sábado, 25 de fevereiro de 2006
Entrevista a FRANCISCO AMARAL
Sempre pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir
Sempre à espera de um sinal
De uma resposta
Da intimidade de uma esperança
O autor do histórico programa “Íntima Fracção” reflecte sobre a rádio e o fenómeno Podcast. A Íntima Fracção (IF) começou em Abril de 1984, esteve cinco anos na RDP-Antena1, catorze na TSF, e está actualmente na RUC. Também na Internet para download e em formato Podcast.
A pouco tempo de completar 22 anos de existência, e por via das novas tecnologias, a IF conhece uma nova vida.
Quando começaste a fazer rádio?
"No ar", pela primeira vez, no dia 5 de Abril de 1970. Antes, muitas horas para um gravador de banda magnética.
Quando é que a IF chegou à Internet e quando aderiste ao Podcast?
Passei a disponibilizar a IF na Internet, em mp3, em Dezembro de 2003, três meses depois da interrupção da IF na TSF. Com a tecnologia que se designa por podcast, desde Dezembro passado.
Achas que o podcast é uma ameaça à rádio tradicional ou é apenas uma mais valia como foi o aparecimento da Internet?
A maior ameaça à rádio tradicional está dentro dela própria. O podcast não é uma mais valia. É uma alternativa.
Como vês o panorama actual das rádios em Portugal?
Uma contradição proveniente do pensamento liberal económico. Os sectores que aparentemente defendem os direitos da individualidade, são os grandes entusiastas da massificação e do controlo. As rádios portuguesas estão absolutamente controladas, massificadas e banalizadas. Salvam-se algumas pequenas rádios locais – muito poucas – e os exemplos das rádios universitárias.
As playlists são um mal necessário? Um mal necessário para as rádios para a viabilidade económica por via das audiências?
As playlists é um mal. Ponto final. A desculpa da viabilidade económica das rádios é patética, muito pior do que pateta. O panorama actual é o da queda da importância da rádio. A música na rádio está absolutamente desconsiderada. Não é a rádio que faz os êxitos. É a televisão, os vídeo-clips. O papel actual da rádio, em matéria de música, é consolidar os êxitos das grandes distribuidoras. É uma extensão desavergonhada do negócio. Embora esta relação perigosa seja histórica, pelo menos desde o chamado "Payola scandal", nos anos 50 do século XX, nos EUA, a música que a rádio agora ajuda a vender, é a mais "pechisbeque", falsa, e aquela que nunca fará a roda da História andar em frente.
O que pensas sobre a nova lei das quotas de música portuguesa?
Outra patetice. Outra falsidade. A edição de música portuguesa é, e vai continuar a ser, pouca. Vamos ter as rádios a repetir as mesmas coisas. Se ficou a porta aberta para a música cantada em língua portuguesa, vamos continuar a ser colonizados pelo Brasil. Ainda por cima, António Carlos Jobim tem imensa coisa instrumental e, provavelmente, ficará de fora. Gostava de saber o motivo desta lei não se estender à televisão, e não só em matéria de música...
Voltando ao podcast: até onde achas que vai ter este fenómeno?
As vertiginosas mudanças tecnológicas tornam as antecipações arriscadas. Se tudo ficasse como está neste momento, incluindo o tipo de rádio que temos, o crescimento do podcast seria inevitável. Se os preços dos leitores portáteis de mp3 e das ligações à Internet baixarem, o podcast, que é uma espécie de "rádio à la carte", crescerá exponencialmente.
O programa "Íntima Fracção", de que és autor, está a fazer o caminho inverso. Começou na rádio e agora está já em podcast. O podcast é a salvação par aos autores?
Neste momento é uma tábua de salvação para a rádio de autor. Não é a salvação dos autores, porque o podcast não é ainda rentável.
Mas gostarias que a "Íntima Fracção" continuasse no éter? Gostarias que o programa "Íntima Fracção" reencontrasse espaço numa rádio com maior dimensão?
