terça-feira, 7 de março de 2006
[percepções]
É um Photoshop sonoro. As layers numeradas (layerlist) sucedem-se umas às outras, como quem sobrepõe folhas de acetato, deixando transparecer a percepção que a última deixou. Um tema, uma imagem, uma frase, um sentimento, um motivo e… zás! flash! À volta do clarão de luz e sombra, um conjunto de músicas directamente ou indirectamente ligadas ao tema escolhido. Não é uma composição da palavra, mas se uma imagem vale por mil palavras, aqui um som vale por quantas palavras que se diriam. Trata-se de um ensaio sonoro com imagem cuidada através de um blogue, ouvidos selectos em Braga e tudo à volta, e mãos sensíveis num click cibernauta.
Por vezes, na matiz final, [percepções], da autoria de Nídio Amado, toca-se o absoluto infinito.
Entrevista a NÍDIO AMADO
Quando começaste a fazer rádio?
A minha relação com a Rádio Universitária do Minho (RUM) começou há cerca de quatro anos. Uma troca de e-mails, sobre música, com o autor de um programa, Luís de Sousa, que acabou num convite para visitar a estação. Não tinha qualquer intenção em fazer rádio, apesar de ser um ouvinte compulsivo de rádio. Acabei por fazer amizades dentro da RUM. Conheci várias pessoas que partilhavam da mesma paixão pela música e, claro, pela rádio, o que me levou a frequentar com regularidade as instalações. Algum tempo depois integrei a Escola Rum, uma espécie de tubo de ensaio para novos programas, mas nunca fiquei satisfeito com os resultados… Não me atraía fazer um programa dentro dos moldes tradicionais, sobretudo no que dizia respeito à parte da locução. Assim, durante bastante tempo ajudei a seleccionar temas para passar em antena, nomeadamente, os destaques/novidades que passavam na RUM. Fui tendo outras colaborações esporádicas, por exemplo, cobertura de concertos e outros eventos. Após várias experiências criei um formato, que, posteriormente, apresentei ao director de programas, o [percepções]. Mais tarde fui convidado para integrar a equipa que faz um programa diário sobre novas tendências da música electrónica, o hi-tech.
Quando começou o [percepções]?
Em termos exactos o [percepções] começou há 63 semanas. Claro que a ideia começou a ser trabalhada e experimentada há mais tempo.
Como e quando aderiste ao Podcast?
Desde o início que o programa tem um suporte digital na Internet, o blogue http://infinitu.blogspot.com/ e uma mailinglist. A ideia era criar um suporte digital que complementasse o programa. Cada emissão do [percepções] teria um tema especifico, à qual estaria associada uma imagem, ou seja, em cada semana faria um ensaio sonoro, complementado com uma componente gráfica, sobre uma percepção escolhida por mim. O programa seria emitido semanalmente na RUM e estaria disponível para download no blogue, pretendia criar o conceito de rádio-blogue. Até que, passado alguns meses do inicio das emissões regulares do [percepções], percebi que estava a surgir na Internet um formato muito semelhante ao que eu tinha imaginado para o blogue, o podcast. A migração do programa para o podcast acabou por ser uma evolução natural do que tinha projectado inicialmente.
Achas que é uma ameaça à rádio tradicional ou é apenas uma mais valia como foi o aparecimento da Internet?
A rádio tradicional sempre teve uma grande desvantagem em relação à televisão, as pessoas quando não podiam ver um programa deixavam o vídeo a gravar. A rádio sempre foi um meio de comunicação em que os programas tiveram um tempo de vida curto, reduzido ao momento da sua emissão. A menos que houvesse uma repetição, se alguém perdesse um programa não o podia ouvir. O podcast vem colmatar esta grande desvantagem da rádio. Por outro lado, penso que dentro de dois ou três anos poderá ser uma grande vantagem comercial para as rádios. Com a evolução dos telemóveis em termos de hardware e software vai criar-se um mercado para conteúdos áudio pagos e, consequentemente, uma boa oportunidade de negócio para a rádio. Um pouco como está agora a acontecer com o itunes. Só que na Europa, e em especial em Portugal, dada a nossa tradição no uso do telemóvel acho que as pessoas só aceitarão pagar quando a tecnologia estiver disponível nestes equipamentos e for tão simples de usar como no itunes. Se a rádio souber adaptar-se, o podcast será, sem dúvida, uma mais valia.
