segunda-feira, 17 de abril de 2006

É irreversível?

















O Caça-Piratas
Nas próximas semanas, os portugueses que tenham carregado ou descarregado ilegalmente músicas na internet irão receber uma carta a convidá-los a pagar uma indemnização por desrespeito dos direitos de autor ou, em alternativa, enfrentar um processo judicial.
John Kennedy, o presidente e administrador executivo da IFPI, a federação que representa a indústria fonográfica em todo o mundo, lança, depois de amanhã, em Lisboa, mais uma vaga de processos judiciais contra as pessoas que partilham ficheiros musicais, de forma ilegal, na internet.
Esta é a primeira vez que Portugal é incluído neste programa de combate à pirataria digital de músicas.

(“PÚBLICO” in revista “PÚBLICA”)
02.Abril.2006

E o que vão fazer aos jovens “prevaricadores”? São na maioria menores de idade. Vão prendê-los? A não poderem fazê-lo, o que farão as autoridades? Prender os pais? Serão os pais, estando a maior parte do dia longe dos filhos e sem terem o menor controlo sobre o que estes fazem, os que vão ser chamados à barra da justiça? E se estes não tiverem dinheiro para pagar as elevadas coimas, vão-se confiscar os computadores caseiros? E os downloads e uploads efectuados em estabelecimentos de ensino? Prendem os professores ou fecham as escolas? Um computador não serve só para ouvir ou gravar música. Os jovens “prevaricadores” também são estudantes, precisam do computador para avançarem nos estudos e progredirem no conhecimento. Mas temos um governo que apregoa aos quatro ventos que quer que todos os lares portugueses possuam pelo menos um computador com acesso à Internet… e já quase que está a obrigar os cidadãos a executarem tarefas exclusivamente via Internet. Veja-se os casos das declarações de I.R.S. ou do Imposto Automóvel (IA). É este o tão famigerado plano/choque tecnológico que está reservado para todos nós? Apreendendo computadores ou prendendo pessoas que gravam música em suas casas?
Temos aqui uma série de contradições e um grande problema.

A esmagadora maioria dos subscritores da proposta de lei das quotas de música portuguesa na rádio – entretanto aprovada e já em vigor – não ganhou nada com isso. Esses artistas musicais que assinaram e defendem a nova lei continuam a não passar na rádio, continuam refundidos nas obscuras prateleiras do esquecimento. A lei aprovada foi só para benefício de alguns, muito poucos. De resto, os que já eram privilegiados e que estão por detrás da mesma lei. Os outros, a tal maioria de subscritores, apenas foram a reboque do manifesto e só serviram para fazer número. Seguiram a cenoura sem trincá-la.
Da mesma forma desenganem-se as grandes editoras e distribuidores de música em Portugal.
Não é por colocarem as autoridades judiciais a desatarem a “caçar” cibernautas que vão ganhar alguma coisa com isso. As pessoas já não vão regressar ao passado e, de repente, recomeçarem a comprar discos a preços que ultrapassam em muito o razoável. Esse tempo acabou. As leis das quotas musicais e da proibição de descarregamentos musicais na Internet correspondem a actos de desespero por parte de uma indústria que descobriu que já não pode explorar mais os consumidores como fez durante gerações. A mesma indústria que não soube – ou não quis – acompanhar os novos hábitos de consumo da população.
O que o Sr. Kennedy se esquece – ou não sabe – é que o preço de um CD é baixo no país dele, ou nos países que a que está acostumado. Inglaterra e Estados Unidos são países com um nível de vida muitíssimo superior ao nosso, mas os CDs e DVDs são mais baratos.
Um CD hoje em dia em Portugal custa em média entre 15 a 20 €. Por exemplo, há CD’s com cerca de vinte anos de edição e que estão ao preço de edições desta semana! Ora, isto faz algum sentido? Ninguém vai deixar de almoçar para comprar um CD!
Agora, mesmo que os preços baixassem, as vendas continuariam a cair inabalavelmente.

Haverá um tempo em que esta lei vingue. Por algum tempo terá o seu efeito dissuasor. Talvez estejamos já a viver esse tempo. Mas também há outras formas da população obter música. Trocando directamente entre elas, ou, mais frequentemente, em fóruns na Internet a isso destinados, ao mesmo tempo que vão poupando muitos euros mandando vir os CDs de fora igualmente pela Internet. Ou será que também vão proibir as pessoas de fazerem compras on-line?
Esta é mais uma lei absurda, como a lei das quotas de música portuguesa na rádio ou a lei do aborto. Foi feita para mais dia, menos dia, abortar.
A rotura da indústria discográfica nos moldes a que assistimos nas últimas décadas é irreversível!

P.S: Comprei o meu primeiro disco em 1977 (em vinil) e o primeiro CD em 1985. Ainda hoje compro CDs, mas muito menos. Levei mais de uma década a readquirir em formato CD quase tudo o que tinha em vinil. Ao longo de todos estes anos gastei milhares de contos em música, mas para mim hoje os preços são proibitivos. É perfeitamente claro que prefiro ter um CD original a ter uma cópia em CD-R, mas muitas vezes – imensas vezes – só consigo encontrar o que quero (e necessito) na Internet. No mercado tradicional de venda de discos nas lojas, ou já não há, ou nunca haverá o que procuro.
O que é a troca de ficheiros digitais senão uma troca directa entre as pessoas? Só com a diferença de um aperto de mão ser substituído por um click!


O que eles dizem (15)

Vergonha
(…)
Compreendo as razões da indústria e o queixume dos artistas (de alguns artistas), mas esta gente já terá reflectido seriamente sobre as razões de fundo da pirataria? Por outras palavras, já alguém fez contas ao dinheiro que pedem no nosso país por um CD, e se esse valor é compatível com o nosso nível de vida? Tenho para mim que o download ilegal de música (censurável, é certo) é, mais que um passatempo, um recurso de quem tenta dar a volta à exorbitância de dinheiro pedido pelo respectivo suporte físico ou digital.
Numa altura em que a Rádio está como está, num plano de censura encapotada muito mais severa que no "pré-25 de Abril"
(ou seja, só se ouve o que a "indústria" quer - a manipulação das playlists é por demais evidente), porque se persegue agora quem procura na internet os sons que a rádio não oferece? O lóbi da indústria movimenta-se, baseado no veredicto legal, para sacar dinheiro, muito dinheiro, a quem precisa da música como um vício, limitando o leque de oferta que, em Portugal, roça o medíocre.
Eu sou um ávido consumidor de música. Gasto largas centenas de euros por ano em CD's. Uso as técnicas de download exclusivamente para "triagem", para escolher para onde devo canalizar o dinheiro que invisto na minha colecção de música. E praticamente não gasto 1 tostão em solo luso. Compro via internet, a preços decentes, em lojas estrangeiras.
As casas comerciais não têm culpa dos preços por cá praticados. Eu, também não. E os distribuidores? E as editoras?

P.E.
In http://oultimometro.blogspot.com/
02.Abril.2006



<< Home