sexta-feira, 21 de setembro de 2007

Coisas do Verão 2007 (14)













Outras (mais) memórias do verão de há 20 anos

Junho de 1987: o meu primeiro contacto directo com a Rádio. Um pequeno estúdio ao cimo de uma escadaria de madeira e um teste de voz. A canção em português de Portugal que mais se ouvia naqueles dias era “40 Graus à Sombra” dos Radar Kadafi e a rádio sensação era o CMR – Correio da Manhã Rádio, então uma novidade fresca, ainda pirata e, em poucos meses, modular para todos os presentes. Comigo estavam pessoas que também viriam a ser profissionais de rádio. Ainda hoje andam por aí, espalhados pelo mercado nacional dos media. Outros seguiram outras profissões, muitos mudaram de vida, de ramo, de meio, de cidade e até de país.
Sem saudosismos. Foi o início material do que se seguiu até hoje. Antes, toda uma vida a ouvir do lado de fora. E continuo.

A última lua cheia deste verão de 2007 foi em Agosto. Lembro-me de nessa noite, à beira mar meridional, ter contemplado o seu eterno brilho nas águas quentes de um irreconhecível Allgarve e de voltar à canção sobre a lua que mais vezes passei na rádio: “Moon in June” de Robert Wyatt. Pude escolhe-la durante quase 14 anos sem restrições. Hoje só em casa. As razões para que isso esteja a acontecer são conhecidas de todos os que acompanham a vida das rádios em Portugal. É também por causa de muitas dessas razões que calaram a voz do lobo. Um lobo solitário que durante os últimos trinta anos cruzou os éteres como ninguém, por força e talento da sua invulgar voz – possante e marcante – pelas não concessões, pela opção de fugir sempre às regras do mercado fácil e outras tentações pouco saudáveis. O perigo de extinção desta espécie ou – como o próprio um dia disse: “O último dos Moicanos” – já tinha sido aqui denunciada há anos e agora, contra ventos e uivos, aconteceu.

Mais e melhor sobre o afastamento de António Sérgio da Rádio Comercial descrito por Miguel Esteves Cardos no jornal PÚBLICO na segunda-feira desta semana. Depois, depoimentos de figuras conhecidas e alguns ecos através da blogosfera.








A música de António Sérgio é a melhor
PÚBLICO 17.09.2007

Na madrugada deste último sábado António Sérgio conduziu a última emissão do programa Na Hora do Lobo na Rádio Comercial, que decidiu não o integrar na nova grelha da estação. Os admiradores assumidos só esperam que alguma rádio sortuda se apresse a pôr o lobo a uivar outra vez. E Miguel Esteves Cardoso deixa aqui tudo dito