A IF continua no éter, numa rádio abertamente alternativa, a Rádio Universidade de Coimbra (RUC). Estão ali das mais interessantes propostas alternativas ao mainstream radiofónico português. O éter e a rádio de maior dimensão só me interessam na medida em que possam contribuir para uma mais vasta audiência. No entanto, se isso tiver que ser pago com qualquer tipo de concessão, o podcast é uma garantia de efectiva liberdade de criação e de uma possibilidade de distribuição mundial. Pelo seu percurso, não é a IF que tem de encontrar um espaço numa rádio de maior dimensão, é alguma delas que tem de encontrar espaço para a IF.
És ouvinte de rádio? Quando começaste a ouvir e o quê?
Fui. Neste momento, oiço rádio no carro e apenas quando não tenho acesso ao leitor de CD´s. No carro oiço a RUC, alguma Antena 2 e, pontualmente, notícias na TSF e na Antena 1. Em casa, sobra-me um pequeníssimo rádio a pilhas. Também oiço rádio através da Internet. Coisas de fora...Comecei a ouvir rádio na primeira infância. Lembro-me dos folhetins do RCP, do programa infantil da Emissora Nacional (Maria Madalena Patacho), das emissões dos domingos de manhã. No liceu, todas as manhãs ouvia rádio logo que me levantava. Ouvi em Onda Média (OM) a Rádio Monte Carlo. Mas foi o FM do RCP que me atraiu. O lendário programa "Em órbita" foi uma enorme referência. Ouvia todos os dias, ao fim da tarde, e mesmo quando passava também na OM à meia-noite. Foi lá que ouvi pela primeira vez "God only knows" [Beach Boys] e uma longa lista de músicas essenciais. Aprendi imenso com esses tempos do primeiro FM do RCP. Mas também ouvi muita rádio nocturna, desde o “Banda Sonora” (com o João David Nunes), “23ª hora” (João Martins) até aos programas de grande criatividade que foram o “PBX” e o “Tempo ZIP” (Carlos Cruz, Fialho Gouveia, José Nuno Martins, João Paulo Guerra...).
Da rádio que actualmente ouves, o que é que não perdes de ouvido?
Como actualmente vivo em Coimbra, a única coisa que não perco de ouvido são os bons momentos da RUC. Há diversas pérolas. Muitas, felizmente. E um diamante: "Vidro Azul", do Ricardo Mariano.
E os radialistas que mais gostas. Quais são?
Actualmente não há radialistas. Há gente que carrega nos botões. Muitos são magníficos criadores estrangulados.
Tens saudades dos tempos das rádios piratas?
Claro que era um tempo entusiasmante. Na época trabalhava na RDP e participei numa emissão pirata, o que me poderia ter criado problemas. Julgava que as coisas seguiriam outro caminho. A legalização domesticou as rádios. Tenho, no entanto, uma forte recordação de uma época em que a Rádio Livre Internacional (Américo Mascarenhas, vindo das rádios livres francesas), fugindo dos serviços rádio-eléctricos, emitia 24/24h um looping com "Moments in Love" dos Art of Noise. Eu ouvia aquilo horas a fio... Naquele contexto, ganhava um estranho sentido de alternativa estética.
Tens tido bom feedback do programa através da Internet e do Podcast?
Muito acima do que alguma vez pensei! Um espanto absoluto apodera-se de mim quando vejo um simples blogue sobre um programa de rádio – sem ser de massas! – atingir as centenas de milhares de visitas! E um muito maior espanto quando verifico que a IF é ouvida um pouco por todo o mundo.
Queres continuar a fazer rádio para sempre?
Esta é uma pergunta duríssima. Penso fazer rádio enquanto sentir necessidade de o fazer. Tal como um pintor, um escritor, um realizador. Para mim, a rádio é uma actividade criativa nobre. Quando sentir que não há mesmo espaço a não ser para a imbecilidade, estarei numa outra luta, aquela que permita a reabilitação da rádio. Deixo, no entanto, uma ressalva. A evolução tecnológica pode transformar profundamente os conceitos sobre os quais estamos, agora, a reflectir.
