terça-feira, 15 de janeiro de 2008

Outono/InFerno

 

  
Rodrigo Leão – Voltar (2006) 

O Amor é o tema mais utilizado no imenso universo de canções de todo o mundo. Todas as rádios de todos os países estão pejadas de canções de amor. Amores felizes (poucos), amores falhados (a esmagadora maioria), amores de todas as espécies: não correspondidos e por corresponder, traídos, doentios, fatais, fatalistas, perdidos, recuperados, letais, mortais, imortais e outros que tais. 
O Outono e o Inverno trazem a chuva e o tempo cinzento. Cenários evocantes de sentimentos melancólicos, derrotistas, tristonhos, pessimistas e resignados. 
Da chuva diz-se que é romântico. Não sei qual é romantismo que poderás encontrar nas mortes censuradas nas cheias de Odivelas em 1967, ou nos enormes danos que provocaram no Alentejo trinta anos depois e em outras incontáveis calamidades causadas por catástrofes naturais. 
Para ti, que gostas do Inverno – e terás andado de pés descalços na neve da montanha – talvez não seja demais passares os olhos pelas notícias das intempéries de neve e chuva que matam pessoas, especialmente idosos e crianças por esse mundo fora, incluindo no Primeiro Mundo
Mas que magia teria a dança de Gene Kelly se não fosse a chuva, numa das mais felizes sequências cénicas de toda a história do Cinema? Que musa inspiradora teriam poetas e prosadores se ela não caísse do céu em forma de água? 
O Outono e o Inverno provocam efeitos contraditórios. As depressões e a taxa de suicídio aumentam no Outono e no Inverno. Já dizia Yourcenar: “No meio do triste e enevoado Inverno…”. É também por isso que nunca se devia ouvir dizer na Rádio “Amanhã vai estar bom tempo…”, ou “O tempo vai estar mau…”. Estará mau para certas circunstâncias, será abençoado noutras. 
A neutralidade na divulgação do boletim meteorológico é vital na Rádio. Sol na eira e chuva no nabal é coisa que nunca acontecerá. O aguaceiro é bom para a terra cultivada, mas pode provocar graves acidentes no meio urbano. O sol escaldante sabe bem para quem se bronzeia na praia, mas é terrivelmente penoso para o camponês que trabalha na seara. 
O tempo nem é bom nem é mau. É-o e ponto final. A Natureza não se compadece com estados de espírito. 
Na Rádio já ouvimos todo o tipo de evocações amorosas em formato de canção. Nuns casos até à exaustão, noutros por falta de oportunidade e divulgação. 
Num momento de inspiração, o tema “Voltar” faz voltar à memória todas as viagens impossíveis de retorno, nos meandros emocionais, num sempre instável equilíbrio sobre a ténue linha que separa o Amor do Ódio. 
Equilíbrio instável, como nos dias instáveis de Outono e Inverno, capazes de transformar a vida num autêntico inferno. Tristeza bucólica nos campos, caos e confusão nas cidades. Deseja-se então um regresso a casa. Procura-se um posto mágico e o descanso após um dia de estoiro. Com chuva ou com tempo seco, em todas as viagens a paisagem parece mais bonita no regresso. 
E que tal uma canção sobre a filosofia da vida, por exemplo? Ei-la pelos Dead Can Dance, no album «Into The Labyrinth». Hoje, mesmo em dias cinzentos e chuvosos, até mesmo pela calada da noite, é impossível de a captar no éter… é mais uma para a longuíssima lista de “Songs They Never Play On The Rádio”. 
As playlists não mudaram o tema dominante das canções difundidas, apenas a qualidade com que o tema é apresentado por essas cançonetas. Mas depois de ouvir-mos “The Carnival Is Over”, descobrimos que ela é, também, uma canção de Amor. Talvez seja o Amor à filosofia da vida.
  
P.S: Quem é que dizia isto?: 
Sinto a existência da felicidade pelo barulho que faz ao ir embora… 

 

Dead Can Dance – The Carnival Is Over (1993) 

Outside The storm clouds gathering, 
Moved silently along the dusty boulevard 
Where flowers turning crane their fragile necks 
So they can in turn 
Reach up and kiss the sky 
They are driven by a strange desire 
Unseen by the human eye 
Someone is calling 
I remember when you held my hand 
In the park we would play when the circus came to town. 
Look! Over here. 
Outside The circus gathering 
Moved silently along the rainswept boulevard 
The procession moved on the shouting is over 
The fabulous freaks are leaving town 
They are driven by a strange desire 
Unseen by the human eye Someone is calling 
The carnival is over 
We sat and watched 
As the moon rose again 
For the very first time 

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O que eles dizem (32): 

O grande Amor é a Vida. O pequeno amor são as escaramuças. 
Jorge Colombo 

In: «Pessoal & Transmissível» TSF-Rádio Notícias Agosto 2007



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