quinta-feira, 30 de março de 2006

O que é feito deles?

(continuação)

A memória é mesmo assim… selectiva, autónoma. Quando de rajada escrevi o texto anterior senti, por mais de uma vez, que incorrera no erro do esquecimento. Mas não conseguia descobrir “quem”, “onde”. Num texto evocativo, recorrendo unicamente à memória, haveria sempre alguém que iria ficar de fora. Assim foi. E logo ficara de fora aquele que para mim, e sem desprimor de todas as pessoas da rádio que já publicamente mostrei admiração e apreço, considero ser o melhor radialista de todos os tempos (leia-se: do meu tempo enquanto ouvinte). É também por ele, mas não só, que sinto a obrigação de voltar a escrever uma continuação do texto de ontem. São mais dez pessoas, dez nomes. E vou começar exactamente pela grande falha memoranda que enunciei.

Cândido Mota: o mítico “Passageiro da Noite” de que fui ouvinte instável. Sentia desconforto quando ouvia aquilo. Mas ao mesmo tempo o programa tinha grandes momentos de conversa íntima, de grande proximidade entre as partes envolvidas, embora as coisas às vezes resvalassem para o plano escatológico. O “Passageiro da Noite” foi, por vezes, um esplendor de humanidade. Emissor e receptor num só. O programa durou quase dois anos. Era notoriamente um registo de enorme desgaste para o interlocutor da cabina. Até que numa célebre noite (que eu ouvi com grande espanto!) Cândido Mota foi inusitadamente às cordas e disse: “Hoje o passageiro sou eu! Chegou a minha hora!”… e foi por ali fora criticando a administração da Rádio Comercial onde o programa era feito. Veio processo, e foi-se embora o animador. O programa foi suspenso, conhecendo uma segunda (e curta) vida sob a moderação de Teresa Cruz e Orlando Dias Agudo que foram ao tapete em poucos meses.
Voltei a escutá-lo, já na década de 90 na Rádio Comercial, num programa diário de conversa solta durante uma hora com um convidado diferente por dia. Era também na Rádio Comercial, em directo à noite. Chamava-se «Salada com Todos». Não ouvi a derradeira emissão, mas parece ter sido problemática, com novos desabafos críticos do animador, que depois disso, não voltou mais.
Cândido Mota teve muitas e variadas aparições radiofónicas (RCP – Rádio Clube Português; RDP – Antena1 e Antena2; Rádio Comercial). Manteve-se sempre visível nos media, quer fosse na televisão, colaborando com Herman José, quer na gravação de voz off ou em spots de publicidade. Na rádio, é actualmente (há já bons anos) voz de estação da RDS – Rádio Seixal. E é justamente na vila do Seixal que o encontro, ao vivo, todos os anos a apresentar as festividades no dia 25 de Abril.
Cândido Mota, em nome próprio, está fora da rádio há mais de dez anos, mas continua a ser, em minha opinião, o mais versátil, o mais completo radialista que encontrei enquanto ouvinte. Lamento duas coisas: que Cândido Mota tenha saído da rádio tão prematuramente e de eu ainda não ser nascido nos tempos em que ele dava voz – e que voz – ao «Em órbita». Felizmente, em 2001, consegui ouvir alguns excertos dessas prestações no decorrer de uma conversa com Jorge Gil, autor do «Em órbita» e de «À Sombra de Edison». Este último já pude acompanhar como ouvinte, mas durou tão pouco tempo…

Já agora, o que é feito do próprio Jorge Gil, autor dos já citados programas «Em órbita» e «À Sombra de Edison». A última vez que o escutei foi em Março de 2001, Antena2, na derradeira emissão de «Em órbita». Dois anos mais tarde, ainda colhi com surpresa a decisão da Portugal Telecom em acabar com o financiamento dos «Concertos Em órbita» que também eram da responsabilidade de Jorge Gil. Desde então…

E o que é feito de Jorge Pego, autor do histórico “TNT –Todos no Top” na Rádio Comercial (anos 80). Muita gente talvez já não se lembre, mas o “TNT” teve também a locução de Manuela Moura Guedes. De segunda a sexta-feira, das dez da manhã ao meio-dia. Era uma manhã imperdível para mim, alternando com a onda média e as inevitáveis idas à escola. E se era difícil sair de casa àquela hora…
Actualmente ouço-o na Sic-Notícias num programa sobre automóveis, de resto uma área a que sempre esteve ligado.

