segunda-feira, 2 de maio de 2005

Porto sem Abrigo
















Seria demasiado chamar-lhe "velho" homem da rádio, porque apesar de alguma veterania, acho que ele ainda tem muito para nos dar. Álvaro Costa. É ele o condutor do programa "Porto Sem Abrigo" nas noites de 5ª para 6ª na Antena1, da meia-noite à uma.
E o que é este Porto desabrigado? Pode ser muita coisa. Depende do tema que Álvaro Costa queira pegar e desenvolver durante uma hora de pura autoria radiofónica.
Recentemente, por exemplo, homenageou o mítico John Peel, após a notícia da morte do mais famoso radialista britânico. Ou mais recentemente ainda, uma hora em directo (via telefone) com José Cid, onde numa deliciosa conversa se desfiou com muita eficácia a vida do lendário Quarteto 1111. Para quem não sabe ou já não se lembra, o Quarteto 1111 foi uma banda de vanguarda num Portugal cinzento e triste nos tempos da "velha senhora". José Cid lembrou com toda a oportunidade que o quarteto que liderava foi o primeiro grupo português a ser emitido no saudoso e histórico programa "Em Órbita" nos anos sessenta. Um dos (muitos, imensos) artistas portugueses actualmente proscritos nas rádios nacionais, foi lançado no conhecimento português ao mais alto nível radiofónico no programa que mais à frente estava, furando o bloqueio intencional que o lendário programa de rádio "oferecia" à música portuguesa. A apresentação então feita rezava assim:

«Ao fim de dois anos e meio de emissão diária EM ÓRBITA inclui pela 1ª vez na sua sequência um original escrito em português. Na justificação então apresentada para esse precedente cuja abertura teve uma boa dose de sensacionalismo e de inesperado concluía-se nos seguintes termos: Temos para nós que, o trecho que vamos apresentar preenche os requisitos
mínimos para a sua divulgação por este programa, com todas as implicações que a sua transmissão através de EM ÓRBITA acarretam.
Tendo por título "A Lenda de El-Rei D. Sebastião" é escrito por um português tocado e cantado por portugueses. Vamos apontar o que nela se nos afigura existir de importante e de novo,
focando em especial aspectos puramente interpretativos, instrumentais e vocais.
O que neste trecho impressiona mais, o que nele se inclui de mais nitidamente inédito é que, em cima de uma melodia de encantadora simplicidade, há uma história singela, popular, portuguesa, dita de versos directos, certeiros, desenfeitados. Conta-se uma lenda. Como lenda que é, trazida até hoje pela herança popular, pertence ao folclore, ao património mais íntimo da comunidade e dos costumes do nosso país. É um tema eterno, de criação nacional e de vaidade perene e universal.»

EM ÓRBITA, Agosto 1967

Este Porto também foi abrigo, em pelo menos três emissões, para a merecida homenagem aos 25 anos dos GNR e do meio século de vida de Rui Reininho. Em suma: uma hora semanal de um comunicador nato - Álvaro Costa poderia estar a falar deliciosamente durante sessenta minutos sobre cinzeiros e ninguém daria por o tempo passar - qualquer tema pode ser assunto neste
"Porto Sem Abrigo", projectando sem pejos as potencionalidades de uma cidade invicta para o século XXI. Do norte "um convite à tribo da rádio". Do Porto para Portugal e para o mundo. Assumidamente.
(Álvaro Costa é também co-autor do programa "Bons Rapazes" na Antena3, em parceria com Miguel Quintão e Cristina Alves nas noites de Domingo. O percurso de Álvaro Costa na rádio portuguesa começa em 1980 no Programa3 da RDP, que passa a chamar-se Rádio Porto, mais tarde Rádio Comercial Norte; NRJ-Rádio Energia; Antena1; Rádio Nova; Antena3. Nasceu a 29 de Agosto de 1959).

E o que pensa actualmente Álvaro Costa sobre a rádio? Socorro-me (mais uma vez) do semanário BLITZ (11/Janeiro/2005) que dedicou largas páginas ao fenómeno e ao estado da rádio em Portugal:
«Durante uma década, o espaço tradicional de comunicação rádio foi-se perdendo e, mais do que marginalizado, foi colocado num gueto e olhado com algum receio virológico por parte dos fatos cinzentos. Isto quer dizer que, à medida que o tempo vai passando, certos nomes vão-se afastando. Para haver rádio de autor é preciso que haja comunicadores apaixonados, subjectivos,
capazes de ter opinião e, ao mesmo tempo, de perceberem aquilo que os rodeia. Não defendo o "ó tempo volta para trás" mas o que me parece absolutamente bizarro entre nós é o exagero, a distorção, o absurdo, o desequilíbrio (no jogo de forças entre o modelo de playlists e a rádio de autor)».
(...)
«Tecnologicamente, a evolução da rádio em Portugal é assombrosa. A questão é que essa tecnologia surgiu numa altura em que é muito difícil fintá-la. Ou seja: o comunicador de hoje tem à sua frente meios que lhe dão um outro rigor e embrulho, mas que fazem dele um prisioneiro. O apresentador de hoje gravou de véspera o patati-patata que vai dizer um milhão de vezes durante o ano. Depois faz-se um mix e temos um programa de rádio do século XXI com cinco horas. Este vazio está a criar profissionais cuja única função é mexer em botões. Tanto faz ter lá o Pato Donald ou o Emplastro - desde que saibam carregar nos botões e digam umas coisas já absolutamente desenhadas pelos marketeers, temos rádio. A questão é: como equilibrar isto tudo?».
(...)
«Quando se fala em números, ninguém fala da quantidade de pessoas que a rádio, em geral, vai perdendo ao longo dos anos. Isso é que é o principal para mim. Mas também há que ser claro: temos 50 e tal canais de televisão, internet, jogos de computador, o cinema de massas que nos últimos 10 anos se tornou uma alternativa poderosíssima. Hoje, a música (ou seja, aquilo que,
essencialmente, é veículado pela rádio) já não é o centro da vida das pessoas, como foi há algumas gerações. Por outro lado, há essa ideia peregrina de uma espécie de digitalização sem quaisquer limites da comunicação rádio. E o Porto não poderia fugir a essa regra. O Porto não tem, nesta altura, massa crítica, nem humana, nem económica, para ter estações autónomas».
(...)
«A morte do John Peel abalou um bocadinho algumas consciências ou, pelo menos, obrigou as pessoas do meio a falar de algumas coisas. Por outro lado, há meia dúzia de resistentes...e não falo daquela cena patética de não ter consciência da realidade. Eu sou um defensor da playlist criativa, aberta, que sirva para arrumar e não para tornar o comunicador num prisioneiro digital. E há uma coisa importantíssima: as pessoas confundem comunicar com falar. Pode-se estar 10 minutos ao microfone e não dizer nada, como estar 30 segundos e dizer muito».
(...)
«Está tudo tão computorizado que, se o mundo acabasse hoje, parte das rádios portuguesas só o dizia amanhã...»

E acrescento eu: ... e muitas outras nunca o diriam, pois não está lá ninguém dentro para o fazer.



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