sexta-feira, 14 de abril de 2006
DIXIT
Ignatio Ramonet
Neste fim-de-semana prolongado, em que multidões se passeiam inocuamente em grandes centros comercias, em que são muitos os que procuram um sol tímido no Algarve, e que milhares desperdiçam tempo – e não só – nas estradas do país, talvez não fosse má ideia ocupar um bocado de todo esse tempo com coisas importantes e que directa ou indirectamente tem a ver com a vida de todos nós, todos os dias.
Recentemente esteve em Lisboa Ignatio Ramonet, jornalista e director do jornal «Le Monde Diplomatique». A intervenção deste reputado jornalista e pensador dos media foi acompanhada pelo “Clube de Jornalistas” e as reflexões de Ignatio Ramonet foram tema do programa «Clube de Jornalistas» transmitido esta semana na RTP2.
O mundo da Rádio tem tudo a ver com isto.
Seguem-se algumas citações obtidas através do site do "Clube de Jornalistas":
Ignatio Ramonet, director do "Le Monde Diplomatique", esteve recentemente em Lisboa, onde, falando sobre os media e a liberdade de expressão, colocou uma questão actualíssima e extremamente interessante: os media, que sempre foram um pilar da democracia, serão, nos nossos dias, um problema da democracia. Porquê? Segundo Ramonet, os media perderam credibilidade e, na sua maioria, deixaram de ser um contra-poder. Já não procuram intervir civicamente na sociedade, contribuindo para que esta seja melhor, mais justa, mais solidária, mais democrática. O seu negócio, hoje, é outro. Os media, integrados em grandes grupos económicos, procuram apenas o lucro e a rentabilidade. São uma mercadoria como outra qualquer. O mercado é o seu reino e o seu senhor. As audiências o seu disfarce. Será assim? O Clube de Jornalistas entendeu que este seria um tema interessante para discussão. Gravou a conferência que decorreu no Instituto Franco-Português (cheio a deitar por fora), escolheu quatro passagens do discurso de Ramonet e convidou, para as analisar em estúdio, três profissionais conceituados: Estrela Serrano, Diana Andringa e Fernando Correia. O jornalista Ribeiro Cardoso moderou o debate. Os quatro excertos da conferência de Ignatio Ramonet escolhidos pelo Clube de Jornalistas para debate em estúdio no programa, emitido na RTP2 nos dias 12 e 13 de Abril, são os seguintes:
I
Os media deixaram de ser fiáveis
"Estamos neste momento numa fase de intensa reflexão sobre o sector dos media, que atravessa uma crise dita económica e estrutural. Mas, no meio dessa crise, existe uma outra, de natureza diferente, que é a crise da credibilidade dos media, razão pela qual, para a maior parte dos cidadãos, sobretudo para cidadãos esclarecidos dos países democráticos e desenvolvidos, os media deixaram de ser fiáveis. Os media tornaram-se por isso, curiosamente, um problema da democracia. Nós sempre pensamos que os media são um pilar fundamental do regime democrático e é inimaginável conceber democracia sem uma comunicação social viva, activa, reactiva e desempenhando uma função. Mas a questão que se coloca hoje é que as democracias actuais conhecem o problema e, entre outros problemas, estamos perante o facto dos media não desempenharem hoje a função e o papel que desempenhavam no passado."
