terça-feira, 19 de setembro de 2006

Coisas do Verão 2006 (5)















Num verão de férias atípicas, para mim, o belo e a consolação foi poder assistir a este programa de televisão (a Rádio estava a ser desinteressante demais...).

26 proeminentes figuras das artes e das ciências (alguns prémios Nobel, outros que o viriam a ser) são convidadas a reflectir sobre o que é o belo e a consolação. Um programa raro, que aborda a vida de forma sensível, humanística e filosófica, merecedor de ser tocado com mãos de veludo, mas que foi literalmente tratado com os pés pela SIC. Nunca foi promovido pela estação; o horário de transmissão – sempre desrespeitado – nunca aconteceu antes das duas da manhã; os dias de transmissão eram incertos; o sítio na Internet e o Teletexto da SIC nem sempre disponibilizavam a hora certa e o convidado(a); o programa esteve muitas vezes inserido na programação/categoria de Cinema (!); a ordem de transmissão original nunca foi respeitada (havendo programas que referenciavam convidados anteriores, mas que a SIC ainda não tinha transmitido); muitos dos programas emitidos eram abruptamente interrompidos para darem lugar a intervalos intermináveis recheados de sexo e violência; na imprensa, os jornais na programação diária de TV, publicavam informações contraditórias, com nomes trocados; etc, etc.* Um preço altamente penoso para os espectadores interessados. Na SIC, para se conseguir ver um programa decente como este, é preciso possuir um elevado espírito de sacrifício, acompanhamento permanentemente vigilante e passar a noite em claro.**

Wim Kayzer, o jornalista e escritor holandês foi o autor deste projecto televisivo. Não se limitou à postura redutora de mero entrevistador. Fez considerações, confidenciou experiências pessoais, expôs pontos de vista particulares, foi muito para além do previsível, do politicamente correcto. Ultrapassou muitas vezes o que aquilo se pode designar por “uma boa conversa”. Foi actuante e absolutamente decisivo para o magnífico produto final. Grande parte dos convidados – sem se conhecerem mutuamente, sem saberem e sem tão pouco terem visto os outros entrevistados – disseram o que todos os jornalistas entrevistadores sonham ouvir: “Essa é uma excelente pergunta!”. Um dos convidados não hesitou em dizer: “Mas que deliciosa questão!”.
A pergunta certa e surpreendente não é a única característica de Wim Kayzer… ele deixa o interlocutor falar sem interrupções. Dá tempo, dá espaço para que os entrevistados possam explanar sem quaisquer restrições o fio condutor do raciocínio. Isso criou por vezes espaços de aparente vazio, mas eram momentos de um silêncio prodigioso, pleno de comunicabilidade. Não se conhece em Portugal nenhum entrevistador assim. Nas televisões e rádios nacionais predomina o ruído comunicacional frenético. As pessoas entrevistadas são atropeladas no discurso a todo o instante, os pensamentos perdem-se, as frases são cortadas, o raciocínio é incinerado por uma pergunta estúpida ou desnecessária, para logo a seguir acabar-se com a “conversa”. Na actual rádio portuguesa, apenas Ana Sousa Dias está próxima desta postura correcta, a de deixar o protagonismo para o entrevistado. O resto é um sofredor desfilar de vaidades umbiguístas. Há entrevistadores que falam mais que os entrevistados. Fazem a pergunta, dão a resposta, comentam e (re)tiram a conclusão. Em Portugal existe a ideia (vício?) errada e perversa de se pensar que um bom entrevistador é aquele que está sempre a fazer sentir a sua presença, interrompendo e encurralando o entrevistado. Por vezes até humilhando-o. Um bom entrevistador é como um árbitro. Só é bom se não se der por ele mas, no entanto, está lá sempre que é preciso. E é insubstituível.

Este é Wim Kayzer, o autor do programa. Se o virem por aí, cumprimentem-no. É o melhor entrevistador do mundo!


















A série de programas «O Belo e a Consolação» foi realizada na segunda metade dos anos 90, abrangendo os cinco continentes e emitida originalmente pela TV pública holandesa entre Janeiro e Julho de 2000.
Em Portugal, os direitos de transmissão são um exclusivo da SIC, que os transmitiu pela primeira vez no verão de 2000, sempre nas condições de marginalidade com que repetiu neste verão de 2006. Já em Março deste ano – e sem anúncio prévio – a SIC transmitiu descontinuamente três dos 26 programas da série.
Na TV pública holandesa, a série passou sempre à mesma hora e no mesmo dia da semana durante o chamado horário nobre. Foi depois editada na sua totalidade em Vídeo e em CD.

*Of Beautiful & Consolation é O Programa Desperdício na televisão errada. Faria muito mais sentido se fosse exibido em canais temáticos (RTP2; RTPN; SIC-Notícias, por exemplo). A ERC, neste caso em particular, tem toda a razão no que diz sobre a SIC.

** Mais um triste exemplo: durante 4 dias (6ª feira; sábado; domingo; 2ª feira) esteve anunciado no sítio da SIC a exibição deste programa para a noite de sábado passado. De repente (3ª feira) foi retirado e apareceu em seu lugar um filme (péssimo!) chamado «Guinevere». O tal programa que esteve anunciado, foi exibido antecipadamente na madrugada de 5ª feira sem que houvesse nenhum aviso prévio!


P.S. 1: Ainda bem que o verão está a acabar. Como telespectador, a SIC é um canal ao qual não quero voltar.
P.S. 2: Para coroar o desvario na programação da SIC, ainda faltava esta: não foram transmitidos todos os programas da série!



<< Home