quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A Rádio é de todos
































Continuarão em Santiago do Cacém os dias da rádio via Antena Miróbriga?

É agora e tardiamente conhecida a situação financeira preocupante da Rádio Miróbriga, dantes conhecida como Antena Miróbriga. Imagino que por essa razão tenha sido demonstrada a intenção da direção da cooperativa em vendê-la a terceiros sob forma de instalações e alvará para o exercício de radiodifusão, pela suposta insustentabilidade do projeto, no modelo atual. Apesar do aparente recuo nestas intenções desde há poucos dias, o que é certo é que nada está garantido e na prática feito para reabilitar o projeto. A gravidade da situação persiste. É necessário que quando formos e forem chamados a tal, todos nós acorramos em força e em participação. A rádio continua a correr o risco de fechar, não tenhamos ilusões.
Importando informar a população, instituições e forças vivas do concelho e da região e todos os que ao longo de mais de vinte e seis anos têm feito as emissões e o serviço da Miróbriga e clarificar uma demarcação forte destas intenções, escrevo, preocupado com este cenário, estas palavras. E porque deve ser do domínio público o que se está a passar em Santiago. Esperando também que haja um recuo efetivo neste cenário e que em Santiago do Cacém alguém deite mãos à situação, para que a rádio continue onde pertence, junto da população, de quem escuta e de quem faz.
Estranho o chegar a este ponto de rutura, sem a informação da situação, mal esta começou a ter lugar. Faltou a informação à população, funcionários e colaboradores e instituições, no sentido de, em tempo mais útil, salvar a rádio. Espero que ainda seja a tempo, para evitar uma perda irreparável. Porque a rádio é de todos, de facto.
Sabemos que, noutras situações no passado em que a rádio também atravessou períodos de dificuldade financeira, sempre as populações e as instituições responderam positivamente à chamada, quer através de donativos, realização de espetáculos, constituição de uma liga de amigos ou outras formas que se possam ainda hoje juntar à causa de preservar a rádio para as pessoas da região e ao seu serviço, única razão da sua existência e fundamento para uma frequência de rádio estar alocada ao concelho de Santiago do Cacém.
Será de duvidar que a população do concelho de Santiago do Cacém e de toda uma região alargada, por força da cobertura radioeléctrica da Miróbriga, entenda e perdoe a alienação definitiva de um bem serviço de referência, estratégico na identidade das terras, voz para as pessoas da região e referencial de serviço público, o mais das vezes, por diversas formas e também pela função de proteção civil. Um concelho sem uma rádio que não seja o repositório de emissões de rádio de estações nacionais, um vulgar retransmissor de produtos alheios ou entregue a quem não garanta de forma completa e imparcial a missão de rádio local ou regional, fará Santiago do Cacém perder relevância no contexto regional – mais ainda - e a região perder influência no global, até porque o serviço prestado sempre ultrapassou largamente as delimitadas fronteiras concelhias e mesmo regionais.
Sabemos todos que a rádio já esteve mais virada para as populações do que nos últimos tempos. Que o produto de escuta final da rádio e os exteriores, bem como o acompanhamento generalizado de atividades e eventos na região terão tido tempos mais áureos e, calculo, audiências mais avultadas. Ainda assim, é possível, como ficou demonstrado em reestruturações anteriores, como a de finais de 1993 e a de há quatro anos atrás, que é possível refundar a rádio e trazer-lhe resultados ao nível do topo já alcançado.
Vinte e seis anos de sonhos maravilhosos, de serviço às populações, de carinho dado e recebido não devem terminar desta forma, com a venda a terceiros da rádio que é de todos nós. Todos os que fizeram parte dos órgãos diretivos deram anos de dedicação e esforço de gestão à rádio. Os funcionários aplicaram-se e foram compreensivos nos momentos difíceis, entregando-se à missão de levar a rádio no dia a dia às pessoas. Os colaboradores, de forma desinteressada e não onerosa para a rádio, fizeram produções, emissões e deram de si o saber e a excelência que levou o nome da rádio a todo o lado, o povo deu a audiência e ergueu a rádio, levando-a a alturas de incenso. Todos em conjunto, tornámos a Miróbriga numa referência entre as rádios ditas locais, com ecos a nível nacional. Se calhar a rádio, a cooperativa, os órgãos sociais deviam há dez anos atrás, pelo menos, ter sido mais abertos a quem ouve e quem faz, a quem gosta e percebe já qualquer coisa de rádio. Mas está-se sempre a tempo.
