quinta-feira, 23 de março de 2006
«E você? Ainda está aí?»
«…então fique para ouvir (…) nas manhãs da Comercial!». Era muitas vezes esta a frase utilizada por José Ramos nas saudosas “Manhãs da Comercial” nos anos 80. Eram os tempos da Doce Mania de Rádio. Como ouvinte, acompanhei o arranque destas manhãs da Comercial. Estávamos em 1985, e o horário 07:00-10:00 de segunda a sexta-feira era repartido nos dias entre José Ramos e Herman José. Depois de algum tempo assim, Herman deixou as manhãs da Comercial, ficando estas entregues por inteiro a José Ramos. Foram anos gloriosos esses, em que eu ainda não tinha a má relação que tenho hoje com esse fenómeno natural e estranho a que chamam manhãs. Emissões de bom humor. José Ramos fazia-as com grande entrega, grande gosto. Isso era claramente visível. Era livre de dizer o que muito bem quisesse. Escolhia as músicas que queria. Era um verdadeiro animador de rádio, pleno de liberdade editorial. Depois de uma pausa, já no início dos anos 90, aconteceu o regresso de José Ramos às manhãs da Comercial. Mas já não eram a mesma coisa. Talvez eu sinta isto por deformação enquanto ouvinte, por já estar a consumir outro tipo de rádio nessa altura. Ou então era a própria Rádio em Portugal que já tinha mudado.
A partir de 1993, com a privatização da Rádio Comercial, deixou de haver espaço para um radialista das características “clássicas” de José Ramos. E o resultado está à vista de todos. Sem liberdade total, não queria continuar na rádio. É claro que ele não precisava da rádio para nada, muito pelo contrário. Havia a imensa publicidade que gravava, havia a voz off na SIC e outras coisas, entre elas a paixão pelos automóveis.
Mas nem só de pão vive o homem. José Ramos estava afastado do que mais gostava – a Rádio – porque não aceitou deixar de ser livre. E ele sentia esse afastamento com desgosto. Ele próprio o disse em Junho último, quando foi convidado no programa “Prova Oral” da Antena3. “Não aceito regressar à rádio sem ter a garantia de ter um programa só meu onde possa fazer o que quiser”, disse. E sobre o actual estado de coisas na radiodifusão em Portugal, afirmou: “Esses consultores estrangeiros que contratam para formatar as nossas rádios só cá vêm para mamar uma pipa de massa. Não percebem nada disto!”. José Ramos foi convidado nessa emissão da Antena3 a propósito do livro autobiográfico que então lançara intitulado “NO AR – Live on Paper”.
Desde há poucos meses, José Ramos tinha uma crónica semanal na RDP-Antena1, no painel "Os Reis da Rádio", do qual também fazem parte outros nomes grandes da história da rádio portuguesa dos últimos trinta anos.
E você? Ainda está aí?
Foi nas manhãs da Comercial, na voz de José Ramos, que Portugal ficou a saber em primeira mão do trágico acidente de aviação que vitimou o então presidente moçambicano Samora Machel. Os noticiários eram de meia em meia hora, editados pelo jornalista Jorge Moreira. Uma inovação na altura, e, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, foi um figurino inaugurado pelas manhãs da Rádio Comercial. Ainda não existia a TSF.
Foi também nas manhãs de rádio com José Ramos que conheci algumas das canções que ainda hoje me acompanham. “Bound For Glory” e "Once An Angel" do álbum “Old Ways” de Neil Young, “Okie From Muskogee” de Merle Haggard ao vivo num espectáculo para as tropas no Vietname; a incrível versão de palco do tema “Jersey Girl” de Tom Waits por Bruce Springsteen e a E Street Band; O álbum homónimo de Rui Veloso em 1986; a estreia nacional da canção “Pássaros do Sul” de Mafalda Veiga; dois instrumentais: um da banda sonora do filme “Cal”, composta por Mark Knopfler e um outro da autoria do guitarrista português Francis. E sempre que ouvia estas canções associava-as ao José Ramos nas manhãs da Comercial. Mas principalmente a canção “J’arrive” na voz de Jacques Brel. José Ramos, numa madrugada da Rádio Comercial, enquanto convidado, levou alguns temas para se ouvir. “J’arrive” era um deles, e José Ramos explicou a escolha, dizendo que aquela canção que lhe causava arrepios de morte. Isto porque Brel gravou-a quando já tinha sido desenganado pelos médicos. Gravou-a quando sabia já que não iria sobreviver ao cancro que o atacara. Cantou-a como se fosse a última vez na vida.
