quarta-feira, 31 de maio de 2006

OUTRAS RÁDIOS EM PORTUGAL NOS ANOS 80

Termina aqui a série de memórias radiofónicas que retenho enquanto ouvinte durante a década de 80. Depois do verão publicarei as referentes à década de 90.
As memórias que se seguem dizem respeito unicamente a estações da região de Lisboa:


RGT-RÁDIO GEST

Era uma estação local de Lisboa de génese pirata, a emitir em 96.6 FM. Tinha um perfil calmo, tranquilizante, mas com uma performance global algo desequilibrada. No entanto, teve bons profissionais e bons programas. Entre eles:

«A Oitava Colina»: Emissão de continuidade que fazia a transição da manhã para a tarde de 2ª a 6ª feira. Teve vários apresentadores, num tempo em que a RGT era a estação charme de Lisboa. Por ela passaram nomes sonantes do áudio visual português: Henrique Garcia (director), Manuela Moura Guedes, Artur Albarran, etc.

«O Canto do Narciso»: Henrique Garcia num programa muito pessoal. Textos lidos pelo próprio, e selecção musical a coincidirem com o ambiente proposto. Se a memória não me atraiçoa, era ao fim de semana.

«O Feitiço da Lua»: Madrugadas na RGT com apresentação e selecção musical de José Maria Lameiras. Da meia noite às sete da manhã. Com sete horas de emissão em directo, não admirava muito que se ouvissem obras quase na íntegra. Foi o caso do álbum ao vivo (1988) dos Pink Floyd. Ou então a divulgação (exclusiva? em primeira mão?) da excelente versão do clássico “People Are Strange” dos The Doors pelos Echo and the Bunnyman. Noites longas, noites longas…

«Suave Encanto»: Ana Luz a iluminar as tardes de Lisboa, de 2ªa 6ª (15:00/17:00). Uma voz fina e adocicada, elegante postura, selecção musical de carácter intimista. Já no limiar da erudição. Tinha um tema de Vangelis como indicativo, alguns instrumentais fetiche, como por exemplo o assombroso (e longo) “Sending Lady Load” tocado ao piano por Martin Duffy, no álbum “Pictorial Jackson Review” dos Felt.

«Gala RGT»: Emissão especial, penso que para celebrar o aniversário da estação ou o reveillon. Houve um convidado especial, o cantor Salvatore Adamo (“Tombe la Niege”) e a participação da cantora portuguesa Rita Guerra. Foi em 1988.

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RÁDIO CIDADE

Melhor do que isto só água de coco no deserto

Uma verdade histórica: a Rádio Cidade começou a emitir no dia 1 de Abril de 1986. Era uma rádio pirata a emitir para a grande Lisboa a partir da cidade da Amadora. Uma rádio “brasileira”, feita por apresentadores brasileiros, mas nesta fase iniciática em Portugal, também com animadores portugueses. Entre eles, alguns que trabalhavam noutras estações, de maior nomeada, e que utilizavam na Rádio Cidade nomes fictícios. Eu reconhecia-os pela voz. A dinâmica, a soltura e musicalidade do sotaque brasileiro tiveram uma aceitação imediata por parte de muitos ouvintes. Foi o meu caso. Estávamos em 1986 e aquela “agitação” brasileira era uma novidade fresca, cativante. Antes “daquilo” aparecer, ainda só tinha escutado algum FM da Renascença, a Rádio Comercial e a Antena1. De facto, os brasileiros na rádio faziam a diferença, apesar de a coabitação com os portugueses não fosse dissonante em antena. A postura era relaxante, divertida, descontraída, dinâmica (sem ser preciso gritar!), as trocas de serviço eram efectuadas em directo sempre com boas piadas à mistura, com bom gosto e elevação, mesmo com divertimento à mistura. Ainda estava à procura da sua forma, do seu tom definitivo. Até chegou a fazer relatos de futebol, mas fê-lo sempre diferentemente do que nós, ouvintes, estávamos acostumados. Uma rádio de “clima tropical” à conquista de mercado num país de Invernos longos e frios. A Rádio Cidade a que me refiro terminou com o silenciamento pré licenciamento, em 1989. Depois, quando reabriu já devidamente legalizada, não voltaria a ser a mesma coisa e eu desapareci do seu contacto. Mas desse período, quero citar os seguintes programas e profissionais:

