domingo, 7 de novembro de 2010
Palavra de Lobo (VII)
Fim-de-semana ANTÓNIO SÉRGIO na «Rádio Crítica»
A RÁDIO, O PÚBLICO, O HOMEM E O ARTEFACTO
Esta compilação que apresenta momentos ímpares na história recente da música popular contemporânea é o resultado da colaboração dinâmica do radialista e do seu público ao longo de mais de uma década.
Nessa massa de gente a que vulgarmente chamamos "ouvintes" encontram-se muitos dos que hoje fazem a diferença no panorama cultural português, tal é o caso de quem orienta os destinos da editora que publica o presente artefacto.
A equipa que garantiu a logística da compilação Som da frente I e II, manteve apesar das mudanças de identidade, a vontade férrea de permanecer fiel aos seus objectivos, apesar do quebra-cabeças associado às formalidades que o processo de licenciamento obriga.
Bem-hajam!
Raramente se encontra, neste tipo de compilações, um alinhamento articulado onde o autor partilhe de forma tão íntima a sua experiência sensorial mas, mais raro ainda se torna o facto de essa experiência resultar de um karma acarinhado ao longo de noites de partilha com uma "imensa minoria" que uniu estratégias e imagens de iconografias tão díspares quanto acertivas da diferença face ao mainstream, criando um vocabulário e uma semântica sonora que ainda hoje persiste.
Estes sons são a prova de que a música não se limita à realidade crua e dura dos números, dos nice prices que recuperam os fundos de catálogo, das compilações "que misturam e voltam a dar". Estes sons provam que a música contemporânea, nas suas expressões populares como o rock, o blues, o rock ou o pop, são uma das muitas portas da Arte e representam a escolha certa para um caminho, neste caso rilhado por uma emissão de Rádio que fez serviço público ao "educar" a orelha de quem teve o mérito e discernimento de a arrebitar noite após noite.
Ana Cristina Ferrão
Inlay CD «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE II 1982-1993»
Fevereiro 2005
Indicativo do programa. Tema instrumental e original dos Xutos e Pontapés – “Som da Frente”:
ROCK
Recordo sempre a pergunta sacramental, aquando da visita-estreia lá a casa, sem tirar os olhos das prateleiras: «- Estão arrumados como? Alfabeticamente? - Não! Não estão arrumados. O inquérito continuava: - Então como é que encontram os discos? A resposta sempre foi desconcertante: - Nós sabemos onde estão. E se não sabemos procuramos e (re)encontramos outros no processo.»
No meio da cacofonia virtual da nossa cultura, o António Sérgio manteve-se fiel a si próprio, na sua visão ímpar e muitas vezes pouco ortodoxa do "como fazer".
Sempre foi e ainda é – o que o berço dá só a tumba leva – homem para não procurar (ou não saber achar) o caminho mais simples, mas sim o caminho mais de acordo com a sua intuição. Daí a desmontar prateleiras de discos em vinil, arrastar com o pó de anos de imobilização, inundar o chão com capas simples, duplas, triplas; rever o vinil preto, colorido ou transparente; retomar o prazer do "pica-montinhos" ou esboçar o sorriso de orelha a orelha quando as mãos fiéis e certeiras acertam na espira - vai o tal passo que mitos escarnecem perante o manancial que os catálogos electrónico, as bases de dados ou os repositórios mp3 disponibilizam. Todo aquele cerimonial faz parte deste objecto sonoro que agora têm nas mãos.
Ah! Já me esquecia e seria deveras confrangedor não partilhar convosco a existência do bloco de notas, a velhinha Parker de tinta preta, e a enorme, sempre conspurcada de impressões digitais, lupa! O ritual proporcionou uma perspectiva contextualizada pela memória e pela sua prova de resistência ao tempo através da evidência auditiva, anos depois, garante da integridade da aposta em momento passado pela persistência de valores no futuro-presente.
Enjoy!
Ana Cristina Ferrão
Inlay CD «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE II 1982-1993»
Fevereiro 2005
PS: A casa ainda está num caos! Mas afinal em mais de vinte anos nunca esteve arrumada e, ainda se oferece "rodar uns sons para tu ouvires" como expoente máximo de meiguice.