Como vês o panorama actual das rádios em Portugal?
Tenho 27 anos e comecei a ouvir rádio regularmente desde os 14. Acho que houve nos últimos anos uma regressão generalizada em termos qualitativos. Talvez a excepção tenha sido a Antena1, que tem melhorado, significativamente, sobretudo com o recrutamento de elementos valiosos dos quadros da TSF, apesar de ainda não ter conseguido libertar-se de alguns maus vícios do passado. O encerramento da VOXX foi lamentável, tal como aconteceu com a XFM nos anos 90, e a expansão do grupo Média Capital acabou por ser negativa, a estratégia que adoptaram de formatação das rádios teve resultados desastrosos. Tenho bastantes saudades da TSF dos anos 90.
As playlists são um mal necessário? Um mal necessário para as rádios, isto é, uma espécie de concessão ou uma necessidade para a viabilidade económica por via das audiências?
As playlists são essenciais para a fixação de audiências. A gestão que é feita das playlists é que pode ser positiva ou negativa. O principal erro é a forma leviana como essa gestão é feita. Muitas vezes baseiam-se em estudos de mercado cujas conclusões me levantam muitas dúvidas. É uma questão que tem merecido bastante reflexão na RUM.
O que pensas da nova lei sobre as quotas de música portuguesa?
Uma ideia triste. Não é com leis deste tipo que se vai fazer a defesa e promoção da música portuguesa. Acho que se deveria apostar em criar estrutura editorial nacional forte para promoção daquilo que melhor se produz em Portugal, uma estrutura que promovesse a música dentro do território nacional, mas também lá fora. Um pouco à semelhança daquilo que acontece nos países nórdicos.
O programa [percepções], de que és autor, está a fazer o caminho inverso. Começou numa rádio e agora está em podcast. O podcast é a salvação para os autores?
O podcast é mais um meio para os autores darem a conhecer os seus programas. Um meio novo que tem como grande vantagem dar uma dimensão nacional aos programas emitidos em rádios locais e uma dimensão internacional aos programas emitidos em estações nacionais. É obvio que também vai abrir novas possibilidades a quem não tem espaço numa rádio. Acima de tudo vai criar novas oportunidades, vai permitir experimentar novos formatos. Não me admiraria muito se em breve tivéssemos programas a fazerem o caminho inverso, passarem do podcast para uma rádio.
Mas gostarias que o [percepções] continuasse no éter? Se sim, gostarias que o programa [percepções] encontrasse espaço numa rádio com maior dimensão?
Sim, claro que gostaria, apesar de a minha ideia ser não prolongar, excessivamente, o tempo de vida do programa. Aliás, neste momento já começo a pensar num substituto. Dadas as características do programa, tenho a perfeita consciência de que se trata de um formato para uma minoria de pessoas. Por isso, o ambiente natural de um programa como o [percepções] é uma rádio com as características da RUM.
És ouvinte de rádio? Quando começaste a ouvir e o quê?
Sou um ouvinte regular de rádio desde os 14 anos. Comecei a ouvir a TSF no início dos anos 90. A grelha era riquíssima mas acho que, inicialmente, o que mais me atraiu foi a informação.
Da rádio que actualmente ouves, o que é que não perdes de ouvido?
