sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

QUANDO A MÚSICA ESTÁ A MAIS










A iniciar este texto, uma inequívoca declaração de interesses: Sou amante de música desde sempre, consumidor em grande escala e ex-divulgador de música na Rádio; actualmente divulgador a espaços na blogosfera.

Acho que a música na Rádio deve ser mais – muito mais – que um mero utensílio de uso fácil para “preenchimento” de antena; verbo-de-encher; tapa-buracos; último recurso quando já não há mais nada e tem-se que evitar a “branca” na emissão; etc. A música na Rádio tem, terá e deverá ter sempre espaço privilegiado na Rádio. Mas não “porque sim”, ou através de playlists inócuas, desprovidas de critério e coerência estética; escolhas sem se saber porquê e para quê. A música emitida pela rádio tem sido, por vezes (vezes a mais e durante demasiado tempo) mal tratada, sem sapiência e a servir de tapete para todos os pés. E a história da Rádio em Portugal (não só em Portugal) está, neste caso, escrita com páginas muito negras, até por quem mais e melhor a devia defender. Quer seja a Música quer seja a própria Rádio. É um assunto a merecer outras e futuras reflexões.
O assunto que aqui quero trazer – embora estejam ligados – é outro: os programas, alguns deles muito bons, que não deviam conter música e que se prejudicam com isso, prejudicando por inerência a própria música. Refiro-me concretamente a programas de palavra e cuja essência é a conversa, formal ou informal, a troca de ideias, a transmissão de pensamentos, exposição de histórias pessoais, colectivas e outras.
A não ser que os intervenientes convidados sejam músicos ou estejam directamente ligados ao meio musical, justifica-se a passagem de temas musicais nesses espaços? Para quê? Para intervalar? Se sim, é mais ou menos discutível. Mas tem a mesma consequência comum a todas as opções deste género, que é o corte desnecessário da palavra num programa de palavra. No fundo trata-se de um paradoxo que parece não incomodar quem faz os programas. A mim incomoda-me, porque num programa de palavra quero ouvir a conversa – de preferência – sem interrupções do princípio ao fim. Acresce a isto que as escolhas musicais, ainda e sempre subjectivas, podem não ser do agrado de quem ouve. Vivemos numa sociedade em que ninguém parece ter paciência para ouvir ninguém e os desvios, a fuga à profundidade dos assuntos, até dos mais agradáveis, são corrompidos por cortes sucessivos até o objectivo último da palavra ficar totalmente liquidado.
A opção por palavra-música-palavra-música é um estilo antigo, ultrapassado. Fez sentido e teve a sua fama e proveito nos tempos áureos das transmissões em Onda-Média e nos primórdios do FM em Portugal, numa altura em que a Frequência Modulada ainda não era muito escutada (por desconhecimento; falta de cobertura; aparelhos receptores sem FM; etc.).
As programações das rádios de hoje em dia ainda estão repletas de exemplos destes, contrariando a tendência natural que é a especialização dos conteúdos. Um programa de palavra é de palavra, um programa de música é de música. Salvaguardando as excepções que se impuserem. Acontece que as excepções são a regra dominante deixando, por isso, de haver excepções à regra.

(do que tenho ouvido) Quando a música ESTÁ a mais:

No programa «Um Café e Uma Torrada», de Álvaro Costa nas manhãs de Sábado na Antena1 (11:00/12:00). Há matéria verbal suficientemente abundante para dispensar a música, não só pela qualidade dos convidados, como – principalmente – pela excelência do condutor da emissão. A introdução do estranho elemento música só vem para atrapalhar. Está completamente a mais.

No programa «Porque Hoje é Sábado / Domingo», de Ana Bernardino no RCP, nas manhãs de Sábado e Domingo (07:00/08:00). O espaço está bem desenvolvido, equilibrado nos conteúdos, com convidados no estúdio ou por telefone, recuperando outros pequenos espaços da estação anteriormente emitidos e abordando assuntos variados. O que está mesmo a mais é a música, com duas ou três canções a despropósito (ou a propósito de nada), mesmo que sejam aceitáveis em termos de qualidade. Roubam tempo ao pouco tempo do espaço.

