sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

50 anos













Fernando Correia comemora meio século ao serviço da rádio.
Num destes domingos, o jornal PÚBLICO assinalou a data. Fernando Correia começou a fazer rádio em Dezembro de 1956 e ainda se mantém no activo com notável frescura e vitalidade. Nasceu em 1935. A ele pertencem os melhores relatos de futebol na rádio em Portugal.
Habituei-me a ouvi-lo na Rádio Comercial, nos inícios dos anos 80. Ao meu lado, à porta das escadas de um prédio, estava um amigo meu de infância – benfiquista fervoroso – a escutar o relato do “seu” Benfica num pequeno transístor a pilhas que segurava numa das mãos. Perguntei-lhe: Quem está a relatar? “Fernando Correia!”, respondeu ele depois de uma breve pausa, talvez para se lembrar do nome.
Eu é que nunca mais me esqueci daquele nome.
Mais ou menos por esses primeiros anos da década de 80, Fernando Correia apareceu um dia na televisão. Eu não estava a ver, mas a minha mãe prontamente me chamou para o ver, pois sabia da minha admiração por aquele grande comunicador da rádio. E vi-o. Curiosamente coincidia com a imagem que dele fazia através da voz. Coisa rara de acontecer, como todos sabemos.
Muitos anos depois, o meu percurso na rádio faz-me cruzar com Fernando Correia na mesma estação. No primeiro dia em que trabalhámos juntos em estúdio dei-lhe conta da importância daquele momento para mim. Estou portanto a falar de um colega de trabalho, de um companheiro da mesma rádio e isso não é coisa fácil de se fazer. Mas tratando-se de quem é, este exercício torna-se mais simples. Fernando Correia é daquelas raras (raríssimas) pessoas – que conheci pessoalmente muito depois da minha infância de ouvinte – que não me desiludiu em nada sobre o que delas imaginava. Como se sabe, esta é outra coisa muito rara de acontecer. O contrário é que é sobejamente frequente. Infelizmente, digo eu, que não devia iludir-me pelo que a rádio produz no nosso imaginário. Mas o que seria a rádio sem isso?

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PÚBLICO
Domingo 26 de Novembro 2006

A mesma voz há 50 anos no ar "acha que ainda faz falta"
Ana Machado

Fernando Correia é um nome que hoje se confunde com o jornalismo desportivo. Quis ser médico aos 18 anos. Mas o destino acabaria por lhe reservar meio século de rádio.

Não são muitos os que se podem gabar de, em 50 anos de profissão, terem feito sempre o mesmo. E o mesmo é jornalismo de rádio. Fernando Correia nunca parou. E não prevê parar tão cedo. BBC, Emissora Nacional, Rádio Clube Português, Rádio Comercial e TSF, onde se sente "muito feliz" desde o primeiro dia daquela estação. E há projectos novos no horizonte, afirma este homem de 70 anos, sem revelar quais. Em, Dezembro espera-o um jantar de homenagem organizado por amigos. "Vamos lá ver se o meu coração aguenta".
Vasco Resende, jornalista e fundador do Clube Nacional de Imprensa Desportiva, está a preparar um jantar de amigos, que se realizará a 12 de Dezembro, para celebrar os 50 anos de carreira de alguém que considera ter características únicas. Para o antigo companheiro de rádio de Fernando Correia a voz com que relatou o jogo de quinta-feira passada na TSF, entre o Sevilha e o Sporting de Braga, é a mesma de sempre: "O Fernando tem esta vantagem da sua voz se manter inalterada. Parece mentira mas é verdade", afirma. "Pessoas como ele e eu não sentem o peso da idade, nem da actividade. Trabalhar para nós é um prazer."
Esta voz, sempre igual, de Fernando Correia, chegou aos microfones da rádio em 1956, através do Secretariado Nacional de Informação. Quis ser médico. Mas aos 18 anos o destino acabou por levá-lo até Londres, com uma bolsa do Instituto Britânico, onde fez um estágio na BBC. Regressado a Portugal fez teatro radiofónico, leu noticiários e fez reportagens que se podiam ouvir nos Emissores Associados de Lisboa. Poucos meses depois da estreia, concorreu a um concurso para a Emissora Nacional. "Fiquei em primeiro".
"Fazia um pouco de tudo, menos desporto", recorda a voz dos relatos da bola, sobre os tempos em que, por exemplo, partilhava com Maria Leonor e Maria Júlia Guerra os Diálogos de Domingo na Emissora. Foi em 1964 que Fernando Correia, que se gaba de nunca ter falhado um campeonato do mundo, achou que deveria dar um rumo novo à carreira. Estávamos a um ano do célebre Campeonato Mundial em Inglaterra, em que os "magriços" arrecadaram o terceiro lugar, o melhor de sempre de uma equipa portuguesa.