Pessoalmente faço parte da Miróbriga de alma e coração há mais de 22 anos. Fui para lá juntamente com o Orlando Angelino por mão do professor Zé Rui ainda em 90, poucos meses depois do início das emissões com a rádio legalizada. Com ele e com o Paulo Ferreira ajudámos a colocar no ar com alguma opinião, o programa "Indigestões". Com eles aprendi que um programa deve ser sempre cuidadosamente preparado, ao contrário da triste atitude de levar – antes nesse suporte – meia dúzia de discos de vinil debaixo do braço e depois logo se vê o que se diz, pois, sabiamente se diz, o melhor improviso é o planeado.
Menos de um ano depois começava o programa Atlântico que tem movimentado uma equipa de dezenas de pessoas até aos dias de hoje de forma gratuita e com uma colaboração que tem trazido conteúdos também de excelência à rádio. Na década de noventa, juntamente com o Francisco Violante (que fez ainda programas de grande suporte à música portuguesa na Miróbriga, entre outros) lançámos – depois de uma pesquisa de rádios e do deitar de um mapa de papel colorido no chão da minha antiga casa, uma emissão chamada "Tempos e Vontades", feita em Santiago do Cacém e distribuída e difundida por um coletivo de mais de vinte rádios locais em todo o país, que, no seu conjunto formaram uma espécie de rádio nacional com cobertura abrangente e levando a todo o lado o nome da rádio e da região. Não esqueço a duplicação de cassetes a alta velocidade e as corridas que fizemos até aos CTT de Santiago no largo do Barroso, para que ainda seguissem no correio desse dia e chegassem a horas aos quatro cantos do país e fossem transmitidos os programas.
Passei, tal como muitos, por todos os horários da rádio, em direto, enquanto vivia em Santiago. Nunca abandonei a rádio. Ainda hoje com ela colaboro, com natural e evidente prejuízo pessoal e dedicação que é retirada a outras partes da vida para que as emissões cheguem aos ouvintes se continuarem a ser uma mais valia. Vou ter muita dificuldade em lidar com o facto, ainda evitável espero, de ser em meu tempo e por não fazer nada, que a rádio acabe. Estou, como sempre, e sabendo que muitos o estão também a empregar, disponível para dar o know how ao serviço de um projeto renovado e sustentável para a Miróbriga, na medida do possível e às vezes no limiar do impossível.
Não consigo conceber que tenha sido em vão que o Luís Silva foi tão preocupado com a difusão dos programas e a melhor utilização das tecnologias, que fez diretas a montar novas cablagens e configurações técnicas de estúdios, que as fizemos a compor novas imagens sonoras de programas, a percorrer bares, discotecas, padarias, festas, eventos e ocorrências menos boas, para que a rádio estivesse junto das pessoas e a qualquer dia e hora. E antes de nós o "Passageiros da Noite" entre outros, que pregava à telefonia centenas de pessoas, que no dia seguinte exibiam orgulhosas as suas olheiras, "estive a ouvir a Antena Miróbriga até quase de manhã!". Mais tarde entrámos vezes sem conta no programa do João Borges "A Noite dos Gatos Pardos", a partir de qualquer lado em que as coisas acontecessem ou nas emissões do Luís Ricardo. Dito hoje ainda é assombroso, a dinamarquesa Whigfield deu o seu primeiro concerto em Portugal, em 1995, em Santiago do Cacém. Na Adrenalina. E nós transmitimos. À tarde estava na MTV Europe, à noite na Antena Miróbriga a fazer o seu número "Saturday Night" e a dar umas palavrinhas a um repórter trémulo.