II
Preocupação dos media: a rentabilidade
"No decurso dos últimos quinze anos temos vindo a assistir à chegada de gigantes empresariais à comunicação social, juntando-se a isto, com todas as consequências, a globalização. E o que é a globalização? É essencialmente uma fase da história económica onde as empresas tendem a tornar-se mais importantes do que os Estados. Enquanto as empresas estão por todo planeta, os Estados estão limitados ao seu território e daí não podem sair facilmente. A globalização é o privado contra o público. É o mercado contra o Estado. É a empresa privada contra o serviço público e é esse o papel principal das empresas no domínio económico. Essas empresas, hoje, são sobretudo empresas dos grandes grupos mediáticos. No seio desses gigantes grupos mediáticos, a parte da comunicação social é reduzida. Se tomarmos como exemplo o grupo Murdoch, o aspecto realmente jornalístico, de informação, é extremamente reduzido naquele grupo, em comparação com a produção de filmes, de televisão, música, séries de televisão, livros, grandes séries, etc.… porque hoje em dia, não importa qual seja o grupo de comunicação social, a tendência é a de dominar todos os sectores. Todos os sectores da escrita, todos os sectores do som e todos os sectores da imagem. O que quer dizer que esses grupos têm como preocupação principal, como todos os grupos industriais que se prezam, a rentabilidade. A principal preocupação de um grupo mediático, como de um grupo industrial de outra natureza, é essencialmente a rentabilidade, os accionistas e o investimento. A preocupação não é intervir na sociedade com um ideal cívico, para tornar essa sociedade melhor, mais solidária e fraterna, mais calorosa e democrática. Estas são mesmo as últimas preocupações de uma empresa mediática moderna, que procura, acima de tudo, reduzir os custos, reduzir o número de trabalhadores e proceder de maneira a poder dominar mercados cada vez mais importantes."
III
Poder político já não é 1º poder
"A dimensão económica tornou-se hoje extremamente importante e com o advento da globalização os media deixaram de ter a preocupação de se tornarem um contra-poder. Isto, porque a repartição dos poderes se modificou. O poder político já não é hoje o principal poder. É o mais legítimo em democracia, diria mesmo, o único legítimo, mas já não é o principal poder. Quando se fala da liberdade de expressão, muitas vezes a prova de que vivemos num mundo livre é que nós, hoje, criticamos os políticos como nunca pudemos fazer antes. Ora, essa é a prova de que os políticos não têm poder, porque se eles tivessem realmente poder, não se deixariam criticar. Quem é que tem o poder hoje em dia? Bem, o poder económico é o primeiro poder. Será que hoje, na Imprensa, vemos tantas criticas aos grandes patrões dos media? É muito raro. Porquê? Porque são estes os proprietários da maior parte dos grupos de media. A quem pertencem os média? Não pertencem aos cidadãos nem ao poder político, porque é um princípio de há um tempo para cá, que o poder político não pode dominar os media, e os cidadãos criticam isso com fundamento. Contudo, há excepções. Hoje em dia podemos equacionar a seguinte questão: se se tiver o poder económico, quem for muito rico, facilmente dará como passo seguinte a detenção do poder mediático. E quando se tem os dois, o poder político está do seu lado. Por exemplo, o sr. Berlusconi, o homem mais rico de Itália, que se tornou a principal força mediática de Itália e que se fez eleger democraticamente Presidente do Conselho de Itália por duas vezes. Esta é a situação que vivemos hoje em dia. Por consequência, a ideia de que a liberdade de expressão possa servir para denunciar o principal poder deixou de funcionar. Na maior parte dos media, critica-se este ou aquele governante, esta ou aquela medida, muito facilmente. No entanto, criticar o poder económico é bastante mais difícil."
IV
Quinto poder, precisa-se
"Hoje em dia temos configurações que não são muito complexas. Mas há certos parâmetros que se alteraram profundamente. Por um lado temos a estruturação dos Media e, por outro, a inversão da ordem da hierarquia de poderes. Este facto faz com que tenhamos hoje como primeiro poder o poder económico, como segundo o poder mediático e o poder politico surja apenas na terceira posição. É por essa razão que eu mesmo propus que fosse criado um 5º poder. Ou seja, que se forme de maneira organizada uma associação onde os cidadãos possam reclamar da parte dos media um comportamento e um olhar mais crítico sobre os verdadeiros poderes. De maneira a que exista um contra-poder à pressão dos poderes dominantes de hoje, e mesmo dos media que se tornaram num dos poderes de opressão da sociedade. Bem, nós podemos dizer que a sociedade foi no passado oprimida pelo poder religioso e que os media são hoje o aparelho ideológico da globalização. Ou seja, os media são uma espécie de nova igreja, que representa por exemplo, a responsável pela evangelização da América, e portanto representa o poder ideológico. Mas então, não é aos media que podemos reclamar uma transformação directa. Só a pressão dos cidadãos em conjunto poderá ajudar, como muitos jornalistas desejariam, a recuperar e defender o bom funcionamento dos media."
Ignácio Ramonet, director do "Le Monde Diplomatique"
Fonte: Clube de Jornalistas