O que eles dizem (13)
Hoje vamos ter uma emissão especial. Não escolhemos um tema, antes preferimos escolher uma personalidade e, a partir dela, deixar que o tempo nos conduza para onde lhe apetecer. O nosso convidado de hoje é um dos ícones da comunicação, o verdadeiro "monstro". Ele já fez rádio (a sua grande paixão), é a principal voz da SIC (sim, é esse com uma voz incrível) e foi - e continua a ser - um dos principais locutores de publicidade.
José Ramos escreve um "photomaton de retalhos da sua vida" e dá-se a conhecer. Esta auto-biobgrafia da voz que já faz parte de nós, ganha agora um corpo que podemos ficar a conhecer melhor.
NO AR – “Live on paper” é o livro sobre o qual vamos falar hoje.A partir das 19h, vamos conhecer José Ramos!
in http://provaoral.blogspot.com
23 Junho 2005
No caso, importa-me pouco o que fazia José Ramos. O que sei é que tinha uma voz que invejava, uma voz que provoca natural inveja em quem, como o signatário destas linhas, sonha acordado com a rádio mas não faz grande esforço por encaixar-se no caciquismo em que hoje funciona o excrementício meio de comunicação.
Pedro Gonçalves
in http://1poucomouco.blogspot.com/
22 Março 2006
Acho que acreditei que ele se ia safar, outra vez. Foram tantos os problemas cardíacos que ele teve ao longo da vida, tantas vezes o risco disto acontecer e tanto o desprezo dele pelas regras da vida e da morte - e de tudo ele se foi safando com uma energia inacreditável. Algum dia tinha de ceder, mas acho que, lá no fundo ele sabia disso. Sabia disso, mas também que já que nos é dada uma vida, mais vale vivê-la com um gozo descomunal e sem restrições do que ganhar um grão de saúde e ficar privado das coisas de que se gosta. Quem é que pode dizer que isto é uma má lição de vida? Aqui está um homem que manteve até ao fim um par de tomates do tamanho da sua incrível, inigualável voz de trovão. Toda a gente vai sentir a falta dele. Mesmo as pessoas que não fazem a mínima ideia de quem ele era.
Nuno Markl
in http://www.havidaemmarkl.com/
21 Março 2006
A partir de 1993, com a privatização da Rádio Comercial, deixou de haver espaço para um radialista das características “clássicas” de José Ramos. E o resultado está à vista de todos. Sem liberdade total, não queria continuar na rádio. É claro que ele não precisava da rádio para nada, muito pelo contrário. Havia a imensa publicidade que gravava, havia a voz off na SIC e outras coisas, entre elas a paixão pelos automóveis.
Mas nem só de pão vive o homem. José Ramos estava afastado do que mais gostava – a Rádio – porque não aceitou deixar de ser livre. E ele sentia esse afastamento com desgosto. Ele próprio o disse em Junho último, quando foi convidado no programa “Prova Oral” da Antena3. “Não aceito regressar à rádio sem ter a garantia de ter um programa só meu onde possa fazer o que quiser”, disse. E sobre o actual estado de coisas na radiodifusão em Portugal, afirmou: “Esses consultores estrangeiros que contratam para formatar as nossas rádios só cá vêm para mamar uma pipa de massa. Não percebem nada disto!”. José Ramos foi convidado nessa emissão da Antena3 a propósito do livro autobiográfico que então lançara intitulado “NO AR – Live on Paper”.
Desde há poucos meses, José Ramos tinha uma crónica semanal na RDP-Antena1, no painel "Os Reis da Rádio", do qual também fazem parte outros nomes grandes da história da rádio portuguesa dos últimos trinta anos.
