando, por isso, de haver excepções à regra.

(do que tenho ouvido) Quando a música ESTÁ a mais:

No programa «Um Café e Uma Torrada», de Álvaro Costa nas manhãs de Sábado na Antena1 (11:00/12:00). Há matéria verbal suficientemente abundante para dispensar a música, não só pela qualidade dos convidados, como – principalmente – pela excelência do condutor da emissão. A introdução do estranho elemento música só vem para atrapalhar. Está completamente a mais.

No programa «Porque Hoje é Sábado / Domingo», de Ana Bernardino no RCP, nas manhãs de Sábado e Domingo (07:00/08:00). O espaço está bem desenvolvido, equilibrado nos conteúdos, com convidados no estúdio ou por telefone, recuperando outros pequenos espaços da estação anteriormente emitidos e abordando assuntos variados. O que está mesmo a mais é a música, com duas ou três canções a despropósito (ou a propósito de nada), mesmo que sejam aceitáveis em termos de qualidade. Roubam tempo ao pouco tempo do espaço.

No programa «Nuno e Nando», nas manhãs de Sábado na Antena3 (11:00/13:00) de Nuno Markl e Fernando Alvim: Quase sempre (ou mesmo sempre) com convidados em estúdio. É um programa de conversas e entrevistas em tom informal, muito dinâmico e vivaz e que também inclui música. Com tanta gente para falar em duas horas é preciso música para quê?

No programa «O Amor É», nas manhãs de Domingo na Antena1 (10:00/11:00) de Júlio Machado Vaz e Inês Menezes: um espaço semanal que ronda os 50 minutos que, sendo um programa de palavra, inclui música. Dois temas por emissão, com a segunda e última escolha a fechar a emissão. As escolhas são divididas pelos interlocutores. Para desanuviar, em caso de o assunto da conversa estar a ser um pouco mais difícil? Para mudar de assunto? Mas não raro, retoma-se a conversa no ponto onde tinha ficado. E se às vezes a música até pode caber a propósito, outras vezes é só “porque sim” ou porque – nas palavras do próprio co-autor Júlio Machado Vaz – “Porque me apeteceu”. Simplesmente. E vale a pena?

No programa de Pedro Rolo Duarte, nas manhãs de Domingo na Antena1 (11:00/12:00). Os convidados são predominantemente autores de blogues. Desde os mais conhecidos a outros tantos menos conhecidos ou mesmo completamente desconhecidos, a conversa é cortada e encurtada por música. E, desta feita, a escolha é totalmente da lavra do apresentador, recaindo a selecção em faixas de um só disco. E quem estiver a adorar a conversa não gostar nada desse artista musical? Vive uma hora em conflito entre o “fico” ou vou “picar outra”. É o suficiente para mudar de vez de estação e, a essa hora, a concorrência aperta.


(do que tenho ouvido) Quando a música pode NÃO estar a mais:

No programa «Prova Oral» de Fernando Alvim, com Cátia Simão na Antena3 (2ª a 6ªfeira; 00:00/02:00). Houve um tempo em que as emissões começavam sempre (!) com uma música. E porquê? Certamente porque sim, mas desde há uns tempos que essa pratica desnecessária foi abandonada. O “Fórum” de final de tarde na Antena3 ganhou mais uns minutos de boa conversa num espaço sempre muito concorrido pelos ouvintes e bem preenchido pelos convidados e apresentadores. Não raras vezes termina a saber a pouco.

No programa «Fala Com Ela», de Inês Meneses na RADAR (Sábado 12:00/13:00; Domingo 19:00/20:00). Conversas em forma de entrevista ou entrevista em forma de conversa, com tendência informal e de proximidade. Algum intimismo até. As escolhas são dos convidados (numa fase inicial a primeira e última escolha pertenciam à autora) e contribui para se revelarem um pouco mais através das músicas que levam ao programa. Às vezes vem mesmo a propósito da conversa. Podiam era ser menos. São quatro, sendo a última escolha a que encerra o espaço.


(do que tenho ouvido) Quando a música NÃO está a mais:

No programa de Jorge Afonso na Antena1 (2ª a 6ªfeira; 00:00/02:00). O espaço é suficientemente alargado e pouco ficará por dizer, ou seja, a presença da música não compromete a densidade da palavra. O equilíbrio acontece aqui como em mais nenhum dos anteriores programas descritos. É, neste aspecto, o melhor exemplo que conheço.