Tenho para mim que a consciência de quem pode fazer tudo para evitar a venda da rádio aguente que o não faça.
Assisti ao entusiasmo das primeiras emissões da rádio, nas pessoas que as fizeram e nas gentes que as escutaram. Toda uma cidade recente e um concelho e uma região grande falava da rádio e na rádio. As mudanças de frequência, as emissões experimentais em muitos períodos, o choque das ondas na época ainda das rádios ditas livres. Vi os meus colegas e a sua entrega, entreguei-me também. Vi pessoas como o Fernando Calado, que enquanto esteve entre nós, deu tudo de si e fez com os outros dessem também. Fosse num baile ou num Especial Eleições, que tantos fizemos. A motivação dele e de outros dava força ao ditado de mais pode quem quer, do que quem pode. E o seu filho, o Paulo que sempre fez coisas interessantes e era um dos mestres da logística, não degenerou. Vi dezenas com entusiasmo no fazer e senti milhares com prazer na escuta.
Estive no Rio da Figueira e vi com os meus olhos o parque urbano com milhares de pessoas a assistir ao "Sol da Manhã" e o Susano - que também podia ter ido para qualquer rádio de grande dimensão, bastava ter optado por esse caminho – com todo o seu carisma a enfeitiçar convidados, músicos e público com a sua voz, simpatia e palavra certa no momento que a estava a pedir.
Ouvi e vi o Pedro Ramos acordar uma região, ainda antes do programa grande da manhã, com sensibilidade, sendo popular no sentido de levar as pessoas a participar, dando-lhes por exemplo possibilidade de terem via rádio aulas de ginástica com o Dinis Silva numa inovação sem precedentes, mas não cedendo ao popularucho, porque a música portuguesa pode ser popular sem cair no Kitsch ou na brejeirice. Foi com gosto que o substitui duas semanas num dezembro frio em que os ouvintes apareciam com bolos, farturas e rabanadas, tal era o vínculo que o Pedro e pelos vistos eu estabelecíamos com os ouvintes. Também o Pedro se não tem seguido a música teria espaço na rádio abrangente. O filão de Santiago era quase inesgotável para o éter, parece o filão de guitarristas de São Francisco da Serra! Tudo de Santiago, para o mundo, porque isto de se ser de Santiago tem sempre o rótulo e o proveito de ser tudo em grande! Assim haja substância para lá da fachada.
Sempre fui contra o popularucho e não o popular. Mas mesmo essa tendência de certos momentos e conjunturas da estação teve o seu mérito. A companhia e a alegria. Reconheço essa importância dos programas de discos pedidos e dos matinais do Aníbal Silva, impregnados de música ligeiríssima e magarefe, da poesia de fundo de catálogo de algumas emissões, mas, ao mesmo tempo, da vontade de participar e de não negar a ninguém a rádio.
Assim, tanto podíamos escutar uma entrevista exclusiva da Miróbriga a Laura Pausini ou Zélia Duncan, aos UHF, ou ao Trio Odemira, como o Ti Zéi a dizer uma chalaças e umas quadras nos intervalos do toque da gaita de beiços, antes de ir preparar a açorda de tomate com figos ou de alho com petingas fritas. A universalidade passou por ali. Fazia-se por isso.
Até pelo que não fizemos, foi acontecendo, desde as miúdas primeiro do liceu e depois da faculdade a suspirar com o mistério das vozes e dos programas de música mais romântica ou das chamadas baladas badaladas. Ainda que no campo do platonismo, o ego também viveu.
As próprias editoras a operar a Portugal na década de 90, Sony, Polygram – futura Universal – Movieplay, Emi, BMG e Warner Music Portugal, começaram a aperceber-se de que existia uma rádio na costa alentejana que trabalhava como as do estrangeiro, diziam eles. Tomámos como elogio. Fomos aparecendo, eu e mais tarde o Paulo Ferreira com insistência, ao fim de algum tempo estávamos a fazer passatempos conjuntos, a colaborar em eventos em Lisboa e a fazer especiais em concertos. Van Halen na então Gartejo foi um dos exemplos, Luís (do Ó) e eu em Lisboa, Susano em Santiago. Inesquecíveis os pequenos almoços na Warner no Restelo, a analisar canções, lançamentos e a escutar os nossos spots de contrapartida aos passatempos e ao material de promoção.
