terça-feira, 2 de novembro de 2010

Palavra de Lobo (I)

Semana ANTÓNIO SÉRGIO na «Rádio Crítica»
















Fotografia de Rita Carmo

O SOM DA FRENTE – A ARTE DE OUVIR

Foi a companhia de uma geração, para muitos foi mesmo um estandarte.
É vulgar encontrá-los na rua, nas salas improvisadas para concertos, ou nalguma discoteca, até na praia. Uns optam por "cotovelar" os amigos, comentando: "Olha ali o António Sérgio! O que eu estudei ao ouvi-lo!"
O resultado é os olhares esquivos, os risos encapotados, uma ou outra história desses tempos que já não voltam. Outros mais afoitos aproximam-se e dizem apenas: "Costumo ouvi-lo. Parabéns!". Outros ainda: "Ontem estava no Cabo Espichel deitado em cima do capot do carro a ouvir a emissão. Que banda era aquela que tinha...?".
A conversa entra por aí e lá ficamos a saber que têm uma colecção de discos sempre em quarto crescente, que se formaram nisto ou naquilo, que o emprego já comanda o ritmo dos dias e das noites, mas mantêm uma saudosa memória desses tempos de adolescência ímpia e impune onde ouvir O Som da Frente era uma atitude.

Porquê este mito em torno de um nome?! O Som da Frente, inicialmente um jingle do programa Rotação, a par de "Rock Final", tornou-se uma marca registada do som, que não se resumia ao rótulo estreito e aquilosante de "alternativo".

O Som da Frente era mais abrangente, não tinha delimitações temporais, não sucumbia aos bpm's, aos ritmos, às escolas, às geografias ou à cronologia impiedosa que espartilha o som. Chamada ao exercício físico e intelectual de ouvir. O Som da Frente tornou-se assim o vício de Ouvir mais. Ouvir melhor. Ouvir sem preconceitos. E neste contexto, Ouvir tornou-se a obsessão dessa geração que aí consolidou o conceito básico da autodeterminação, da livre escollha e do direito à diferença.

Alegre e endiabrado, sereno e intimista, brutal e interventivo, épico e psicadélico, apelando à Vida ou enaltecendo o negrume da Morte, O Som da Frente aninhava-se no "estado de espírito" do momento como uma segunda alma.
Banda sonora do paraíso onírico de cada um alimentava-o, noite após noite, dia após dia, de histórias fantásticas passadas ou futuras.


Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
inlay CD colectânea «Som da Frente 1982-1986»
(continua)















Fotografia de Rui Coutinho

Memórias do «Som da Frente» de António Sérgio ao longo de toda esta semana na «Rádio Crítica».
A ilustrar, o tema "Israel" de Siouxie Sioux com os Banshees, numa poderosa interpretação ao vivo nos bons velhos tempos do «Som da Frente» e da Rádio de autor.
Este tema é um dos que fazem parte da dupla compilação de clássicos divulgados pelo lobo no mítico programa da Rádio Comercial.

Siouxsie and the Banshees – "Israel" (ao vivo em 1983)




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