quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Rádio nostalgia 1987

Mais um conjunto de temas da incontável série de songs they never play on the radio. A colectânea «Lonely Is An Eyesore» serviu para celebrar o sétimo aniversário da editora independente britânica 4AD. A etiqueta, que tinha no seu elenco artistas como os Cocteau Twins, Dead Can Dance e This Mortal Coil, estava no auge. «Lonely Is An Eyesore» foi para além da normal e costumeira colectânea de comemoração, prescindindo de eleger alguns dos temas mais relevantes do catálogo editado. Serviu para expor temas inéditos de alguns dos seus mais importantes artistas da época, somados ao supra citado trio mais representativo. Tem lugar na «Rádio Crítica» o alinhamento completo e original (com uma excepção) de «Lonely Is An Eysore», editado há vinte anos (ainda em 1987) porque foi a ouvir rádio que estes temas chegaram até mim. São pouco mais de quarenta minutos de um conceito puramente alternativo que, passadas duas décadas, já não existe. Qualquer um dos temas musicais que se seguem não cruzam os éteres nacionais e, quando o fazem, é sem o devido enquadramento. Mas encontrá-los ouvindo Rádio é como tentar encontrar uma agulha num palheiro. Mais do que certo é nem soarem em parte alguma. Alguns dos artistas aqui representados aparecem nas tais chamadas excepções do costume. Na RADAR, por exemplo, encontra-se um ou outro tema dos Cocteau Twins ou dos Wolfgang Press no espaço «Radar-20 anos» (segunda a sexta-feira / 20:00-22:00). Já agora saliento e saúdo o regresso à apresentação por um animador deste espaço, nomeadamente da animadora Catarina Pereira. «Radar-20 anos» esteve demasiado tempo sem locução. Um espaço de rádio – ainda por cima identificado e dirigido a um segmento de ouvintes – sem apresentação é sempre um lugar mais pobre. Contudo, o espaço «Radar-20 anos» tem pechas: inclui temas que nada têm a ver com o dito segmento e sofre, com isso, desvios desnecessários. Belisca o espírito primordial do conceito sob o qual se designa. Por exemplo, ouvir uma canção dos The Doors nestas duas horas – por muito bons que sejam (e são!) e por muito que goste deles (e gosto!) não os quero ouvir aqui. Estão fora do habitat e soa-me a falso. Os Doors acabaram em 1971! O mesmo acontece com os The Beatles (acabaram em 1970!) e passam no «Radar-20 anos». É uma situação por demais ambígua. A “fauna” natural do espaço «Radar-20 anos» é aquilo que eu sempre chamei de os outros anos 80. Muitos desses “espécimes” não estão contemplados. Pegue-se nos nomes deste alinhamento e junte-se outros tantos e mais outros ainda. Alternativos sim; os comerciais estão fora do contexto. Para isso já existe a M80, que também tem as suas pechas, mas aí o horizonte é assumidamente mais alargado. Vai dos anos 70 aos 90, sempre e só com os grandes êxitos que toda a gente – com mais de trinta anos – conhece de trás para a frente. Ou ainda, também para isso, temos a programação musical da RNA-Rádio Nova Antena, maioritariamente com hit-singles da década de 80. Em suma, ao espaço radiofónico «Radar-20 anos» exige-se, com legitimidade e propriedade, que se ocupe dos anos 80 sim, mas com uma maior incidência no panorama alternativo. E material vasto em quantidade e qualidade para isso não falta. É só acertar a agulha.

Lonely Is An Eyesore



Colourbox
Na impossibilidade da obtenção do videoclip do tema “Hot Doggie” – o original na colectânea «Lonely Is An Eyesore» – fica aqui o célebre “Pump Up The Volume” elaborado também por elementos dos Colourbox (no colectivo M/A/R/R/S), sob a chancela 4AD e datado do mesmo ano de 1987. Um single que rodou imenso nas rádios e que também teve expansão na TV. Na altura “Pump Up The Volume” serviu para calar muitas bocas maldizentes que acusavam a editora 4AD de ser incapaz de produzir um mega hit comercial. Eis a resposta, que atingiu o nº1 do top de vendas no Reino Unido.