«Espaço Êxito»: Programa de segunda a sexta-feira, (12:00/13:00) com o patrocínio do extinto jornal Êxito. Apresentação de José Maria Lameiras.

«Oásis»: O “oponente” do «Oceano Pacífico», mas com as devidas diferenças. A toada era igualmente lenta e suave, mas a apresentação e as músicas eram mais refrescantes. Teve vários apresentadores, sendo o único que me lembro, um tal de Marcelo.
Mais tarde haveria um outro “oponente” ao «Oceano Pacífico», chamado «Cidade By Night», mas esse espaço era já uma sombra longínqua do «Oásis».

A Rádio Cidade continuou depois com muitas diferenças e muitas mudanças de estilo. A mais gritante, e talvez a primeira, foi o afastamento de vozes com sotaque de português de Portugal. Em 2003, já nas mãos da Média Capital, foi a vez das vozes do Brasil serem afastadas de antena. Actualmente a Rádio Cidade, falada apenas em português de Portugal, chama-se Cidade-FM, e dirige-se a um público juvenil.

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CMR-CORREIO DA MANHÃ RÁDIO

A luz da cidade

Sintonizei (Lisboa, 101.5 FM) pela primeira vez o CMR em Abril de 1987. Fiquei “preso” à sintonia porque passava álbuns na íntegra. Sem palavra, sem nada. A minha permanência mais assídua neste posto devia-se não só à audição de discos inteiros (é preciso fazer notar que há quase vinte anos o consumo de música não era a democracia aberta que é hoje) mas principalmente pela curiosidade e expectativa de “quando é que alguém vai falar?”
Não esperei muito. Semanas mais tarde aparecia uma voz (gravada) masculina, possante e grave a dizer simplesmente isto: “Correio da Manhã Rádio”. Era aquilo a que hoje se designa por Teaser. A voz era de Rui Pego. Pouco depois surgiram os primeiros jingles, os primeiros spots, as primeiras vozes, os primeiros programas. Nascia uma nova rádio. Posso dizer que assisti – como ouvinte – ao nascimento de uma rádio desde o seu início anónimo de ocupação de banda.
O CMR-Correio da Manhã Rádio partiu da iniciativa do empresário Carlos Barbosa, fundador do jornal Correio da Manhã, que viu na rádio uma extensão do diário, um dos mais vendidos em Portugal. Vivia-se o período mais arrojado e estimulante do fenómeno das rádios pirata. Rui Pego foi o homem forte escolhido para fundar e dirigir a nova estação de Lisboa. Foi criada uma equipa de luxo, maioritariamente vinda da Rádio Renascença, ao mesmo tempo que era dada a oportunidade a novos valores.
O CMR era uma estação music/news. Programas mais elaborados ou de autor só à noite e também ao fim-de-semana. De segunda a sexta-feira, das 07:00 às 20:00 a rádio cumpria-se com painéis de animação e noticiários de hora a hora. Eu gostava deste figurino. Era prático, simples e eficaz.
O CMR nasceu em 1987 e viria a ser extinto em 1993. Para mim, enquanto ouvinte, o melhor período foi até 1990. Principalmente por causa dos seguintes programas:

«Faces Ocultas»: João Gobern é o único apresentador que me lembro deste programa feito a várias mãos. Um olhar diferente sobre um trabalho musical ou um artista. A cosmética editorial era de primeiríssima categoria. Não me lembro do dia nem horário de transmissão, mas lembro-me que era à noite.

