quinta-feira, 28 de maio de 2020

Não, não vai ficar tudo bem

















Fotografia de António Cotrim/Lusa 

A actual pandemia mundial veio acentuar tudo o que de mal já havia 
Antes da Covid-19 os meios de Comunicação Social em Portugal já viviam numa situação delicada, com uma progressiva perda de receitas publicitárias, consequente perda de postos de trabalho, que por sua vez provocou uma notória diminuição de qualidade e quantidade de produção. Mas não só por essas razões. Há que juntar exercícios de má gestão, decisões irresponsáveis, apostas erradas, erros crassos próprios da escola primária da Rádio, experimentalismo bacoco, desrespeito por regras estruturais incontornáveis, atitudes perigosas, investimentos duvidosos e muita incompetência.
No mundo da Rádio, para além da enorme perda de qualidade nos últimos quinze anos, também se tem assistido a uma grande quebra de variedade, riqueza de conteúdos, profundidade e interesse.
A difícil sustentabilidade das empresas detentoras de estações de Rádio colocou a continuidade dos projectos na linha da extinção. Este ano, que antes da pandemia já tinha dado a conhecer o encerramento súbito da Rádio Sim, do grupo Renascença e da extinção da Rádio Estádio (que nem um ano durou!), arrisca-se a terminar ainda com mais e surpreendentes encerramentos.
A incerteza domina a actualidade dos dias de agora, em que já se ultrapassou o anteriormente chamado "novo normal". Agora é "o novo anormal" que guia os destinos diários dos media portugueses.
É sob este cenário telúrico que não se pode dizer que "vai ficar tudo bem", porque não vai.
A mensagem de esperança espalhada pelas varandas e janelas das habitações em confinamento, visíveis em bandeiras, cartazes, panos, toalhas e lençóis não passa da mera expressão de um desejo urgente.
Como sempre acontece, a realidade impõe-se e o actual ano 2020, que vimos começar de uma certa maneira, vai terminar de uma maneira muito incerta.
Não se pode dizer que "vai ficar tudo bem" com a execução de planos de contingência vigentes na Rádio a fazerem diminuir a quantidade da programação, danificando a qualidade do produto final, com recurso a teletrabalho, sofrível em termos de som deficitário e outras dificuldades técnicas de indisfarçáveis danos estéticos.
Não se pode dizer que "vai ficar tudo bem" com numerosos profissionais em regime de Layoff por tempo indeterminado, com perda significativa do seu ganha pão, a desvalorização do trabalho, numa espécie de purgatório para o Inferno. Para além da desmotivação provocada, com tudo o que isso implica, para alguns profissionais da imprensa escrita, Rádio e Televisão, o actual purgatório no qual estão confinados é a antecâmara do desemprego.
Não se pode dizer que "vai ficar tudo bem" quando o Estado dá uma curta ajuda temporária e não se vê no horizonte mais próximo quem possa ajudar depois dele. Quem precisa de ajuda precisa sempre, mas quem ajuda nem sempre pode ajudar. Havendo mecenas ou criação de fundações, imperará sempre a velha máxima de "quem paga manda" e lá se vai a independência.
A Rádio que chegou a 2020 vinha já de fortes embates no passado recente. Ainda não totalmente recuperada da anterior crise, que muito a danificou, sofre agora novo e forte embate de consequências imprevisíveis. O vírus passa, mas a crise fica. E uma crise em Portugal dura, no mínimo, uma década.

Cristóvam - "Andrá Tutto Bene" 




As consequências do tempo de confinamento e isolamento social atingiram quase todos os sectores da sociedade. Quem estava mal, ficou pior. Quem estava muito mal, ficou muitíssimo mal. Claro que na desgraça há sempre quem se aproveite, quem tire partido, quem possa beneficiar e ganhe com isso e ainda fique melhor do que já estava. Para esses, a pandemia foi o Jackpot caído do céu.
O sector das Artes e da Cultura está a ser duramente atingido. Sem actividade, caiu num poço sem fundo do qual dificilmente sairá nos próximos tempos. Para muitos projectos, artistas e agentes culturais, é o fim da linha.
Na Música, a partir de casa, foram-se desenvolvendo iniciativas que não resolvem nada. Apenas serviu para chamar a atenção da gravidade do problema e entreter um bocadinho.
Alguns músicos nacionais têm feito o que podem e alguns criaram temas novos, como Cristóvam, no tal grito de esperança de que "vai ficar tudo bem" e a dupla André Tentúgal e Eurico Amorim, utilizando um sampler de um clássico do mesmo nome, "Changes", de David Bowie, pendendo mais para as mudanças que estamos a viver e para as quais teremos quase todos que nos virar já ali, ao virar da esquina.

André Tentúgal & Eurico Amorim - "Changes" 



Change is a virtue, my friend. If you wanna escape, all you have to do is wake up your mind. 
Bob Neuwirth

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