quarta-feira, 22 de janeiro de 2025
O que as redes sociais nos fazem (I)
Fotografia de Jorge Carmona
A Rádio leva mais longe os encontros à volta dos livros, autores e leitores, através do mais belo e interessante programa diário da actual Rádio pública
Importante extracto da entrevista do radialista Luís Caetano à escritora neozelandesa Eleanor Catton, a mais jovem vencedora do Booker Prize, autora de «A Floresta de Birnam», o seu mais recente livro. A conversa teve lugar no Festival Internacional Literário Fólio, em Óbidos, cuja edição em Outubro de 2024 foi subordinada ao tema "A Inquietude".
"O que mais me inquieta é a nossa relação com as redes sociais. O tipo de interações que temos online, que fragiliza as nossas espectativas no relacionamento com os outros. Estamos a perder o sentido da espessura, riqueza e a complexidade do que é interagir com o outro na vida real.
Estamos a perder humanidade. A forma como vivemos o tempo online é tão estranha... uma espécie de existência em forma de tweet, os posts a passarem diante dos olhos, todo o ambiente viciante e tudo tão permanente. Podemos ir recuando a ler tudo o que se postou e tweetou interminavelmente e assim ficará até que alguém o apague. É um ambiente corrosivo, perigoso e larvar para a Humanidade. Esquecemo-nos do que é existir no tempo real. As nossas memórias formam-se a partir do que se escreveu na Internet e dos comportamentos ali assumidos. Há toda uma decadência também na memória que deixamos.
Já não estou nas redes sociais, deixei-as há oito anos. Fiquei muito mais feliz e foi uma felicidade instantânea. Foi inacreditável, na realidade. Percebi quanto me estavam a mudar o pensamento em relação a quase tudo. Já olhava superficialmente para os livros na livraria. Observava as capas e pensava se valeria a pena escrever um tweet sobre elas. E que imagem deixaria se publicasse um post sobre a leitura de determinado livro, se causaria boa impressão. Uma loucura, porque nem sequer tinha tido a experiência de o ler mas já estava a raciocinar sobre como poderia reverter esse gesto a meu favor, expondo-o publicamente. Estava a detestar tudo isso. Estou preocupada sobre os efeitos que isso terá na nossa imaginação e na capacidade de vermos o melhor nos outros.
Não acredito nisso de todo, que as redes sociais tragam uma nova forma de liberdade e Democracia em acção. Não acho que haja nada de democrático nas redes sociais. É um espaço concebido para o lucro total, para tornar as pessoas um bem lucrativo.
A maneira como os algoritmos colocam algumas coisas diante dos nossos olhos e escondem outras é algo totalmente fora do nosso controlo. Todo o uso que damos aos nossos aparelhos está a ser monitorizado e é vendido em pacote aos anunciantes e outras empresas, tornando cada vez mais rico um grupo inacreditavelmente restrito de pessoas que têm agora mais poder do que alguma vez foi imaginado, do que alguma vez alguém teve na história do mundo. Não compro essa ideia de que as redes sociais são uma versão moderna da praça pública. É acima de tudo um mercado e o que perdemos é, pelo menos, equivalente ao que elas nos podem dar."
16:00/18:00
28.Dezembro.2024 (2ª hora)
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