No programa «Nuno e Nando», nas manhãs de Sábado na Antena3 (11:00/13:00) de Nuno Markl e Fernando Alvim: Quase sempre (ou mesmo sempre) com convidados em estúdio. É um programa de conversas e entrevistas em tom informal, muito dinâmico e vivaz e que também inclui música. Com tanta gente para falar em duas horas é preciso música para quê?

No programa «O Amor É», nas manhãs de Domingo na Antena1 (10:00/11:00) de Júlio Machado Vaz e Inês Menezes: um espaço semanal que ronda os 50 minutos que, sendo um programa de palavra, inclui música. Dois temas por emissão, com a segunda e última escolha a fechar a emissão. As escolhas são divididas pelos interlocutores. Para desanuviar, em caso de o assunto da conversa estar a ser um pouco mais difícil? Para mudar de assunto? Mas não raro, retoma-se a conversa no ponto onde tinha ficado. E se às vezes a música até pode caber a propósito, outras vezes é só “porque sim” ou porque – nas palavras do próprio co-autor Júlio Machado Vaz – “Porque me apeteceu”. Simplesmente. E vale a pena?

No programa de Pedro Rolo Duarte, nas manhãs de Domingo na Antena1 (11:00/12:00). Os convidados são predominantemente autores de blogues. Desde os mais conhecidos a outros tantos menos conhecidos ou mesmo completamente desconhecidos, a conversa é cortada e encurtada por música. E, desta feita, a escolha é totalmente da lavra do apresentador, recaindo a selecção em faixas de um só disco. E quem estiver a adorar a conversa não gostar nada desse artista musical? Vive uma hora em conflito entre o “fico” ou vou “picar outra”. É o suficiente para mudar de vez de estação e, a essa hora, a concorrência aperta.


(do que tenho ouvido) Quando a música pode NÃO estar a mais:

No programa «Prova Oral» de Fernando Alvim, com Cátia Simão na Antena3 (2ª a 6ªfeira; 00:00/02:00). Houve um tempo em que as emissões começavam sempre (!) com uma música. E porquê? Certamente porque sim, mas desde há uns tempos que essa pratica desnecessária foi abandonada. O “Fórum” de final de tarde na Antena3 ganhou mais uns minutos de boa conversa num espaço sempre muito concorrido pelos ouvintes e bem preenchido pelos convidados e apresentadores. Não raras vezes termina a saber a pouco.

No programa «Fala Com Ela», de Inês Meneses na RADAR (Sábado 12:00/13:00; Domingo 19:00/20:00). Conversas em forma de entrevista ou entrevista em forma de conversa, com tendência informal e de proximidade. Algum intimismo até. As escolhas são dos convidados (numa fase inicial a primeira e última escolha pertenciam à autora) e contribui para se revelarem um pouco mais através das músicas que levam ao programa. Às vezes vem mesmo a propósito da conversa. Podiam era ser menos. São quatro, sendo a última escolha a que encerra o espaço.


(do que tenho ouvido) Quando a música NÃO está a mais:

No programa de Jorge Afonso na Antena1 (2ª a 6ªfeira; 00:00/02:00). O espaço é suficientemente alargado e pouco ficará por dizer, ou seja, a presença da música não compromete a densidade da palavra. O equilíbrio acontece aqui como em mais nenhum dos anteriores programas descritos. É, neste aspecto, o melhor exemplo que conheço.


Nota final: Alguns destes e outros programas de palavra são disponibilizados na Internet (audição/download/podcast) e pode-se saltar por cima da música para se chegar de novo à palavra. E quando isso acontece – creio que maioria dos cibernautas o faz – só reforça a convicção de que a música está mesmo a mais.
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O que eles dizem (43)










E a rádio? "Deixei de colaborar com a Antena 1, em Dezembro", disse. E porquê? "Bom, espero que tenha sido por questões financeiras e não por outra coisa qualquer", respondeu o humorista. O Tal País era um programa de crónicas na Antena 1, da RDP, que Herman José começou a fazer em Abril último. Aliás, a rádio foi um meio que Herman José sempre privilegiou, até porque sempre serviu de laboratório para experiências e onde nasceram programas e rubricas como Boião de Cultura, Herman Zap e Herman Enciclopédia e muitos dos seus "bonecos".

Herman José
In: «Diário de Notícias», Entrevista de Tiago Guilherme
Terça-feira 15 de Janeiro 2009














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