domingo, 29 de junho de 2014

Quod Erat Demonstrandum

















O ano ainda só vai a meio e já há menos rádios que no início

Todos os anos encerram rádios em Portugal.
A notícia não é de todo uma novidade, mas nos últimos anos o número tem vindo a aumentar.
Desde o ano 2010 até agora encerraram cerca de seis dezenas. É uma quantidade altamente preocupante.
Lembremo-nos do que era o universo radiofónico que se abria com o surgimento das rádios locais nos tempos da pirataria e dos tempos após a legalização em 1989.
Muito mudou nos últimos 25 anos. Já se viu de tudo um pouco. Bons projectos definitivamente extintos aquando do silenciamento decretado pelo então Governo português no dia 24 de Dezembro de 1988, bons projectos legalizados que vingaram e outros que não vingaram, até à redução e extinção em massa que temos vindo a assistir.
De todos os órgãos de comunicação social em Portugal, a Rádio é o sector que tem conhecido maior volatilidade. Mais até que a imprensa escrita.
Fica no entanto por demonstrar que número exacto de estações de Rádio foram criadas, extintas, transformadas, vendidas, fundidas e alteradas desde a Lei da Rádio de Março de 1989.
Para além da crescente extinção de empresas de radiodifusão em Portugal, há outro acontecimento que afecta em muito o panorama da rádio nacional. O da redução de meios técnicos e humanos. Muita da nova tecnologia tem sido utilizada, não para a melhoria dos conteúdos e incremento qualitativo do produto final, mas mais para se eliminarem postos de trabalho, em detrimento de produtos pré-gravados, “enlatados”, ou de transmissão em automação.
Sabemos todos que a pretexto da crise têm-se cometido os mais grosseiros abusos éticos, até há pouco tempo impensáveis, alguns até à margem da Lei. Mas o pior exemplo surge quase sempre de onde menos se espera.

"Boa noite! Eu sou o José Manuel Rosendo, jornalista." 
Foram com estas palavras que o editor da noite na Antena1 – principal canal da Rádio Pública nacional – iniciou o noticiário da uma hora da manhã na madrugada de 12 de Maio deste ano. A partir desse dia o período da madrugada ficou à mercê de programação automatizada (com falhas técnicas).
Até então as emissões eram asseguradas pelos animadores António Rolão e Gil Veloso. Desconheço o que os levou a saírem de antena. Se foi por vontade própria, ao abrigo do processo de rescisões amigáveis que o grupo RTP tem há meses em curso, se anteciparam ou entraram na reforma, se foram deslocados para outro horário ou outro canal público de Rádio, etc. O que é certo é que saíram do período em que estiveram durante muitos anos na madrugada da Antena1. Saíram e não foram substituídos por ninguém. E este é que é o cerne da questão. Certamente que não faltariam funcionários da casa que poderiam ocupar o horário deixado vago e agora preenchido por um computador em automação.
Actualmente aparece uma voz pré-gravada a dizer as horas e o nome do noticiarista, que está limitado a um tempo cronometrado ao segundo, para que não comprometa os timings de todo o pacote embrulhado para essas horas, com a agravante de se encontrar impossibilitado de ter intervenções em directo do exterior em caso de necessidade. Isto não é Rádio. Muito menos Serviço Público.
Nada pode substituir a acção humana na comunicação. Agora não há nenhum animador nas madrugadas a apresentar em directo a emissão da Antena1 e a geri-la, mesmo que seja – e é – maioritariamente constituída por conteúdos previamente gravados. Já não existe uma voz nessas horas da Rádio Pública a dizer-nos a meteorologia que vamos ter para esse dia, a informar-nos das temperaturas actuais ou a dar-nos informação de trânsito de carácter excepcional. Se o argumento oficial for a poupança de custos no orçamento, o mesmo não colhe de todo. Isto não é poupar. Isto é estragar.
Existe, neste contexto, uma verdade insofismável: contrariamente a uma ideia feita e falaciosa, há muita gente a ouvir Rádio de noite e, na maior parte dos casos, ter uma voz em directo faz toda a diferença na escolha.
Nos dias que correm, a TSF é a única estação de dimensão nacional a cumprir – e bem! – este desígnio de serviço público de Rádio em directo 24 horas por dia.



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