sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Palavra de Lobo (IV)

Semana ANTÓNIO SÉRGIO na «Rádio Crítica»























O Som da Frente propunha-se como projecto de divulgação e como espaço de inovação, na medida em que procurava encontrar o ponto de viragem nas formas de abordar a música, tentando deslocá-las para fora do âmbito restrito do "rodar de discos" descontextualizado.

Composto por algumas rubricas fixas e por outras mais ou menos flutuantes, tinha uma dupla estrutura baseada em dois vectores chave: som e palavra, possibilitando a inserção de vários textos relacionados com a vivência do som apresentado, intervenções de opinião e entrevistas de língua solta onde não existiam tópicos tabu.

Funcionou como estaleiro de som, onde as ideias se transformavam em projectos. O Som da Frente acompanhou a evolução e a maturação da música moderna portuguesa sem sucumbir a falsos paternalismos conducentes a "doenças infantis" infundadas, fazendo-a fluir num contexto sonoro onde a nacionalidade se esbatia a favor da qualidade. Ensinou também a ouvir o silêncio, tornando-se um espelho criterioso permeável ao quotidiano. De onde quer que o mundo o observasse, O Som da Frente observava o mundo. Este processo de mútua contaminação foi a chave para a criação da tribo de ouvintes que lhe conferiu o ainda actual prestígio e um perfil sociológico muito particular.

A presente compilação de sons e estéticas, pretende marcar uma pauta das emoções sonoras alusivas ao período que mediou entre 1982 e 1986, retomando cada tema seleccionado numa perspectiva panorâmica de fixação, possibilitando sistematicamente uma ulterior consulta mais aprofundada do trabalho dos artistas visados, numa atitude consistente com o objectivo último subjacente ao Som da Frente - a descoberta da diáspora musical, em clara independência da diacronia da indústria discográfica.

Para quem teve a experiência auditiva o Som da Frente permanece como uma memória inesquecível.


Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
inlay CD colectânea «Som da Frente 1982-1986»


(continua) 


















Joy Division – “Atmosphere” (1980)



O que eles dizem (55)

Os programas de autor da segunda metade do século XX criavam um ambiente alternativo ao ouvinte, um mundo à parte, como a literatura ou o teatro. A rádio distinguia-se por programas diversificados, com personalidades vincadas em função dos seus autores, géneros, narrativas, estilos.
Hoje a rádio generalista quase só pretende ser o ambiente "natural", ocupando todo o tempo com as mesmas canções impostas pelas editoras e pessoas a blablar como na TV, no emprego e na rua.
O som da rádio parece o ruído de fundo dos hipermercados.
Passámos do mundo do Som da Frente, de António Sérgio, para um zumbido, um fluxo indistinto, sem passado nem futuro.


Eduardo Cintra Torres
In: «PÚBLICO», Sábado de 07 Novembro 2009



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