E você? Ainda está aí?
Foi nas manhãs da Comercial, na voz de José Ramos, que Portugal ficou a saber em primeira mão do trágico acidente de aviação que vitimou o então presidente moçambicano Samora Machel. Os noticiários eram de meia em meia hora, editados pelo jornalista Jorge Moreira. Uma inovação na altura, e, ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, foi um figurino inaugurado pelas manhãs da Rádio Comercial. Ainda não existia a TSF.
Foi também nas manhãs de rádio com José Ramos que conheci algumas das canções que ainda hoje me acompanham. “Bound For Glory” e "Once An Angel" do álbum “Old Ways” de Neil Young, “Okie From Muskogee” de Merle Haggard ao vivo num espectáculo para as tropas no Vietname; a incrível versão de palco do tema “Jersey Girl” de Tom Waits por Bruce Springsteen e a E Street Band; O álbum homónimo de Rui Veloso em 1986; a estreia nacional da canção “Pássaros do Sul” de Mafalda Veiga; dois instrumentais: um da banda sonora do filme “Cal”, composta por Mark Knopfler e um outro da autoria do guitarrista português Francis. E sempre que ouvia estas canções associava-as ao José Ramos nas manhãs da Comercial. Mas principalmente a canção “J’arrive” na voz de Jacques Brel. José Ramos, numa madrugada da Rádio Comercial, enquanto convidado, levou alguns temas para se ouvir. “J’arrive” era um deles, e José Ramos explicou a escolha, dizendo que aquela canção que lhe causava arrepios de morte. Isto porque Brel gravou-a quando já tinha sido desenganado pelos médicos. Gravou-a quando sabia já que não iria sobreviver ao cancro que o atacara. Cantou-a como se fosse a última vez na vida.
O que eles dizem (13)
Hoje vamos ter uma emissão especial. Não escolhemos um tema, antes preferimos escolher uma personalidade e, a partir dela, deixar que o tempo nos conduza para onde lhe apetecer. O nosso convidado de hoje é um dos ícones da comunicação, o verdadeiro "monstro". Ele já fez rádio (a sua grande paixão), é a principal voz da SIC (sim, é esse com uma voz incrível) e foi - e continua a ser - um dos principais locutores de publicidade.
José Ramos escreve um "photomaton de retalhos da sua vida" e dá-se a conhecer. Esta auto-biobgrafia da voz que já faz parte de nós, ganha agora um corpo que podemos ficar a conhecer melhor.
NO AR – “Live on paper” é o livro sobre o qual vamos falar hoje.A partir das 19h, vamos conhecer José Ramos!
in http://provaoral.blogspot.com
23 Junho 2005
No caso, importa-me pouco o que fazia José Ramos. O que sei é que tinha uma voz que invejava, uma voz que provoca natural inveja em quem, como o signatário destas linhas, sonha acordado com a rádio mas não faz grande esforço por encaixar-se no caciquismo em que hoje funciona o excrementício meio de comunicação.
Pedro Gonçalves
in http://1poucomouco.blogspot.com/
22 Março 2006
Acho que acreditei que ele se ia safar, outra vez. Foram tantos os problemas cardíacos que ele teve ao longo da vida, tantas vezes o risco disto acontecer e tanto o desprezo dele pelas regras da vida e da morte - e de tudo ele se foi safando com uma energia inacreditável. Algum dia tinha de ceder, mas acho que, lá no fundo ele sabia disso. Sabia disso, mas também que já que nos é dada uma vida, mais vale vivê-la com um gozo descomunal e sem restrições do que ganhar um grão de saúde e ficar privado das coisas de que se gosta. Quem é que pode dizer que isto é uma má lição de vida? Aqui está um homem que manteve até ao fim um par de tomates do tamanho da sua incrível, inigualável voz de trovão. Toda a gente vai sentir a falta dele. Mesmo as pessoas que não fazem a mínima ideia de quem ele era.
Nuno Markl
in http://www.havidaemmarkl.com/
21 Março 2006