This Mortal CoilAcid, Bitter and Sad
Um inédito do projecto pessoal de Ivo Watts-Russel, na altura o mentor e proprietário da editora 4AD. Os This Mortal Coil resultavam da colaboração interna entre músicos da editora e alguns convidados externos. A maioria do reportório assenta em versões de outros autores. À data, os T.M.C. tinham editado um EP homónimo (1983) que incluía a versão da canção “Song To The Siren” de Tim Buckley, na voz de Elizabeth Fraser e na guitarra de Robin Guthrie; o álbum «I’ll End In Tears” (1984) e o duplo «Filigree & Shadow» (1986). Editariam um derradeiro duplo álbum «Blood» (1991). Sob o mesmo mentor e conceitos, surgiria um outro projecto similar, sob o nome de «The Hope Blister» (1998). Ivo Watts-Russel há anos que deixou de fazer parte da editora.



The Wolfgang PressCut the Tree
A banda non sense da 4AD. Ironia, contraditório e perplexibilidade definem os Wolfgang Press. No ano anterior a este tema inédito tinham editado o álbum «Standing Up Straight» que contou com a participação de Elizabeth Fraser dos Cocteau Twins. Michael Allen, Andrew Gray e Mark Cox: um trio muito inventivo, por ventura o mais arty pós-punk em Inglaterra. Formaram-se em 1983 e nunca oficializaram o fim, embora o último trabalho editado seja de 1995.



Throwing MusesFish
A ala rock norte-americana da editora 4AD representada aqui pela banda de Kristin Hersh e Tanya Donelly. “Fish” foi gravado em 1986 (existe uma demo de 1985), mas não chegou a fazer parte de nenhum álbum dos Throwing Muses. É nesta canção que se encontra a frase Lonely Is An Eyesore que daria título a esta colectânea. Os Throwing Muses formaram-se em 1983 e desfizeram-se em 1997. Actualmente Kristin Hersh e Tanya Donelly seguem carreiras separadamente.



Dead Can DanceFrontier
A banda mística da grande casa de talentos que foi a 4AD nos anos oitenta. Aqui no primeiro trabalho gravado por Brendan Perry e Lisa Gerrard, ainda em 1979. “Frontier” viria a fazer parte do álbum estreia dos Dead Can Dance em 1984. Formaram-se sob a designação Dead Can Dance em 1981 na Austrália, emigrando no ano seguinte para Londres. Os Dead Can Dance conheceram diversas formações, mas a dupla original apenas se separaria em 1999, após oito álbuns e um EP. Em 2005 reuniram-se para uma digressão na Europa e América. Bendan Perry editou um trabalho a solo em 1999 e Lisa Gerrard mantém uma proficiente carreira a solo, sendo figura de proa em numerosas bandas sonoras.



Cocteau TwinsCrushed
Na galeria 4AD de 80, os escoceses [de Grangemouth] Cocteau Twins eram a jóia da coroa. “Crushed” foi o tema inédito que fechou o período de ouro da banda. A partir de 1988 foi sempre a descer, até à saída da editora em 1993 à dissolução em 1997. Entre 1982 e 87, os Cocteau Twins ofereceram sonhos pop delicodoce através das múltiplas vozes de Liz Fraser, a guitarra espacial de Robin Gutrie, Will Heggie (o primeiro baixista, apenas no álbum estreia) e a multi-instrumentalidade de Simon Raymond. “Crushed” é o canto do cisne desses tempos coloridos dos Cocteau Twins e a única produção deles editada em 1987.



Dif JuzNo Motion
Um conjunto de músicos que apenas editou dois álbuns. Os Dif Juz eram uma banda de instrumentais, mas contaram com a voz de Elizabeth Fraser no álbum estreia «Extrations» em 1985. Formaram-se em 1980 e duraram meia dúzia de anos. Aquando da edição de «Lonely Is An Eyesore» os Dif Juz já não existiam enquanto grupo. Alguns dos elementos viriam a fazer parte de bandas como os The Jesus & Mary Chain, Butterfly Child e Wolfgang Press.