Quem fez rádio nas locais ou mesmo nas nacionais viveu estas coisas e outras e sabe que quando se fala de magia da rádio, ela existe mesmo. A prova é que nós fomos enfeitiçados. Quanto ao bichinho da rádio, não gosto mesmo da expressão e lembra-me o bichinho da madeira a corroer a mesa do estúdio. E a existir, fomos também contaminados, disso não restam dúvidas e de que é contagioso também não, pegámos a outros.
Lembro-me de chegarem ao mítico apartado 124 de Santiago, discos encomendados por nós a Lisboa ou Londres, como dizíamos na altura. De trazer cds single de Paris, onde fui em viagens do Liceu, por duas vezes. Depois íamos ouvir os discos para uma casa que o João Borges tinha naquela rua íngreme da Cooperativa de Consumo, a mesma rua a pique onde muitas vezes passei a pé quando não tinha boleia para a rádio lá no alto do centro histórico, de mochila às costas, cheia de cadernos onde preparava as emissões, discos que comprava em Lisboa ou encomendava ou me emprestavam. Ah, e as cassetes que gravava a partir da estereofonia da MTV Europe, dos seus programas top ou continuidade, no luxo que era na altura ter receção satélite em casa, nesses idos de início de noventa.
Como se pode acabar com tudo isto e com o que ainda está para vir?
Voltando ao umbigo, gostei de todos os espaços do "Atlântico" que os brilhantes de que nos rodeamos fizeram. Talvez tenham, pelo seu arrojo e por estarem à frente no seu tempo, ficado mais para a história ou ainda vão ficar as crónicas "Fenómenos para (a)normais" da notável inteligência e humor corrosivo e subtil do Ricardo Rosa, o "Investigando" na continuidade da crítica social sob forma de teatro radiofónico com a personagem única e irrepetível do Inspetor Vale Rainha e o seu Sherlocão, que fazia investigações manhosas na venda (tasca) do Chinfrínio de roda de umas "mines" e sempre fugindo à sua Estrudes que lhe dava rédea curta. A Música é Outra tem sido uma aventura que o Pedro e o Fernando têm tido a ousadia de ter, servir a música mais diversa a uma audiência eventualmente mais habituada às canções orelhudas e comerciais de toda a espécie, explicando os sons na linguagem de todos. Isso não tem preço. Tal como não tem o Tiago, ainda que a milhares de quilómetros continuar a ler e estudar livros e palavras dos sons especialmente para a Miróbriga. E a disponibilidade dos que estiveram sempre e são a base ainda hoje, onde estão o multifacetado Orlando, o Cláudio e o Luís (Silva do Ó) que seja em que dia for ou hora arranja forma de fazer emissões sobre todos os assuntos em que nos possamos movimentar, num nível sempre galático.
Tive das maiores alegrias com a Miróbriga. Não me posso esquecer da crítica e força que o jornal Sete, de muita saudade, nos deu, ajudando a divulgar e chegar mais além, como naquela ocasião em que nos ajudou a lançar uma rede nacional e internacional de correspondentes, que acabou por ser formada por jovens de todo o país, incluindo Madeira, Açores e, na altura, Macau. Hoje, alguns deles ocupam cargos pelo seu mérito nas mais altas esferas como seja o caso do Parlamento Europeu, televisões e órgãos de comunicação aqui ou no estrangeiro. Sou muito agradecido de terem sabido interpretar o conceito de rádio e o terem integrado ajudando muito a que se tornasse melhor. Quando o Atlântico fez vinte anos na Miróbriga dos que se conseguiram contatar, voltaram todos, mesmo por um dia. E que sensação! Parecida em certa medida com a que tinha quando saía à noite da Rua Morais Soares em Lisboa, para escutar no carro alguma emissão dos 102.7 no rádio do carro, estacionado no Cais do Sodré ou perto do ISEL – locais da capital onde melhor se escutava a Miróbriga.
