sexta-feira, 31 de outubro de 2008
Bossa Nova – 50 Anos 50 Clássicos (12)
A primavera no Brasil coincide com o Outono na Europa, e o Verão com o Inverno. Daí que se ouça neste tema “Águas de Março / É o fim do Verão”. Um magistral jogo de palavras, utilizando variadíssimos termos linguísticos locais, pelo que a compreensão total da letra poderá ser imperceptível para a maioria dos portugueses. António Carlos Jobim em dueto com Elis Regina, ainda na primeira metade dos anos setenta, num álbum marcante para estes dois nomes consagrados da canção brasileira. Foi, também, o último mega sucesso de Jobim, embora o compositor/cantor/músico/maestro continuasse sempre em actividade e tivesse conhecido muitos outros êxitos até morrer. “Águas de Março” é uma das canções mais famosas da Bossa Nova, numa altura em que o movimento já não estava na moda e já não era uma novidade. Por esses dias, vibrava mais o Tropicalismo e a renovada Música Popular Brasileira. “Águas de Março” persiste nos nossos dias, com novas e sempre reinventadas interpretações, ultrapassando fronteiras. É um standard internacional. Uma das versões mais bem conseguidas dos últimos anos está no dueto entre a brasileira Marisa Monte e o norte-americano David Byrne.
O álbum «Elis &Tom &» foi editado em 1974 com uma publicação do jornal «O Pasquim».
Crónica que deveria estar a passar na Rádio. Não passa na Rádio, mas passa aqui durante cinquenta dias até ao fim do ano. Texto inicialmente escrito para Rádio adaptado para leitura on-line.
ÁGUAS DE MARÇO
(Tom Jobim)
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é um laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o Matita Pereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de Março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projecto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de Março fechando o Verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de Março fechando o Verão,
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de Março fechando o Verão
É a promessa de vida no teu coração
Pau, pedra, fim, Minho, esto, toco, oco, inho
Aco, vidro, vida, ó, côtche, oste, ace, jó
São as águas de Março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.