sexta-feira, 18 de abril de 2008

Língua















Gosto de sentir a minha língua roçar
a língua de Luís de Camões
Gosto de ser e de estar
E quero me dedicar
A criar confusões de prosádia
E uma profusão de paródias
Que encurtem dores
E furtem cores como camaleões
Gosto do Pessoa na pessoa
Da rosa no Rosa
E sei que a poesia está para a prosa
Assim como o amor está para a amizade
E quem há de negar que esta lhe é superior
E deixa os portugais morrerem à míngua
“Minha pátria é minha língua”
Fala Mangueira!
Fala!


Em (des)acordo
O maior problema da Língua Portuguesa não está na maneira como é escrita, quer seja em Portugal, quer seja nos países que a falam. Nos media portugueses – e não só nos media – a Língua Portuguesa está fortemente ameaçada. Quer seja através da incorporação acrítica de estrangeirismos (principalmente termos em Inglês, depois das “invasões” francesas), as adaptações e adopções brasileiras e africanas, quer através de uma novel grafia potencializada pela escrita de mensagens de telemóveis. Já bastam os novos hábitos (maus hábitos) trazidos pelos novos mundos tecnológicos, da informática, da Internet e pelos canais de TV internacionais difundidos via satélite e por cabo.
A linguística não é uma ciência exacta, nem a matemática (a partir de uma fase muitíssimo avançada torna-se subjectiva). Quanto às mecânicas e dinâmicas linguistas não restam dúvidas: é um organismo vivo, em permanentemente mutação. Mas o processo evolutivo pode e deve ser monitorizado atentamente.
Convém, portanto, preservar a Língua. Com laivos de conservadorismo sim, mas um conservadorismo positivo, no melhor sentido, que é o de proteger um património imaterial. Conservar aqui não é sinónimo de procrastinar.
As regras ortográficas, à semelhança das regras de qualquer jogo honesto (há jogos inteiramente honestos?), têm que ser absolutamente claras e inequívocas. A facultatividade é contrária à normalização.
Querer escrever da mesma forma em países que falam diferente é tão idiota como querer que esses países todos falem da mesma maneira. Isso é um objectivo fleumático.
A Língua Portuguesa não é propriedade de nenhum povo, nem de nenhuma nacionalidade. Ao Brasil o que é do Brasil, a Portugal o que é de Portugal; a Angola o que é de Angola (e Timor; Guiné-Bissau; São Tomé e Príncipe; Moçambique; Cabo Verde e – ainda - Macau).
Ao contrário do que se diz por aí, a diversidade da Língua Portuguesa espalhada pelo mundo é o que lhe dá maior riqueza. Uniformizá-la é vesti-la de truísmos.
Um acordo ortográfico só iria (ou irá) ter o “mérito” de a descaracterizar irremediavelmente. Em concreto, disseminar uma espécie de caos pseudo-normativo completamente artificial e iníquo.
As mentalidades dos povos não se modificam por decreto inscrito, com a força de letra morta numa assinatura concordante. Não há acordo (por enquanto?) e ainda bem.
O Acordo Ortográfico é, no fundo, uma questão política e, naturalmente, é a Lei que deve suceder a Tradição e não a Tradição que sucede a Lei.

Falta informação
Nos meios de Comunicação social nacionais, escasseiam os espaços que tratam das questões da Língua Portuguesa. Actualmente encontramos apontamentos esparsos, como por exemplo «Assim se fala bom português» nas manhãs da RTP1. Há pouco tempo houve uma série semanal (sextas feiras à noite na RTP1) de programas com apresentação de Nuno Infante, mas desapareceu do ar e teve vida curta. Longe vão os tempos dos programas de Edite Estrela na televisão pública, dedicados inteiramente à Língua Portuguesa, ou dos apontamentos incluídos no telejornal cultural «Acontece».
Na Rádio de serviço público existe um bom espaço dedicado a estas questões, o programa «Páginas de Português», na Antena2.

«Páginas de Português», Domingos às 17h00Um programa de José Mário Costa e José Mário Matias
Uma parceria RDP / Universidade Autónoma de Lisboa
O bem falar e o bem pensar a língua portuguesa, nomeadamente ao uso que fazemos dela


Vamos atentar para a sintaxe dos paulistas
E o falso inglês relax dos surfistas
Sejamos imperialistas
Vamos no velô da dicção choo choo de
Cármen Miranda
E que o Chico Buarque de Holanda nos resgate
E – xeque-mate – explique-nos Luanda
Ouçamos com atenção os deles e os delas na TV Globo
Sejamos o lobo do lobo do homem
Adoro nomes
Nomes em Ã
De coisas como Rã e ímã
Nomes de nomes com Maria da Fé, Scarlet Moon,
Chevalier
Glauco Mattoso e Arrigo Barnabé,
Arrigo Barnabé, Arrigo Barnabé, Arrigo Barnabé
Flor do Lácio Sambódromo
Lusamérica latim em pó
O que quer
O que pode
Esta língua?














Se você tem uma ideia incrível
É melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível
Filosofar em alemão
Blitz quer dizer corisco
Hollywood quer dizer Azevedo
E o Reconcâvo, e o Reconcâvo, e o Recôncavo
Meu Medo!
A língua é minha pátria
E eu não tenho pátria: tenho mátria
Eu quero frátia
Poesia concreta e prosa caótica
Ótica futura
Tá craude brô você e tu lhe amo
Qué queu te faço, nego?
Bate ligeiro
Samba-rap, chic-left com banana
Será que ele está no Pão-de-Açúcar
Nós canto-falamos como quem inveja negros
Que sofrem horrores no Gueto do Harlem
Livros, discos, vídeos à mancheia
E deixa que digam, que pensem, que falem.

Caetano Veloso & Elza Soares – “Língua”
In: «Velô» (1984)



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