sexta-feira, 3 de novembro de 2006

SG (gigante?)


















Na revista «» (Diário de Notícias, 20.Outubro.2006) Sérgio Godinho, músico e compositor maior da música popular portuguesa, dá uma interessante entrevista acerca do novo disco «Ligação Directa». Sérgio, que dispensa todas as apresentações que aqui e agora lhe possa fazer, não sabe trabalhar mal. Nunca soube. Não há nada que ele tenha feito que não fosse minimamente (muito) bom. Comprei [em alguns casos MESMO A PREÇOS ABSURDOS!], ao longo dos últimos 26 anos, a maior parte da obra de SG em CD. E do álbum «Pré-Histórias» há um imenso sentimento, arrepiante, que sinto quando escuto uma pérola intemporal chamada "A Noite Passada". Quanto a isto estamos conversados.
Nesta mesma (excelente, embora curta) entrevista, a dada altura, Sérgio Godinho fala da Rádio. Da rádio em Portugal e da Lei das quotas. Diz Sérgio, em respostas ao jornalista Tiago Pereira:

(...)
Em relação à chamada crise na música portuguesa, é com medidas como a nova lei da rádio que essa tendência pode mudar?
Por princípio não gosto de quotas mas apoiei esta medida, estive na Assembleia da República. Porque as coisas têm que mudar, porque batemos no fundo. Somos um país da Europa que passa menos música do próprio país. Quando mudaram a lei em França, a presença de música francesa duplicou e, inclusivamente, a sua penetração no estrangeiro. Este sistema que se instituiu das playlists serem auditoradas, de se repetir aquilo que já teve sucesso lá fora, é um processo que tem que evoluir. Quando há uma estação de rádio forte que diz que passaria mais música portuguesa se ela tivesse qualidade e depois não passam mais de metade da música que existe é porque a situação é grave.

E não poderão as quotas ter um efeito perverso?
Não, porque a lei terá que ser trabalhada. O projecto prevê horários para a música passar na rádio e quotas para as especialidades e música nova. Caso contrário existiriam muitos perigos. Como a questão da língua: deve-se encarar a produção de língua portuguesa ou feita por portugueses? É óbvio que eu prefiro música cantada em português mas se for um músico como o David Fonseca, que canta em inglês, já não é música portuguesa? Acho que isso está errado. (*)

Esta também poderá ser uma medida positiva de estímulo do mercado, de venda de música e luta contra a pirataria?
Bem, a questão da música na Internet e do download é global, ultrapassa o circuito português. Essa é outra crise da indústria discográfica que agora começa a ser combatida com algumas medidas de regulamentação. Porque a Internet era uma terra de ninguém que pertencia a todos menos aos criadores, que foram os que deram o litro, os que fizeram com que o produto existisse, ou aos editores, que o viabilizaram. E depois há a questão das cópias piratas, porque o digital veio permitir essas cópias. Temos que contar com isso e a indústria tem que se preocupar em inovar, em criar coisas que apelem ao consumidor. Nós, músicos, continuaremos concentrados na música. Essa é, e será, sempre a parte mais importante.

Eu concordo, em parte, com o essencial disto, ou seja, que é preciso que as coisas mudem. Não há dúvida que sim. Mas agora pergunto: Sérgio Godinho actualmente precisa da Rádio para alguma coisa? Isto é, precisará ele desta Rádio que hoje em dia se pratica? Está tudo trocado! É a Rádio que precisa dele, mas a própria Rádio não sabe ou não quer saber isso. É grave? É grave! E o que dizer dos novos artistas que nem um disco de estreia conseguem gravar, e quando – muito a custo – o conseguem e nem sequer "cheiram" o Éter? Talvez esses necessitem mais da Rádio, não? E Sérgio Godinho, pessoalmente, até nem se pode queixar muito. Tem uma obra que atravessa gerações, há um público muito jovem que o aprecia condignamente e, assim como assim, SG passa na rádio com regularidade.

Meu caro Sérgio (permite-me que agora, por um pouco, me dirija a ti assim): Em Abril de 1997, aquando do dia 25, te entrevistei na TSF, falavas que Portugal vivia um espírito pleno de liberdade, mesmo com as sempre presentes desigualdades (inevitáveis? fatais?) na nossa sociedade. E um exemplo dessa liberdade – a de expressão – era a própria Rádio, nomeadamente a TSF. Estavas certo nas tuas palavras. Na rádio em geral, (ainda) se vivia em liberdade. Ouviam-se muitas vezes as tuas canções, a par de outros tão bons – dependendo dos gostos – como tu: Zeca, Fausto, Adriano, Vitorino, Palma, Freire, Cília, Janita, e mais e mais. Passados estes quase dez anos, neste 2006, dir-me-ias o mesmo? É para esta rádio, medida à lista, que te reclamas? Os outros tão bons como tu estão injustamente excluídos, e o que queres para ti? Perfilares ao lado de Madonnas, Shakiras, Williams, Adams e restantes vedetas da MTV versão playlist? Tu mereces o teu lugar próprio, lugar esse muito melhor do que aquele que agora existe. Mas afinal, talvez o facto de isto tudo estar trocado se deva a um outro facto, o de que «Isto Anda Tudo Ligado».

(*) Se David Fonseca passar na rádio estrangeira, alguém lá vai dizer que é música portuguesa? Quando muito dirão que é um músico português... que canta em inglês. Outro caso exemplar: A cantora islandesa Bjork: alguém diz que é música da Islândia? (Ela também canta em inglês!). E os Sigur Rós? Cantam em islandês. Alguém poderá dizer que não é música islandesa?

P.S: Nada neste caso específico mudará por decreto. Apenas artificialmente, e assim acaba-se por não mudar nada. Só a mudança de mentalidades pode mudar as coisas. É a História que todos os dias nos ensina isso... ah, mas é verdade... somos demasiadamente distraídos e sofremos de falta de memória, não é?
Mais: então e se as rádios – todas elas – se dedicassem 200% à sua missão existencial e somente fossem palavra e não música? Qual seria o bode expiatório? A TV, que actualmente ninguém aponta como o principal meio para divulgação musical?

"Só neste país se diz só neste país"



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