Fizemos coisas de que muito nos orgulhamos e de que temos saudades, emissões de ficarmos horas e dias fora de casa. De ficarmos brancos, como ficou o Sérgio Valadares daquela vez em que na emissão direta do "Silêncio Quebrado" e numa trovoada que estava mesmo por cima do castelo, um raio cai mesmo na torre dos estúdios e de link ao emissor, na Condes D’Avillez. A mesa de mistura começa a deitar fumo branco, no que parecia ser a extensão da sua face gélida, Valadares levanta-se devagar e diz "íamos ficando aqui".
Recordo um dos pontos altos, em que milhares assistiram em Santiago aos "Melhores de 94" com as maiores figuras das artes e dos saberes nacionais e músicos que vieram reconhecer com a sua presença o que era a Miróbriga nas suas carreiras e na região. Nunca vou esquecer o brilho no olhar das pessoas nesses dias e em muitos dos que se seguiram, por conta do evento.
A equipa atual, apesar da minha distância em relação a alguns tempos atrás não permitir um conhecimento tão aprofundado, vejo que tem valor e tem feito autênticos milagres.
Acredito que os computadores e as novas tecnologias não devem ser uma capa, um refúgio para a rádio e para as rádios. Usemo-las antes como uma ajuda para melhorar o que tão bem se fez antes com a cabeça, voz e mãos.
Por respeito a todos, podemos fazer mais e temos que fazer mais. Só quem fez a rádio ou a escutou pode perceber e recordar inteiramente isto por ser do seu imaginário, por o ter vivido, mas todos o podem compreender. E não compreender, a existir uma venda definitiva da rádio.
A minha perceção da rádio, já no tempo da pirataria e ainda mais depois nas primeiras emissões legais em 89/90 dava conta de existir uma série de gente muito capaz e momentos e pessoas que roçavam o brilhantismo das produções que já aí, com meios reduzidos, levavam à antena. Admirei desde logo o trabalho do Luís Silva do Ó sobre a então chamada Música Moderna Portuguesa, levando os artistas de renome a Santiago, indo buscar informação pela persistência e conhecimento onde os outros nem sonhavam. Os contatos que o Sérgio Valadares convencia a colaborar com a Miróbriga, da rua até Londres para o seu programa da tarde "Tan Tan Clube". E a dinâmica do Sérgio, mais tarde como coordenador da estação, já depois de Campeonatos Nacionais de DJ’s e outras façanhas. A Rádio Escola feita num estúdio roulotte, que barraca não houve nenhuma digna de registo. Os alunos e professores a interagirem com um meio de Comunicação Social, como nunca antes tinha sido conseguido naquelas paragens. Recordo para sempre aquele quadro, do ano em que a "Olá" patrocinou o programa e forneceu imensos gelados. No liceu de Santo André alguns alunos quiseram tomar de assalto a roullote onde estavam os gelados e sai de lá o Susano a ganguear e dançar no ritmo do abanar do estúdio móvel. O Marco Vale Rainha vem a correr e qual Inspetor Vale Rainha do "Investigando", diz "Atão, isto é para escavacar já hoje ou o quein?" lá conseguindo acalmar os ânimos. Ainda nesta área das instalações móveis, uma vez, já mais recentemente, fomos gravar um "Atlântico" na feira de Outubro, em Alcácer do Sal. O Cláudio Catarino – colaborador de disponibilidade única e grande espetro, que fez desde informação até crítica musical ou parceria de apresentação – pergunta ao senhor das farturas "Então gosta desta vida de andar de terra em terra com a sua barraca das farturas?", ao que o senhor responde "Barraca está o senhor a dar que isto não é nenhuma barraca, é uma roulotte!". Entre desculpas e risos lá se fez mais uma emissão.
