quarta-feira, 30 de abril de 2008
Ela (e eles) ali ao lado
Uma canção passou no rádio
E quando o seu sentido
Se parecia apagar
Nos ponteiros do relógio
Encontrou num sexto andar
Alguém que julgou
Que era para si
Em particular
Que a canção estava a falar
E quando a canção morreu
Na frágil onda do ar
Ninguém soube que ela deu
O que ninguém
Estava lá para dar
Um sopro um calafrio
Raio de sol num refrão
Um nexo enchendo o vazio
Tudo isso veio
Numa simples canção
Depois de os Clã terem tocado “Sexto-Andar”, Manuela Azevedo dirige-se ao público. Fá-lo-ia por numerosas vezes, mas nesta intervenção em particular (a mais longa), soltou palavras directas ao coração. Acertadas em cheio como uma flecha no “Sopro do Coração”: “Há trinta e quatro anos, esta noite começou com uma canção que passou na rádio. Esta canção que acabaram de ouvir, fala sobre a importância de uma simples canção… da importância que uma pequena canção pode ter nas vidas das pessoas. Diz-se que é uma coisinha assim sem importância, apenas três minutos e algumas palavras. Mas a verdade é que há gente que se casa por causa de uma canção, há gente que se separa por causa de uma canção, há gente que vive e morre por causa de uma canção”. E é verdade. De facto, uma pequena e simples canção pode alterar e muito o percurso de uma vida. As palavras de uma canção podem resolver o “Problema de Expressão” (…) “Só para dizer que te amo”.
Lamentavelmente foi não ter sido possível chegar a tempo para assistir à apresentação do espectáculo por Cândido Mota (para mim, o melhor e mais versátil profissional de Rádio português ainda vivo). A última vez que tive esse gosto foi há três anos, antes da actuação de Paulo de Carvalho.
Terceiro e inesperado encore, com Manuela a dizer: “Nós vamos tocar outra, só que ainda não sei qual é…” E foi “Sangue Frio”, a canção do gelo quente. Há oito anos, quando apareceu, identificava-me com grande parte da letra da canção. Hoje não. Sinto maior identificação com o boneco do vídeo de “Sexto Andar”. O homem estendido na cama do seu quarto num sexto andar de um prédio de habitação, a ouvir rádio à cabeceira, e a voar ganhando asas.
Há uma interessante versão ao vivo semi-privada (só para cinquenta fãs) num ensaio registado em Agosto de 2007. Ver aqui
Antes de todas estas canções, tinha descido sobre a lindíssima baía do Seixal aquele que é descrito por muitos como sendo o melhor Fogo de Artifício de toda a margem sul. E quem é capaz de dizer o contrário?
Em todo o espectáculo dos Clã esperei uma surpresa – a suprema surpresa – de ver subir ao palco, perto do final, o próprio Sérgio Godinho para um daqueles incríveis momentos em dueto com Manuela Azevedo. Afinal, ele tinha terminado a sua actuação pouco antes ali ao lado, na cidade que vai receber a nova ponte sobre o Tejo. Estavam muito perto um do outro. Será que ninguém se lembrou de fazer acontecer essa proeza?
Afinidades
Sérgio Godinho e os Clã são presenças habituais e seguras nas rádios portuguesas. SG desde o fim da censura em 1974, os Clã desde que apareceram em 1995. Ambos estão inseridos em playlists, o que tem um lado bom e um lado mau. O lado bom é apenas e só lá poderem estar. O lado mau é que nesse tipo de opção de difusão, muitas das outras grandes canções que assinam nunca são escutadas pelo público. Insiste-se e repetem-se um ou dois singles dos mais recentes trabalhos e pouco ou nada mais para além disso. E isso é muito pouco. Desfavorece não só os ouvintes – que ficam a saber pouco (na verdade quase nada) sobre o álbum, e desfavorece os artistas – que têm mais canções merecedoras de atenção.