quinta-feira, 31 de dezembro de 2020
Um inesquecível ano para esquecer
Ainda antes da pandemia o ano já tinha começado mal para a Rádio em Portugal. Logo ao terceiro dia de 2020 é anunciado o súbito encerramento da Rádio SIM, a estação do Grupo Renascença dirigida ao público sénior, órfão da mudança estética entretanto operada no antigo Canal 1 da Emissora Católica Portuguesa. Muita falta fez nos períodos de quarentena, confinamento e isolamento dos mais idosos, privados da companhia a que estavam habituados ao longo de onze anos, através da única estação de Rádio portuguesa a eles dirigida. A maior inoportunidade de sempre do Grupo Renascença.
Com menos de um ano de emissões, encerrou a Rádio Estádio. Um projecto do qual se falava há muito tempo. Prometia muito, mas depressa revelou-se um falhanço. Mais uma Rádio fechada para a colecção, com mais despedimentos.
2020 foi o primeiro ano completo da Rádio Observador, inaugurada em meados do ano passado. Tem um pé no profissionalismo, outro no amadorismo. A ponte entre um e outro patamar faz-se com uma programação estimulante. Dir-se-á que é um jornal electrónico com uma Rádio local, ou uma Rádio local de um jornal diário electrónico, emitindo através de emissores na vila do Seixal, para a grande Lisboa, e em Vila do Conde para o grande Porto. A emissão é feita a partir de estúdios em Lisboa. Também se pode dizer que a Rádio Observador tem a seu desfavor uma assumida orientação ideológica, coisa que não é tradicional nos órgãos de comunicação social em Portugal. Mas o que não se pode fazer é ignorá-la. A Rádio Observador tem bons programas, interessantes e deve-se ouvir com atenção. A Rádio Observador é a estação de Rádio portuguesa que mais investiu em 2020. Está na fase de crescimento e expansão.
No primeiro trimestre deste ano a RADAR sofreu uma profunda descalcificação, com a saída
de quase todos os seus profissionais, que já eram poucos. Após um período inócuo, constituiu
uma nova equipa no Verão, embora mais reduzida que anteriormente. A entrada de
novos elementos em antena restabeleceu o equilíbrio na emissão de continuidade
de 2ª a 6ª feira. As novas vozes jovens, com tudo a provar daqui para a frente, têm futuro. No período de desinvestimento em que a RADAR
caiu no vazio, entregou de bandeja a programação alternativa à concorrente
SBSR. Inaugurada há quatro anos, a SBSR ultrapassou a RADAR no conceito de
Rádio Alternativa. A outrora tão estimulante e sedutora estação alternativa de
Lisboa, cheia de carisma, foi nitidamente ultrapassada nesse nicho de mercado
pela SBSR, que por sua vez apresenta uma emissão bastante sustentada com
animação presencial entre as sete da manhã e as dez da noite, para além de uma
grelha recheada de muitos e bons programas de autor. Em rigor, a desestruturação da RADAR começou precisamente há pouco mais de quatro anos, quando se deu a cisão entre os proprietários, tendo um deles transformado a defunta Rádio Nostalgia na SBSR. Para ela transitaram, da RADAR, profissionais e programas.
A pandemia, cujas costas largas tem servido de desculpa para tudo e mais alguma coisa, atingiu a Rádio não só na programação, mas também no seu funcionamento interno e externo. Naturalmente, as transmissões de Futebol e outras pararam. As reportagens no exterior diminuíram imenso. Optou-se por desfasamentos de horários, transmissões em directo por telechamada, intervenções por meios electrónicos como o Skype, Zoom e redes sociais, com muitas falhas sonoras, baixa qualidade, quebras sucessivas no som e outras deficiências que danificaram – e danificam – o produto final, muitas vezes inaudível, incompreensível, com a inevitável perda da mensagem. Ao ouvinte tem sido exigido muito esforço para conseguir obter uma escuta adequada.
Também se optou por alterações às grelhas de programação, com a repetição de emissões anteriormente transmitidas. Um mal menor. Houve muitas repetições, mas também surgiram programas novos dedicados ao tema da doença Covid-19, alguns deles muito bem conseguidos. Era, e é, o tema do momento.
Mas o pior foram os cortes orçamentais das empresas de radiodifusão, os contratos não renovados, os profissionais despedidos, dispensados ou que saíram por mútuo acordo. O recurso ao Lay-off simplificado e complicado, o aumento da precaridade, o aprofundar das más condições de trabalho, o uso e abuso do trabalho sem direitos nem regalias de espécie alguma, os constantes atropelos ao Código do Trabalho, a eternização dos subsalários, os famigerados e malfadados recibos verdes, os salários em atraso, pagamentos sine die e às prestações inconstantes.
A coberto da pandemia, assistiu-se ao crescimento dos espaços vazios em antena, à eliminação de programas, à extinção de conteúdos e ao fim da carreira de profissionais da Rádio. Muitos deles, prematuramente.
O declínio anterior à pandemia acentuou-se ainda mais no ano que agora termina e a única coisa que se promete para o ano que começa é que esse declínio vai continuar. 2021 será o ano da continuação das consequências da pandemia que, como se sabe, encontra-se ainda longe de estar debelada. Dizem que vem aí uma "b(r)azuca europeia". Se chegar mesmo a atingir os seu fins, será sempre depois de mais despedimentos, mais cortes orçamentais, mais extinções de postos de trabalho, mais falências, mais insolvências. Tarde demais para muitas pessoas que quiseram fazer da Rádio a sua Vida.