A transmissão e a realização de todos os programas a partir do estúdio móvel – aí já uma carrinha Ford Transit – de muitos lados e nomeadamente do primeiro Festival Sudoeste em 97, são exemplos de como a rádio se agigantava entre si, para fora e fazia com que todos procurassem ajuda fora, quando não havia dentro, e sem complexos. Foi assim quando o Nuno Miguel de boa memória fez uma série de imagens sonoras para a rádio, fazendo com que também aí a Miróbriga estivesse na crista da onda. As vozes de estação – das minhas preferidas - e programas que muito mais por carinho que por lucro foram e são a nossa identidade. Zé Coimbra, Mariana Marques Vidal, Paulo Rocha, Augusto Fernandes, entre outros. Sempre a título gratuito ou em grandes produções a preços tão simbólicos que não lhes podemos deixar de dar o título de não onerosos. O carinho pela Miróbriga chegou a ser e acredito que se mantenha, nacional. Uma vez, nuns inquéritos feitos à pressão no "Rádio Escola" constatámos as audiências e os graus de lealdade à escuta, ficámos inchados e com vontade de fazer ainda mais.
Também os músicos das grandes bandas nacionais e artistas a solo fizeram a rádio. Apareceram e foram dos nossos. A entrega foi mútua. Só com carinho, admiração e alguma equidade se mantém uma relação. E esta dura há décadas.
Muitas crianças se tornaram adolescentes a escutar o "Chapéu Mágico" da Ondina Bordalo. Esperando ansiosamente pelo domingo e sorrindo de tanta magia. E as tardes desportivas "Desportivamente" com uma equipa do tamanho do mundo e em todo o lado, apresentado durante muito tempo pelo inconfundível Torres Martins e com "o comentador desportivo que o alentejo inteiro consagrou – Jacinto do Ó".
Chamávamos com amor Antena Minhoca à Miróbriga, entre nós, porque para fora era sempre a melhor rádio do mundo, a nossa e a vossa.
A rádio sempre foi transversal, teve a mesma atenção de quem a fez desde quando me cruzava com a Lurdes Silva ou a Sandra Murilhas à tarde ou de manhã, sempre com os programas preparados e o gosto por comunicar. Ia para lá do tempo das emissões. Encontramo-nos fora de horas nas instalações para jogar trivial e outros com a Tita, o Luís Miguel, o João, a Donabela, a Sandra Silva , a Teresa Chaves. Todos profissionais e companheiros de primeira.
Nestas décadas relevei alguns boicotes da rádio a mim e a colegas em claro prejuízo da própria estação, tais como decisões e punições exageradas no tempo, recolha de material só para não ser utilizado ou até, imagine-se, deixar emitir a rádio em mono durante algum tempo por puro desleixo. Já passou tudo, falou-se só para que não se repita e para que outros, a viverem situações similares, as corrijam. Agora faz tudo parte da história e tem a sua graça, demonstrando que muitas vezes são os agentes a tentar melhorar uma instituição contra a vontade ou apreensão, pelo menos, de quem num momento concreto está à sua frente, ou, eventualmente mais grave, de colegas.
Mas as memórias à séria são as boas, onde ainda têm assento todas as emissões que agigantaram o sul do país pelo seu éter, com largueza de horizontes.
Não se podem implodir os "Cinema Paraíso" do nosso imaginário de ânimo leve. Faz parte da nossa ação não deixar que aconteça.
Por isso apelo à direção da cooperativa e a todos os cooperantes, para que, em consciência, não alienem definitivamente um bem que se tornou de todos, hipotecando o futuro da existência de um dos meios mais nobres e privilegiados de comunicação num concelho e numa região, arranjando antes soluções alternativas, tais como (no limite) o aluguer da frequência temporariamente apenas pelo período de pagamento de créditos e demais dívidas e responsabilidades ou, preferencialmente, a venda a pessoas, população e instituições – dentro do legalmente permitido e moralmente aceitável – da terra que garantam a continuação do serviço da rádio dirigida onde pertence, a Santiago e à região do Alentejo litoral e do sul do país.
O nosso mundo era e é (ainda) aquele. Por gostarmos dele, sempre tentámos fazê-lo o melhor possível, com as razões do coração. Os dias da rádio continuam no futuro, basta querermos.
 

Com amizade,
Bruno Gonçalves Pereira, setembro de 2012.



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