Clan Of XymoxMuscoviet Musquito
Agrupamento holandês, que esteve na 4AD no início da carreira. Formaram-se em 1983 e ainda continuam a editar discos. “Muscoviet Musquito”, tema inédito e exclusivo para «Lonely Is An Eyesore», foi a última aparição dos Clan of Xymox na 4AD. O álbum «Medusa», em 1986, foi o ponto mais alto da carreira artística desta banda de Amesterdão.



Dead Can Dance – The Protagonist
Um longo instrumental aquando das sessões de gravação do álbum desse ano «Within The Realm Of a Dying Sun». Foi uma pena não ter ficado no alinhamento desse disco dos Dead Can Dance. No entanto, “The Protagonist” foi o tema escolhido por Ivo Watts-Russel para encerrar o alinhamento da colectânea «Lonely Is An Eyesore», na comemoração do sétimo aniversário da editora independente britânica 4AD.

------------------------------------------------------------------------------------
O que eles dizem (33)

O seu programa A Hora do Lobo acabou ao fim de dez anos no ar, na Rádio Comercial, porque, segundo a estação, não se encaixava na nova grelha. Foi realmente este o motivo?

O argumento foi esse. Que o meu programa não tocava a playlist da rádio. Mas os directores de programas mudaram e os administradores também. Enquanto me deixaram fazer a minha emissão, as coisas correram muito bem, a partir do momento em que me vêm dizer que A Hora do Lobo já não era adequada à nova grelha que vai entrar e que, em simultâneo, a minha voz já não faz parte do alvo etário a que se destina, então o fim era óbvio. Cheguei a ter o director de programas a dizer que era difícil imaginar-me à tarde a apresentar Shakira ou João Pedro Pais. Isso fica para quem o diz. Porque a seguir, se a SIC o quiser, estou a apresentar, em voz off, a Floribella, que não é para o meu grupo etário. É tudo uma questão de colocação de voz... Há um certo amargo na situação, principalmente na parte do " já não serve"!

Mas está de volta à rádio com o programa Viriato 25, na Radar. Como surgiu esta oportunidade?

Depois de resolver toda a questão logística com a Comercial, comecei a falar com pessoas. Houve uma hipótese na Antena 3, mas era para um horário madrugada dentro. Entretanto, falei com o Luís Montez da Radar, que acaba por ser o meu mentor porque nos encontrámos ao fim de dez anos, visto que foi ele que me levou para a Comercial em 97, para fazer A Hora do Lobo. E agora voltamos a encontrarmo-nos. Nesta altura, ele tinha uma proposta para mim, que eu considero de prime time [risos], que é fazer um programa das 23.00 à 01.00. Inicialmente, até era para ser das 22.00. E o mais curioso é que recebo imensas mensagens a dar-me os parabéns, por estar de volta.

(…)

O homem que marcou, musicalmente, várias gerações
António Sérgio, o homem da voz profunda e do anel com uma pedra de ónix preta (presente da mulher em 83), continua a fazer parte do universo de quem cresceu a ouvir a sua voz na rádio, desde a década de 70 na Rádio Renascença. Educou o ouvido de muitos, para géneros como o rock alternativo, o heavy metal ou o jazz, mas nunca pela música latino-americana, como o cha-cha-cha, ou o mambo. "Não gosto, nem nunca gostei", diz. Quando vem viver para Portugal, vindo de Angola, estranha o tipo de música que se ouve por esta bandas - francesa e italiana -, porque estava habituado a ouvir música anglo-saxónica, desde muito pequeno, que lhe traziam da África do Sul. Editou o primeiro álbum pirata de punk - Punk Rock 77 - que foi apreendido por ser considerado ilegal, mas acabou por ser absolvido do processo.

António Sérgio
In: «Diário de Notícias»
Segunda-feira, 24 Dezembro 2007
Entrevista de Catarina Vasques Rito



<< Home