E o que é feito de António Santos, autor do refinadíssimo programa “As Noites Longas do FM Estéreo” da mesma Comercial de 80. Foram seis anos e audiências que chegavam aos 48%, 49%. Valores absolutamente impensáveis para qualquer rádio portuguesa de hoje. Via António Santos muito na televisão, principalmente nos tempos do “Jornalinho”, na RTP. Nos anos 90, já na segunda metade, foi assessor político e desde então, nem rádio nem televisão.

E o que é feito de Maria José Mauperrin, realizadora do elegantíssimo “Café Concerto” na Rádio Comercial, durante os primeiros cinco anos da década de 80, de segunda a sexta-feira (22:00/00:00). Cultura nas áreas da literatura, cinema, teatro, artes plásticas, música, etc. Com ela também estavam Aníbal Cabrita, Manuela Gomes, Manuel Cintra Ferreira, Victor Consciência e um vasto leque de colaboradores, entre eles, José Duarte, Miguel Esteves Cardoso, Jorge Listopad, Carlos Amaral Dias, Fernando Dacosta, etc

E o que é feito de Graça Vasconcelos, autora do excelentíssimo “Imaginário” na RDP-Antena1, nas noites de 2ª a 6ª (antecedia o “Voo de Pássaro” de Júlio Montenegro). Um género de magazine cultural, dirigido a um público mais exigente. Classe e distinção. Tinha como indicativo um tema de Ry Cooder da banda sonora do filme “Paris Texas” de Wim Wenders.

E o que é feito de Luís Paixão Martins, sabendo-se que actualmente é empresário em publicidade e relações públicas. Há pouco mais de vinte anos era editor das manhãs da Comercial. As melhores manhãs informativas que ouvi na década de 80. Por essa altura fazia dupla com António Macedo. Aquilo é que era…

E o que é feito de Pedro Castelo, também ele uma das vozes do mítico «Em órbita» e o apresentador que mais gostei do programa “24ª Hora” na Rádio Comercial / anos 80. Foi e é um grande conhecedor de automobilismo. Já nem sei quando o ouvi pela última vez a fazer rádio. Já deve ter sido mesmo há muito tempo…

E o que é feito de Jaime Fernandes, radialista em todos os aspectos, autor de programas de música “Country”. Eu não sou grande apreciador do género, com a excepção de alguns artistas, mas apresentados por Jaime Fernandes na rádio eu gostava de muitos mais. Depois de se retirar da produção desses programas, o mesmo acontecendo com outro radialista – Rui Almeida – a Country Music perdeu por completo expressão no nosso país.

E o que é feito de Paulo Coelho, co-autor com Fernanda Ferreira dos célebres “Os Símbolos do Tempo” e “Círculo em FM”. Este último com divulgação de edições do Círculo de leitores, pausando com música (da boa!). O recentemente falecido José Ramos também fez aqui locução.

E o que é feito de Ricardo Camacho, músico e produtor, homem ligado à medicina mas também homem da rádio. Foi co-autor do programa “Pedras Rolantes”, em parceria com Rui Neves e Rui Morrison.

E o que é feito de Miguel Esteves Cardoso, um prodigioso da escrita, da crítica e da criação, que esteve envolvido em tantos projectos eficazes na Rádio Comercial e que agora já nem na TV se vê?


Destas gerações, e destes tempos dourados da rádio em Portugal, há ainda alguns nomes que se mantêm no activo. António Macedo, Aníbal Cabrita, Ricardo Saló, Luís Filipe Barros, António Sérgio, Rui Pego, José Nuno Martins, Francisco Amaral, Sanção Coelho, António Cartaxo, Edite Sombreireiro, José Duarte. Acho que, mesmo assim, com esta “segunda leva” de evocações e memórias, ainda me devo ter esquecido de alguém que, para mim, teve um papel importante na rádio enquanto ouvinte. Penitenciar-me-ei devidamente se disso me der conta.

Como é claramente notório, a parte de leão destas evocações pertencem a um período muito específico da Rádio Comercial, que percorreu toda a década de oitenta em Portugal. E não por acaso. É um facto histórico e inegável que foi a estação de rádio mais importante nessa altura e que muita gente recorda com saudade. Atenção: saudade, não saudosismo.
Para quem, como eu, viveu intensamente como ouvinte esses dias gloriosos da rádio, vai com certeza identificar-se com um texto que estou a ultimar e que aqui publicarei em breve.




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