domingo, 24 de fevereiro de 2008
Quinta-feira, 21 de Fevereiro de 2008; 02:45 hora de Lisboa
A rádio diz: Está a contecer lá em cima... Eclipse total da Lua. Noite de sombra e nevoeiro. O fenómeno do Eclipse (este e outros) está há muito cabalmente explicado e não é por um mistério estar claramente explicado que perde beleza ou encanto. Aliás, em minha opinião, um mistério explicado ainda é mais belo, porque não acarreta a angústia, a ansiedade, a inquietação e o temor do desconhecido. Mistério é um termo pomposo para confusão e ninguém mentalmente saudável gosta de confusões. E são tantos os mistérios relacionados com a Lua, e são tantas as canções que aludem à Lua. Apenas três exemplos (entre milhares de songs about moon they don’t play on the radio): Elvis Presley “Blue Moon”; Robert Wyatt & Soft Machine“Moon In June”; Sting “Sister Moon”. Ou ainda a obra «The Moon And The Melodies» de Budd, Frazer, Guthrie e Raymonde. Certo dia, há mais de dez anos e em resposta a um questionário acerca dos maiores prazeres da vida, indiquei um deles como o de estar à janela, à noite, a ouvir música. Hoje esse prazer, aparentemente muito simples, está seriamente danificado pelo crescente ruído automóvel, presente em todas as horas da noite, pela poluição visual causada pela iluminação de sódio que irradia nas cidades e, principalmente, pela indisponibilidade física e mental, atormentadas pela pressão dos horários rígidos impostos pela intensidade da vida activa. Nada ficou igual, mas houve neste eclipse da Lua um momento dos antigos. Nesta noite de eclipse lunar, corre em fundo uma das emissões exclusivamente compostas por peças instrumentais do programa «Vidro Azul» (23.Outubro.2006). Na sequência ouve-se “Ivy and Neet” dos This Mortal Coil, “Gnossienne No.4” de Erik Satie e “Night Bus” de Burial. A magia dos sons e o encantamento das imagens. Transmissão de afectividade que só a Rádio consegue transmitir. E esta é apenas uma das muitas razões pelas quais sou contra a existência das playlists. Porque anulam o efeito único de afectividade exclusiva da Rádio. Eclipsam a pessoalidade e eclipsaram os instrumentais. CD’s, e outros suportes de reprodução sonora, atenuam a lacuna, mas não colmatam o vazio. Há coisas – não pessoas – insubstituíveis. Antes do final do fenómeno, lá vieram as nuvens, as sombras e o nevoeiro. Lua tapada, depois a chuva de Inverno. Poderá ter sido a última noite de lua cheia? Tendemos sempre a achar que ela vai estar ali eternamente para nós, ou que nós iremos estar sempre aqui para a contemplarmos. Mais friamente – mas não menos ilusoriamente – conclui-se que a probabilidade de isso não acontecer é pequena, mas que a possibilidade é enorme, senão mesmo fatal. Vale a pena relembrar as palavras da cena final do filme «The Sheltering Sky» de Bernardo Bertolucci:
Por não sabermos quando vamos morrer, vemos a vida como uma fonte inesgotável. E no entanto tudo acontece apenas um certo número de vezes, um número muito reduzido, aliás. Quantas vezes recordaremos uma certa tarde da nossa infância, uma tarde tão profundamente parte do nosso ser que nem concebemos a vida sem ela? Talvez mais umas quatro ou cinco vezes, talvez nem sequer tantas. Quantas vezes mais veremos despontar a lua-cheia? Talvez vinte. E porém, tudo parece ilimitado.
Tudo isto é verdade encoberta pelos poderosos desejos da ilusão. Chega de lamúrias! Alguma coisa vai ter que acontecer! E, adaptando J.F.Kennedy, não pensemos mais sobre o que a vida pode fazer por nós, mas sobre o que nós podemos fazer pela vida. A Rádio faz parte da vida.
Foto: João Manuel Figueiredo