"Estava farto de ser a voz do dono"
"Eu estava muito cansado de fazer as partidas dos soldados para as colónias e a chegada dos caixões. Estava farto de ser a voz do dono, do Governo. Fui ter com o Artur Agostinho e disse-lhe que gostava de experimentar o desporto." Poucos dias depois recebe uma chamada a avisar que tinha um jogo marcado: "Fui fazer o Seixal, Vitória de Guimarães. E a coisa parece que correu bem". Começou então a fazer relatos ao domingo. A Emissora Nacional durou até ao dia em que, nos tempos conturbados do pós 25 de Abril, a Comissão de Trabalhadores decidiu suspender os serviços de Fernando Correia, por três meses, por ter feito reportagens que consideravam a favor do antigo regime. ". "Fiquei tão triste que saí e fui para o Rádio Clube Português", onde ficou até à passagem, em 1979 do RCP para Rádio Comercial."Fiquei na Sampaio e Pina até me cansar". Cansou-se em 1987, quando recebeu um convite de Emídio Rangel para integrar um projecto novo de rádio, chamado TSF. "Vim-me embora da Comercial completamente à maluca, sem um tostão. Fui trabalhar com gente muito jovem e estou muito feliz na TSF", afirma, frisando que, apesar de lhe ter passado pela cabeça por um ponto final na rádio, após a morte do colega de relatos Jorge Perestrelo, em Maio do ano passado, Fernando Correia está para ficar: "Acho que ainda faço falta. Na TSF dizem-me que não posso parar, mesmo pela memória do Jorge". Sobre o futuro do jornalismo desportivo e sobre a nova geração de jornalistas, Fernando Correia confessa que "com a grande luta comercial, a qualidade foi preterida pela quantidade": "O jornalismo desportivo já foi melhor do que é hoje. Faz falta o jornalismo de Carlos Pinhão, de Alfredo Farinha, de Vitor Santos, que tornaram A Bola a bíblia do desporto. É fundamental haver texto de qualidade num país onde se consome tanto desporto. Falta qualidade."

As inscrições de ouvintes para o fórum de desporto da TSF, a Bancada Central, começam às 19.30. Às 20h00, um quarto de hora antes do programa ir para o ar, já estão esgotadas. Há 12 anos que é assim. A Bancada Central surgiu quando só havia um fórum interactivo em Portugal, que eram o fórum das manhãs da TSF, lembra Fernando Correia que é a alma deste programa desde o seu primeiro dia. "É um programa de quase nada", conta Fernando Correia sobre o modelo que vive das participações dos ouvintes, que são, em média, 60 por dia. E a maior virtude da Bancada Central, que é o facto de viver das pessoas, acaba também por ser o seu lado mais arriscado: "O programa tem dois perigos. Um deles são os excessos de linguagem e outro é a habituação", confessa Fernando Correia sobre o facto da Bancada já ser conhecida pelos seus clientes habituais, que fazem da participação neste fórum um ritual de final de dia. "Mas há pessoas novas todos os dias", garante.

In PÚBLICO
Domingo 26 de Novembro 2006
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Apenas uma rectificação que julgo ser importante fazer, até porque é um erro (induzido? casual?) que tem vindo a ser repetido por várias vezes e em vários locais. A «Bancada Central» começou em Fevereiro de 1996, logo não pode ter 12 anos. Em rigor tem 10 anos e dez meses.

E o que pensa Fernando Correia sobra a rádio actual?
Eis a resposta dada por ele próprio num dos seus livros:

"Ao mesmo tempo que se definiram e criaram padrões de rádio entendida como meio de informação e divulgação, foram surgindo contrapontos inevitáveis, numa situação de comodismo, facilitismo e refúgio, em meios geográficos de economia mais débil, absolutamente e perdidamente incaracterísticos. Foram as rádios gira-discos que quiseram concorrer apoiadas no consumo de adolescentes e jovens. Os exemplos ainda aí estão: RFM, Rádio Comercial, Antena 3 e uma nova versão do saudoso Rádio Clube Português que substituiu a Rádio Nostalgia. Estes são os padrões nacionais de rádio gira-discos, porque, afinal, todas as outras rádios locais e rádios regionais seguem o mesmo modelo e cumprem o mesmo percurso. É um projecto de rádio sem projecto que não obriga a pensar, não tem custos de produção, ou tem custos mínimos, mas também não serve para nada, a não ser para acompanhar viagens longas de automóvel, de gente de um escalão etário mais baixo e com poucas preocupações culturais. Aliás tem sido norma de muitos governos (não só em Portugal) manter a população inculta e em estado notório de subdesenvolvimento, exactamente para não causar demasiados problemas. Se juntarmos a isto o papel desenvolvido pela Igreja Católica, sobretudo nos meios rurais, ficamos com um quadro completo da situação e da conveniência (?) que há em termos muita música e pouca palavra. A radiodifusão assenta em princípios básicos, muito claros, anteriormente já apontados, que passam pelo cumprimento das premissas também já enunciadas. É, por tal razão, um enorme "bluff", podendo afirmar-se que em 2003 os únicos modelos próximos do desejável eram interpretados pela Antena 1 e pela TSF, traduzidos na existência de uma informação rigorosa; em programas de informação e de divulgação da cultura; em debates e entrevistas de actualidade; nas reportagens directas; na transmissão de música criteriosamente escolhida com predomínio da portuguesa; e em rubricas respeitantes a tempos livres, desporto, lazer e turismo. Quer isto dizer, no quadro actual, que a rádio generalista não pode deixar de ser um grande jornal sonoro a editar 24 horas por dia, ou seja, em edição permanente. Contrariar este estatuto e alterar esta definição é contribuir para a estupidificação e incultura do público consumidor. Infelizmente, em Portugal sempre se cultivou a incultura e a estupidificação. Talvez fizesse jeito a certos governos. Ao de Salazar certamente que fazia. Mas houve seguidores."

Fernando Correia
In "A Rádio Não Acontece... Faz-se"(pags. 95 e 96)
edição Sete Caminhos
2004

P.S: Mais uma coisa rara: completar meio século ao serviço da rádio em Portugal. Doravante haverá alguém que consiga atingir semelhante data, especificamente radialistas da minha geração? Haverá condições para que isso aconteça? Duvido muito.



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