segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Sábado à tarde em Coimbra

Os territórios indie e as suas fronteiras
Debate/conferência no Foyer do TAGV, com os convidados Rita Moreira, João Bonifácio, Rodrigo Cardoso e Vater Hugo Mãe. Moderação de Carla Lopes e Pedro Sousa. Iniciativa aberta ao público.

No debate começou-se por tentar perceber donde vinha a designação indie e quis-se – inconclusivamente – definir o que é a independência na música pop-rock. Numa pesquisa prévia que alguns dos conferencistas efectuaram, a palavra/conceito indie remontava aos anos vinte do século passado. Elaborações históricas à parte, a verdade da origem do fenómeno indie é muito mais simples de explicar do que aparentemente ficou demonstrado neste debate/conferência. O termo indie provém da palavra Independent, ou seja, Independência. Independência artística dos músicos, compositores, autores, cantores e interpretes. Independência do vínculo editorial; Independência criativa; Independência das regras de mercado; Independência da alçada dos grandes agentes e intermediários; Independência dos ditames das majors multinacionais; Independência de calendários e linhas orientadoras que extravasem as definidas pelos próprios criadores. Em suma, e numa palavra: Liberdade!
Faltou memória no debate. Todos os conferencistas eram jovens – presumo que, na totalidade, nascidos após o 25 de Abril – e a esmagadora maioria do público presente também. Os intervenientes convidados/conferencistas no debate Os territórios indie e as suas fronteiras não se esqueceram de falar de nomes de relevantes editoras britânicas (Rough Trade, por exemplo) que se fundaram e se fundamentaram no fenómeno indie, mas nenhum dos oradores falou da 4AD – a editora independente mais importante do mundo nos anos 80 (alguns nomes de catálogo: Cocteau Twins; Dead Can Dance; This Mortal Coil; Wolfgang Press; Colin Newman; Pixies; Red House Painters; Gus-Gus; Thievery Corporation); ou quando se aflorou na conversa, muito pela rama, a possível existência de um cenário indie em Portugal, ninguém se lembrou de falar da editora Ama Romanta – a label mais significativa até hoje em Portugal no que à cena indie diz respeito – que teve vida curta mas peso de sobra nas décadas de 80 e 90 (alguns nomes de catálogo: Pop Dell’Art; Mler If Dada; Censurados; Anamar; Mão Morta; Telectu; Sei Miguel; Santa Maria Gasolina Em Teu Ventre; Essa Entente). Apesar das lacunas e dos desvios que a conversa tomou, foi um pedaço de tarde muito agradável. Ninguém estava à espera (ou a querer) que a conversa/debate fosse alcançar o nirvana ou encontrar um novo caminho marítimo para a Índia. Valeu a pena. Depois do debate, uma visita guiada às instalações da RUC-Rádio Universidade Coimbra, estando pela primeira vez no estúdio de emissão onde tantas vezes se desenhou o magnífico «Vidro Azul».