O actual panorama radiofónico em Portugal...é irreversível?
É. As coisas poderão melhorar andando para a frente, não para trás.
Qual seria a saída/salvação para a actual rádio tradicional?
Esquecer-se que é rádio tradicional...
Em todos estes anos, qual o período de rádio que viveste que mais gostaste? E qual foi o pior?
Desde que faço rádio, os anos 80 foram os melhores. Senti-me também muito feliz quando entre 1996 e 2003 fiz, no meu próprio pequeno estúdio, a “Íntima Fracção” para a TSF. Anos absolutamente felizes. O ter acompanhado e participado em todas as frentes, na criação da Rádio Jornal do Centro (TSF- Coimbra), em 89/90, foi também um momento muito bom.
O pior? Não sei... desde que estivesse na rádio, tudo me parecia bom. "Even the bad times are good"! Passei por situações muito injustas na RDP, embora tenha sido lá que aprendi muita coisa e onde vivi grandes momentos. Mas o pior momento foi na noite de 28 de Setembro de 2003. A última IF na TSF. Uma mágoa inelutável. Os Rolling Stones tocavam nessa noite em Coimbra e era o prenúncio da "nova" rádio que aí vinha. Quer dizer, o "velho" a fazer-se "novo". Antes da IF entrar no ar, o Francisco Mateus, em antena, fez-lhe uma sentida homenagem. Ele sabia que, também ele, iria entrar num buraco negro. Só que o ciclo é impossível de conter. Depois da escuridão, virá a luz!
Há sempre um traço azul no futuro incandescente
ÍNTIMA FRACÇÃO
RUC – Rádio Universidade Coimbra
Sábado p/ Domingo (01:00/02:00)
Rádio: http://www.ruc.pt/
Blogue: http://www.intima.blogspot.com/
Download: http://www.esec.pt/radio/programas/intimafraccao/if.html
Podcast: http://www.gavezdois.com/
Dedicação: http://www.if-no-ar.blogspot.com/
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O que eles dizem (09)
Podcast = Futuro da rádio?
«É uma extensão da mesma; uma forma de prolongar o contacto com as rádios e chegar a outras audiências»
Ana Ricciardi
(Cotonete)
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«É uma boa alternativa à rádio convencional graças a uma diferença: podemos descarregar conteúdos bastante mais especializados que a rádio não pode passar (novos projectos musicais, conteúdos educativos…)»
Filipe Barreto
(«Jam Session»)
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« [Poderá] assumir um papel de intervenção na divulgação da cultura urbana mais marginal e potenciar novos focos de “resistência estética” que, de outra forma, estariam condenados à clandestinidade e que assim se podem propagar num regime hi tech mas a low cost».
«[O Podcast] é uma matéria ainda restrita a determinados circuitos mas que pode devolver a “marca autoral” que a rádio parece ter perdido face á formatação e alteração dos hábitos de consumo.»
Rui Torrinha
(Rádio Universidade do Minho)
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«Duvido que a rádio convencional, a curto prazo, desague no Podcast. No entanto a viagem já se iniciou e (…) o Podcast emergirá como um mundo de possibilidades muito mais vastas do que a rádio tradicional».
Francisco Amaral
(«Íntima Fracção»)
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«O que vai ter a mais do que a rádio é a diversidade e liberdade de conteúdos, não estando preso ás regras normalmente impostas aos media tradicionais».
Duarte Velez Grilo
(«Blitzkrieg Bop»)
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«São propostas diferentes embora haja espaço para que os dois universos se encontrem. Os podcasts (…) podem fazer um trabalho mais profundo que o das rádios comerciais. A relação é semelhante à dos blogues e dos sites pessoais com jornais e revistas».
Guilherme Werneck
(«Discofonia»)
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O Podcast é o acesso a qualquer tipo de áudio, em forma de emissão radiofónica, audioblogue (um blogue oralizado) ou outro tipo de registo criado por qualquer pessoa.
Luís Guerra
In BLITZ
24.Janeiro.2006