«Mercado Negro»: João Vaz e a divulgação da chamada “música negra”, com predominância para os ritmos mais dançantes. Depois de Adelino Gonçalves, João Vaz foi o melhor divulgador da música negra norte americana e não só norte americana.

«Espelho d’Água»: Teresa Fernandes (desde há bons anos a voz off da TVI) na hora de almoço ao fim-de-semana (sábados, 13:00/15:00). Faça o fim-de-semana connosco. Requinte, bom gosto musical, por vezes muito aligeirado e… uma boa voz que, depois da extinção do CMR, não (que me desse conta) voltaria à rádio.

«A Dois Passos do Paraíso»: Fernanda de Oliveira Ribeiro (domingos, 13:00/15:00). O irmão dominical do «Espelho d’Água».

«Sábado à Noite Em Paris»: A esta altura perdi de memória sobre quem fazia este programa de charme nos sábados à noite do CMR. Retenho no entanto o indicativo, com a voz de Teresa Fernandes e a música (parte instrumental) do tema “La Folie” dos Stranglers. Recordo em particular uma emissão sobre cinema francês no fim do verão de 1989 (Jeanne Moreau, Marguerite Duras, «India Song»; Nouvelle Vague, etc…). Foi simplesmente deslumbrante.

«Os Silêncios de Ouro»: madrugadas dos sete dias da semana (02:00/07:00) onde eram emitidos álbuns na íntegra. No início destas cinco horas era divulgada a lista das escolhas (só com o nome dos artistas) e depois era ouvir a passagem de álbuns na sua forma integral, incluindo os espaços (brancas) entre cada tema. Nunca existiu a preocupação de ligar as partes, sendo a lista absolutamente ausente de critério. Há pelo menos três álbuns que fiquei a conhecer e a gostar graças a esta solução (fácil, diga-se, a fim de preencher um espaço vazio). Os três não poderiam ser mais díspares na forma, estilo e conteúdo: Bruce Springsteen & The E-Street Band “Live 1975-1985”; Curiosity Killed The Cat “Keep Your Distance”; Dead Can Dance “Whitin The Realm Of A Dying Sun”. Elucidativo?

«Baile de Finalistas»: Luís Ferreira de Almeida com canções pop-rock das décadas de 50 e 60, ao final da tarde (sábados e domingos). Tinha dinâmica e quase que se conseguia estar
in the school ao som daquelas memórias dos que eram jovens nos tempos da música yé-yé.

«Lugar de Lua»:
O lugar onde o coração se esconde é onde o vento norte corta luas brancas no azul
do mar e o poeta solitário escolhe igreja para casar
O lugar onde o coração se esconde é onde contra a casa soa o sino e dia a dia o homem soma o seu destino
Em 1989, Paulo Guerra em diálogos voz/poesia/música. (Sábado, 22:00/23:00).

«Até Jazz»: De Raul Vaz Bernardo e José Navarro de Andrade. O Jazz divulgado por dois entendidos. A vez e a voz dos especialistas do género na rádio.

«Deserto Azul»: Programa de Miguel Cruz ao fim de semana. Divulgação de correntes mais easy listening do Jazz instrumental.

«O Ano de Todos os Perigos»: Uma emissão especial no balanço feito ao ano de 1988. Uma espécie de grande reportagem musicada. O resultado final deste melting pot foi, no mínimo, soberbo.

«Especiais musicais»: Foram muitos e foram muito bons. Alguns (poucos) exemplos: Isabel Antena, Tim Buckley, Bob Dylan, Suzanne Veja, Bossa Nova, 10.000 Maniacs, The Smiths: o ocaso (no fim de 1987) da banda de Morrissey e Johnny Marr teve um epílogo à altura no CMR.