Independência
Na verdade, o conceito indie na música popular (pop-rock anglo-saxónica) apareceu já muito dentro da segunda metade do século XX. Tal como o conhecemos hoje, surgiu concretamente nos anos 70 e desenvolveu-se intensamente nos anos 80. Um dos casos mais marcantes do pioneirismo indie ocorreu em Nova Iorque, ainda na primeira metade dos anos 70, através da dupla Alan Vega e Martin Rev, que responderiam pela designação de Suicide. Esta dupla esteve anos a fio a tentar gravar o primeiro disco [formaram-se em 1971 e gravaram o álbum estreia em 1977], sempre com o projecto a ser repetidamente rejeitado, estando cinco anos à espera para conseguirem realizar a primeira actuação ao vivo. Nos primeiros tempos, os Suicide recusaram receber qualquer pagamento pelas actuações ao vivo em protesto por antes de começarem a serem conhecidos terem sido negados por editoras e possibilidades de espectáculos. Dizia provocatoriamente e revoltadamente Alan Vega: “Agora que já viram o nosso valor é que nos querem pagar? Fuck off!”. O nome Suicide também provém dessa indignação: Suicide was always about life. But we couldn’t call it life. We never would have gotten a gig. So we called it Suicide because we wanted to recognize life. Alan Vega, 1985
Os Suicide encarnaram da cabeça aos pés o conceito indie. Antes deles não havia nada igual nem sequer semelhante. Uma criativa simbiose electro-pop minimalista spoken-word (proto-industrial-punk-hybrid-garage), irreverente, provocatória e absolutamente original. A voz de Vega situa-se entre o grito da revolta bairrista e o lirismo crooner/rocker dos anos 50. Guardo na memória uma inesquecível noite que teve lugar há anos no Paradise Garage, em Lisboa: uma actuação impossível de caracterizar dos Suicide. Uma sala só para indefectíveis! Alan Vega e Martin Rev em carne e osso; som, fumo e luzes; sombras e fantasmas de Orbison e Presley; ruído, energia eléctrica e electrizante. Uma força e simplicidade incríveis. É isto tudo que são os Suicide. Aliás, representam muito mais do que isto. Em homenagem a estes importantes pioneiros indie, ficam aqui dois videoclips demonstrativos da atitude dos Suicide quer em estúdio, quer em palco. Alan Vega (o falante/cantante/gritante; agente provocador) e Martin Rev (o organista/sintetizador/alquímico; feiticeiro sónico). É mais uma eloquente sequência de songs they never play on the radio.



Suicide Dream Baby Dream (1980)



SuicideGhost Rider live (1977)

Além VEGA
Para quem quiser ver/ouvir mais, recomenda-se ainda o belíssimo e surpreendente “Surrender” (tema/canção que foge à patine dos Suicide, que conheci ouvindo o programa «Íntima Fracção» em 1988); o cortante “Mr. Ray” (numa actuação ao vivo em Londres/1997) e também Alan Vega a solo no mítico “Juckebox Babe” (1981).
A crítica musical internacional tem constantemente apontado os Suicide como decisivos na influência que exerceram no crescimento do electro-pop. Sem eles não haveria Human League, Bonski Beat, Soft Cell, Erasure, etc. O som e a estética dos Suicide é inconfundível.
Para além de, paralelamente, manterem carreiras a solo, Martin Rev e Alan Vega reúnem-se pontualmente, retomando os Suicide para actuações, digressões e gravação de novos discos. O mais recente «The World Demise» data do ano passado.
Os Suicide já não têm a influência de outrora. Sempre se disse que foram mais influentes do que comercialmente bem sucedidos e é verdade. Mais uma prova disso mesmo está na declarada admiração revelada por nomes tão insuspeitos como Tom Waits ou Bruce Springsteen. Também para ver e ouvir, eis aqui uma versão ao vivo do tema “Dream Baby Dream” com que Bruce Springsteen encerrou muitos dos seus espectáculos recentes. Bastaram três palavras (“Dream Baby Dream”) e três acordes para um grandioso momento que ultrapassa os oito minutos.

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O que eles dizem (37)

Rádios ‘online’ têm dez milhões de ouvintes
O projecto ROLI (Rádios On-line na Internet) acabou o ano de 2007 com mais de dez milhões de ouvintes, revelou a Associação Portuguesa de Radiodifusão (APR).
2007 foi o primeiro ano em que funcionou em pleno, tendo sido oficialmente inaugurado em Maio. O ROLI conta, ao fim dos primeiros oito meses, com 190 rádios, de todo o país, associadas. As emissoras estão alojadas no site
www.radios.pt, onde cada utilizador tem acesso à lista dos associados, podendo ouvir a sua emissão directamente a partir daqui.

In: «Diário de Notícias»
Quarta-feira, 16 de Janeiro 2008



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