Mazzy Star - "Fade Into You" (1993)
A RÁDIO, O PÚBLICO, O HOMEM E O ARTEFACTO
Esta compilação que apresenta momentos ímpares na história recente da música popular contemporânea é o resultado da colaboração dinâmica do radialista e do seu público ao longo de mais de uma década.
Nessa massa de gente a que vulgarmente chamamos "ouvintes" encontram-se muitos dos que hoje fazem a diferença no panorama cultural português, tal é o caso de quem orienta os destinos da editora que publica o presente artefacto.
A equipa que garantiu a logística da compilação Som da frente I e II, manteve apesar das mudanças de identidade, a vontade férrea de permanecer fiel aos seus objectivos, apesar do quebra-cabeças associado às formalidades que o processo de licenciamento obriga.
Bem-hajam!
Raramente se encontra, neste tipo de compilações, um alinhamento articulado onde o autor partilhe de forma tão íntima a sua experiência sensorial mas, mais raro ainda se torna o facto de essa experiência resultar de um karma acarinhado ao longo de noites de partilha com uma "imensa minoria" que uniu estratégias e imagens de iconografias tão díspares quanto acertivas da diferença face ao mainstream, criando um vocabulário e uma semântica sonora que ainda hoje persiste.
Estes sons são a prova de que a música não se limita à realidade crua e dura dos números, dos nice prices que recuperam os fundos de catálogo, das compilações "que misturam e voltam a dar". Estes sons provam que a música contemporânea, nas suas expressões populares como o rock, o blues, o rock ou o pop, são uma das muitas portas da Arte e representam a escolha certa para um caminho, neste caso rilhado por uma emissão de Rádio que fez serviço público ao "educar" a orelha de quem teve o mérito e discernimento de a arrebitar noite após noite.
Ana Cristina Ferrão
Inlay CD «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE II 1982-1993»
Fevereiro 2005
Indicativo do programa. Tema instrumental e original dos Xutos e Pontapés – “Som da Frente”:
ROCK
Recordo sempre a pergunta sacramental, aquando da visita-estreia lá a casa, sem tirar os olhos das prateleiras: «- Estão arrumados como? Alfabeticamente? - Não! Não estão arrumados. O inquérito continuava: - Então como é que encontram os discos? A resposta sempre foi desconcertante: - Nós sabemos onde estão. E se não sabemos procuramos e (re)encontramos outros no processo.»
No meio da cacofonia virtual da nossa cultura, o António Sérgio manteve-se fiel a si próprio, na sua visão ímpar e muitas vezes pouco ortodoxa do "como fazer".
Sempre foi e ainda é – o que o berço dá só a tumba leva – homem para não procurar (ou não saber achar) o caminho mais simples, mas sim o caminho mais de acordo com a sua intuição. Daí a desmontar prateleiras de discos em vinil, arrastar com o pó de anos de imobilização, inundar o chão com capas simples, duplas, triplas; rever o vinil preto, colorido ou transparente; retomar o prazer do "pica-montinhos" ou esboçar o sorriso de orelha a orelha quando as mãos fiéis e certeiras acertam na espira - vai o tal passo que mitos escarnecem perante o manancial que os catálogos electrónico, as bases de dados ou os repositórios mp3 disponibilizam. Todo aquele cerimonial faz parte deste objecto sonoro que agora têm nas mãos.
Ah! Já me esquecia e seria deveras confrangedor não partilhar convosco a existência do bloco de notas, a velhinha Parker de tinta preta, e a enorme, sempre conspurcada de impressões digitais, lupa! O ritual proporcionou uma perspectiva contextualizada pela memória e pela sua prova de resistência ao tempo através da evidência auditiva, anos depois, garante da integridade da aposta em momento passado pela persistência de valores no futuro-presente.
Enjoy!
Ana Cristina Ferrão
Inlay CD «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE II 1982-1993»
Fevereiro 2005
PS: A casa ainda está num caos! Mas afinal em mais de vinte anos nunca esteve arrumada e, ainda se oferece "rodar uns sons para tu ouvires" como expoente máximo de meiguice.
Mazzy Star - "Fade Into You" (1993)