«Manhãs do CMR»: Primeiramente sob a condução de Rui Pego, foi depois durante muito tempo da responsabilidade (animação) de Mário Fernando. Em grande nível. A rivalizar no mesmo horário (2ª a 6ª, 07:00/10:00) estavam António Macedo (TSF), António Sala (Rádio Renascença), José Ramos (Rádio Comercial) e Francisco Sena Santos (informação na Antena1). À excepção da Rádio Renascença – que não ouvia – era para mim uma séria dificuldade escolher em qual das manhãs ficar. Muitas dessas vezes perdia-me a saltar de um lado para o outro. Às vezes conseguia-me fixar num deles, mas não era nada fácil…

«Entrevista»: Já nos primeiros anos da nova década de 90 lembro-me de algumas entrevistas feitas à noite por Pedro Rolo Duarte (durante a semana de segunda a sexta, durante uma hora, 23:00/00:00). Na primeira metade de 1992 lembro-me de dois convidados vindos da TSF: António Macedo, frisando com humor o facto de estar ali em directo naquela hora para a entrevista e de daí a não muitas horas ter de estar antes das seis da manhã no edifício ao lado para fazer emissão na TSF. Outro convidado foi Nuno Santos, ao tempo animador/coordenador na TSF. A diferença entre as duas entrevistas foi a parcialidade demonstrada por parte do entrevistador. Afectuosidade e afabilidade para com António Macedo, uma certa aspereza e pouca complacência para com Nuno Santos. Mas era precisamente essa ausência de imparcialidade que tornavam interessantes as entrevistas/conversas de Pedro Rolo Duarte no CMR. Pois se nem uma rocha lunar é indiferente ao que a rodeia, quanto mais um ser humano.

O Fim
Nos inícios da década de 90, o CMR flectiu um bom bocado o seu projecto inicial. Em minha opinião, mal. O período 1987-1990 foi inigualável e lamentavelmente descontinuado. Pareceu-me que o CMR quis rivalizar com a TSF. Começou, por exemplo, a transmitir relatos de futebol e debates políticos. Descaracterizou-se bastante e perdeu-me como ouvinte. A TSF já me tinha conquistado a alma e o coração. Assisti ao muito promissor e radiante nascimento do CMR, mas já não estava lá aquando do fim.
Apesar da legalização e da correspondente atribuição de licença de Rádio Regional Sul, em 1993, os proprietários do CMR fundem a estação com a Rádio Comercial aquando da compra e privatização desta. Nem uma nem outra estação ganharam com o negócio. O CMR foi extinto e a Rádio Comercial hoje é uma outra rádio, apenas mantendo o nome forte que é uma marca no mercado.
O lugar criado pelo CMR em Lisboa, de rádio urbana, cosmopolita e moderna, ficou vago e nunca foi preenchido. Houve uma tentativa – negada – de reocupar essa lacuna, com o projecto (ambicioso) da Rádio Central, que apenas durou escassos meses em finais de 1996. Mas, como se sabe, redundou em total fracasso.

Nomes de algumas das pessoas que fizeram o CMR: Rui Pego, Mário Fernando, Nuno Infante do Carmo, João Vaz, José Mariño, Teresa Fernandes, Margarida Pinto Correia, Luís Ferreira de Almeida, Margarida Guimarães, Paulo Guerra, João Gobern, João Pedro Bandeira, Madalena Queirós, José Carlos Cunha, Fernanda Oliveira Ribeiro, Rui Vargas.

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TSF-RÁDIO JORNAL

Por uma notícia vamos ao fim da rua, vamos ao fim do mundo

Nasceu como rádio pirata em Lisboa (102.7 FM), com emissões regulares desde do célebre dia 29 de Fevereiro de 1988. A primeira notícia do primeiro noticiário, às 7 da manhã, lida por Francisco Sena Santos: “Paz no fisco durante três meses”. A partir de então, a rádio em Portugal mudara para sempre principalmente em termos informativos. Foi uma pedrada no charco. Tornou-se numa referência incontornável do jornalismo radiofónico e mesmo em termos estéticos. É ainda hoje a rádio mais imitada em Portugal.



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