Nota final: Alguns destes e outros programas de palavra são disponibilizados na Internet (audição/download/podcast) e pode-se saltar por cima da música para se chegar de novo à palavra. E quando isso acontece – creio que maioria dos cibernautas o faz – só reforça a convicção de que a música está mesmo a mais.
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O que eles dizem (43)










E a rádio? "Deixei de colaborar com a Antena 1, em Dezembro", disse. E porquê? "Bom, espero que tenha sido por questões financeiras e não por outra coisa qualquer", respondeu o humorista. O Tal País era um programa de crónicas na Antena 1, da RDP, que Herman José começou a fazer em Abril último. Aliás, a rádio foi um meio que Herman José sempre privilegiou, até porque sempre serviu de laboratório para experiências e onde nasceram programas e rubricas como Boião de Cultura, Herman Zap e Herman Enciclopédia e muitos dos seus "bonecos".

Herman José
In: «Diário de Notícias», Entrevista de Tiago Guilherme
Terça-feira 15 de Janeiro 2009












quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

R.I.P.?













Ao longo desta semana tem-se ouvido na Rádio um convidado [sob o pretexto de ser Figura Pública] a escolher música dizendo que Grace Slick, a incrível vocalista dos extintos Jefferson [“White Rabbit”] Airplane, já morreu. "Infelizmente já falecida", citando à letra. É uma ocorrência que sobeja quando se põe a falar pessoas que são conhecidas por outros méritos – daí serem figuras públicas ou com forte exposição pública – mas não por percebem de música (embora haja excepções).
Mas os “assassinatos” em directo, ou em diferido, também já foram subscritos por parte de quem devia perceber do que fala. Profissionais de Rádio, nas funções de animadores e jornalistas. E não por lapso, mas por “certeza” ou “convicção”. A falsa certidão de óbito não vem só na caixa do correio. Também pode vir da Rádio. Difundidas pela coluna do receptor já ouvi decretadas as “mortes” de, por exemplo, Brian Wilson ou Robert Wyatt. Venerandos senhores da música que, apesar de terem tido várias vidas ao longo da vida, ainda gravam discos e dão espectáculos para largas assistências. Sabendo-se que a morte chega a tempo de nos apanhar a todos – até aos ídolos! – mais vivo que eles não se pode estar. Grace Slick que o diga.

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O que eles dizem (42)

O que surgiu primeiro? A música ou o sofrimento?
As pessoas receiam que os miúdos vejam filmes violentos, que venham a ser dominados por uma cultura de violência. Ninguém se rala que os miúdos ouçam literalmente milhares de canções sobre desgostos de amor, rejeições, dor, sofrimento e perda.
Eu ouvia música pop porque me sentia terrivelmente infeliz? Ou sentia-me terrivelmente infeliz porque ouvia pop?


John Cusack
In: «Hi-Fidelity» de Stephan Frears (2000)
Texto original em inglês aqui

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Os Óscares na Rádio










Em Portugal, em rádios de dimensão nacional, a transmissão em directo aconteceu na Antena3 e no RCP.
Na Antena3 a continuação dos últimos anos. Emissão conduzida por Jorge Alexandre Lopes [e Paulo Castelo, nos estúdios em Lisboa] com Álvaro Costa, José Paulo Alcobia, Tiago Alves e João Lopes [este ano no Café-Concerto do Teatro Rivoli no Porto].
No RCP, emissão conduzida pela jornalista Sofia Frazoa com dois convidados em estúdio: Cláudia Nunes e Rui Pedro Vieira.
A transmissão da Antena3 é a mais completa e a mais bem comentada. No entanto, levanta-se a questão: porquê na Antena3? O terceiro canal de radiodifusão da RDP é um canal destinado a um público jovem. Acontece que a cerimónia dos Óscares de Hollywood é um acontecimento transversal a várias gerações e daí, em minha opinião, ser mais apropriado ser transmitido no canal generalista que é a Antena1. A Antena3 não é o canal alternativo da Antena1. Ou é?

A maior festa mundial do Cinema, a ser transmitida pela RDP, só faz sentido na Antena1