terça-feira, 29 de dezembro de 2020

Carta para ti

Vigésimo álbum de Bruce Springsteen e o primeiro com a mítica E Street Band desde 2014. Inclui três temas inéditos da década de setenta, somados a mais nove, todos gravados no estúdio caseiro do 'Boss', em Novembro de 2019. Esteve semanas consecutivas no topo de vendas em numerosos países, incluindo Portugal 

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Parecia que nada ia acabar. Que a Rádio iria ter sempre ali do outro lado aquelas vozes, aqueles programas, aquelas selecções musicais, aquela linguagem cuidada e moderna. Parecia que tudo tinha vindo para ficar. O sinal horário à hora certa, as notícias e, de manhã, também às meias horas. A publicidade engraçada e séria, a boa companhia de noite e de dia, segura, firme, confiável, certa. A alegria contagiante dos relatos de Futebol, os Jogos Olímpicos, os campeonatos da Europa e Mundiais de Hóquei em Patins. A narração em directo das vitórias nacionais e internacionais do Atletismo. As reportagens na rua, na praça pública, na praia ou no campo. As confissões nocturnas ao telefone, a luz brilhante da manhã, a dolência da tarde, o ritmo ao final do dia. As transmissões a partir de teatros e de estádios a abarrotar de público de carne e osso, de ouvintes devotos. A hora dos discos pedidos a seguir ao jantar e o calor da noite. 
Depois veio um vento a mudar o Norte, as sucessivas rajadas aparecidas de todas as direcções. As súbitas mudanças de quadrante, a trajectória rumo à deriva, a negligência, o desprezo e o abandono. 
Foi num dos muitos momentos vividos, muito antes da linha limite, que o ouvi pela primeira vez na Rádio. Terá sido António Sérgio? Luís Filipe Barros? Numa noite já no final da década de 70 e um tema de «Darkness of The Edge of Town». Na solidão do quarto escuro teria sido "Something In The Night", "Candy's Room", "Prove It All Night" ou "Racing In The Street". A seguir, nos anos imediatamente seguintes, "Ungry Heart", Two Hearts", "Drive All Night", "Out In The Street", "Independence Day". Um ou outro ano de silêncio, até chegar "Atlantic City", "Open All Night", "Reason To Believe", até à grande explosão de "Dancing In The Dark", "Glory Days", "Cover Me", "No Surrender", "Downbound Train", "My Hometown". 
Parecia que nada ia acabar, mas acabou. Durante o Verão, que é sempre um estado interino, a gigantesca retrospectiva nos palcos, dos aplausos, dos gritos e das lágrimas. "Point Blank", "The River", "Fade Away". Uma nova geração rompia com toda a força. "Brilliant Disguise" e "Tougher Than The Rest". Entrava em cena uma outra linguagem, um atrevimento e ousadia nunca antes escutados. Nova postura, gravata de fora, com uma atitude mais informal, mais irreverente. Era a vez da pluralidade, da pós-modernidade. Parecia que tudo era possível de se fazer e fez-se. Uma nova geração que chegou, viu e venceu, mas depois esmoreceu, vencida pelo cansaço, mas sobretudo pela desilusão. Parecia que nada ia acabar, mas acabou. Por fim, veio uma outra rajada, trazendo uma outra lógica. A dos grandes grupos. Empresas conglomeradas de fusão de órgãos, de convergência tecnológica, de apagamento da memória do passado que, a pretexto de um incerto futuro, estilhaça o presente. O tempo de "My City in Ruins", "Working on a Dream" ou, mais recentemente, "Save My Love" e "There Goes My Miracle". 
Virá uma ou outra nova rajada, um ou outro vento já não tão inesperado quanto isso, mas virá. De que lado e para que lado soprará é que não se sabe. Parece que nada vai acabar, mas acaba. "One Minute You're Are Here", "Last Man Standing", "Song For Orphans", "I'll See You In My Dreams". 



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