A informação da Antena 1 e da TSF, alguns programas de autor da RUM (“Cooltronica”; “Janela Amarela”; “Dicionário da Rádio”; “Rum Upload”…), alguns programas de autor da RUC (“Intima Fracção” e “Vidro Azul”…), o “Cinemax” na Antena 1 e vou ouvindo as emissões online de algumas rádios estrangeiras na Internet: Xfm London; Resonance FM, Radio4… Agora que a Radar tem emissão online tenho curiosidade em ouvir o “Discos Voadores” do Nuno Galopim.
E os radialistas que mais gostas. Quais são?
Esta pergunta é complicada… Fernando Alves, João Paulo Guerra, Ricardo Saló, Tiago Alves, Carlos Vaz Marques, Francisco Amaral, Francisco Sena Santos, Inês Meneses, Lara Marques Pereira…
Tens saudades dos tempos das piratas?
Sinceramente, nunca estive dentro do fenómeno, apesar de adorar ouvir as histórias dos tempos em que a RUM funcionava como rádio pirata.
O [percepções] é o "teu" programa ou o programa "possível"?
É o programa possível. A minha actividade profissional ocupa o meu tempo livre quase todo. O programa é montado por mim e a nível técnico se tivesse mais tempo poderia ir mais longe, tenho várias ideias em termos de sonoplastia que gostaria de experimentar.
O que dizes dessa experiência de trabalhares numa rádio de autores como a RUM? Respira-se um ambiente estimulante e de criatividade contínua?
Sem dúvida, apesar de todas as dificuldades que uma rádio como a RUM enfrenta no dia a dia para sobreviver. Há um ambiente de partilha de ideias e de trabalho muito estimulante. A RUM, neste aspecto, funciona quase como uma bolha de oxigénio, pois a cidade de Braga tem uma oferta cultural bastante limitada e a rádio acaba por compensar este facto.
Tens tido bom feedback do programa através da Internet e do podcast?
É curioso que recebo mais feedback de pessoas que não estão no raio da frequência da RUM, portanto pessoas que descarregam o programa na Internet. Mas no geral o feedback que tenho recebido tem sido muito positivo.
Queres continuar a fazer rádio para sempre?
Para mim mais importante do que fazer rádio, no sentido de ter um programa de autor, é estar na rádio. Quero estar numa rádio onde haja liberdade estética e que seja independente, tendo sempre consciência de que uma rádio tem de gerar receitas. Às vezes é preciso fazer concessões, mas estas devem ser feitas de uma forma equilibrada. Agora, se quero continuar a fazer programas, a produzi-los… não tenho uma ideia definida quanto a isso. Neste momento a minha principal preocupação é ser útil à RUM.
A opção estética de não dares voz deve-se a alguma razão especial ou é meramente isso mesmo, uma opção estética?
Quando frequentei a Escola RUM não gostei do resultado final de algumas sessões de locução que fiz, apesar de as pessoas que me orientaram terem uma opinião contrária. O que me levou a pensar em criar um programa em que não houvesse voz. Acho que, no fim, a opção acabou por ser estética, o formato que apresentei tinha espaço para vozes "sampladas", por exemplo, de filmes.
Que influências radiofónicas tem o [percepções]?
Por estranho que pareça, a maior influência acaba por ser o cinema. A ideia é que cada programa seja um ensaio sonoro, onde todas as semanas escolho um tema diferente, uma nova percepção. Cada [percepções] assemelha-se a uma banda sonora, daí que a inspiração venha muitas vezes do cinema. Não é alheio a isto, o facto de eu ser um cinéfilo fervoroso.
[percepções]
Rádio: RUM – Rádio Universidade Minho (Domingo p/ Segunda-feira: 00:00/01:00)
Blogue: http://infinitu.blogspot.com/
Download: http://www.megaupload.com/pt/?d=WPYD0MS2
Podcast: http://feeds.feedburner.com/PercepcoesPodcast
infinitu é a casa virtual de [percepções] programa com residência fixa, no éter da universitária, nas madrugadas de domingo para segunda, às 00horas para braga e tudo à volta na frequência 97.5 e no ciberespaço, via real áudio, em www.rum.pt