António Sérgio nunca esteve bem em qualquer estação de rádio. Mesmo quando a rádio era rádio. Porque António Sérgio é uma estação de rádio andante e uma estação não cabe noutra estação. Para mais, é uma estação hostil às outras, contra as quais exerce uma guerrilha permanente. Mais do que meramente ingovernável - ou até uma oposição paciente - António Sérgio e a indissociável Ana Cristina Ferrão são um governo em exílio permanente. E com uma imperdoável agravante: é assim que gostam. E é nisso que insistem teimosamente. É lindo. Os espanhóis da Prisa fizeram bem em despedi-lo. Estando livres de gratidão, memória ou preocupações da representação da boa música em Portugal, tiveram a coragem que faltou aos antecessores portugueses, ainda demasiado constrangidos pelo reconhecimento e pelo medo da superioridade musical de António Sérgio. É importante frisar que não é de agora a tanga do mercado nem o fado do fim da rádio. António Sérgio só durou até 2007 porque se recusou a ir embora. Desde os anos 70 que agentes sorrateiros se agacham atrás dele, tentando puxar-lhe a cadeira, a ver se cai. Mas o homem sempre esteve ocupado de mais para reparar. Fincou os pés, sacou dos discos e fez o que sempre fez: o que lhe estava na real gana. De resto o desprezo pode ser a mais bela das distracções. Ajudou também o facto de António Sérgio ser o melhor divulgador de música popular do nosso tempo - John Peel era magnífico mas tinha lapsos de gosto. Muito se perdoa a quem escolhe música boa tão bem, durante tanto tempo, com tanta arte e tanta inteligência. A música de António Sérgio é a melhor e está tudo dito. Claro que é preciso gostar de boa música - e de querer descobrir boa música nova - para perceber a grandeza e a utilidade brutal de António Sérgio. A nostalgia é um argumento inimigo. Hoje há muito mais música boa e muito mais música nova do que nos anos 80 ou 60. Mas continua a ser 0,1% de toda a música que se faz. Essa proporção continua a mesma. O que mudou é a atitude geral da população. Dantes, a ignorância inibia e produzia falsos respeitos por quem se suspeitava "ter conhecimentos". Havia seguidismos acéfalos e dependências paralisantes, tudo exacerbado pelas dificuldades e desigualdades de acesso à música. Havia mestres: era inevitável. ("Mestres" no mau sentido, de professorzinhos de província.) Na rádio as directrizes dos mestres eram obviamente inseparáveis do acesso à música para que nos dirigiam. Não era bom - até porque os mestres eram mais do que muitos e geralmente pomposos e autoritários, para não falar nos vendidos. Mas é inegável que, entre os pouquíssimos capazes de descobrir e defender música boa, o maior era e é António Sérgio. Por definição é um anti-mestre, desinteressado do tráfego de influências e da concordância dos seguidores. Digo mal desse tempo - que era também o meu - para poder absolvê-lo do maior defeito dos tempos de hoje, apesar de serem musicalmente mais vastos e empolgantes: o relativismo ignorante. É ele que acaba por explicar a atmosfera que leva à lata de despedir António Sérgio. Segundo o relativismo ignorante, ninguém pode dizer se uma música é boa ou não. É tudo uma questão de gosto. Depende das circunstâncias. Depende da idade. Às vezes sabe bem uma coisa que, noutra altura, sabe mal. Cada um é como é e aquilo que agrada a um... perdoem-me se me fico por aqui no blá blá blá. Tem ou não tem graça como esta atitude coincide exactamente com a conveniência comercialista do cliente ter sempre razão; que os números não mentem; que os ouvintes é que sabem; que os anunciantes é que pagam e quem somos nós para dizer que não está bem assim? O pior é que esta humildade é uma subserviência e este deixar decidir, este respeito pelos gostos dos outros, é uma gulosa cobardia. Que vai acabar mal - porque quanto mais a rádio se recusa a ser minoritária mais as minorias vão fugir dela. O problema da massificação é que as massas não existem para depois virem agradecer o que se fez por elas. A apologia do tudo-vale confunde-se sempre com a santificação da ignorância e daí até dizer que António Sérgio sabe escolher música tão bem como eu vai um passinho. A verdade é que sabe muito mais. Escolhe muito melhor. Arrisca mais e engana-se menos. É simples: António Sérgio sabe mais de música popular - no sentido de saber escolhê-la, que é o único que interessa - do que qualquer outra pessoa. É por haver tanta música hoje - e tanto acesso - que a sabedoria selectiva de António Sérgio é mais valiosa e necessária do que nos tempos ditos áureos em que, verdade se diga, não era assim tão difícil separar o trigo do joio. A música de António Sérgio é como a boa música: não se deixa interromper. É ele que não deixa. O homem sabe o que vale e o que tem de fazer. É escusado atravessarem-se no caminho dele. O que menos interessa é a estação de rádio. A música de António Sérgio é a melhor e está tudo dito. Se calhar foi isso que custou à Rádio Comercial engolir. Não soube suportar o desprezo, talvez por saber que o merecia. Às vezes, quando existe uma pontinha de vergonha, é desagradável ter, mesmo ali ao lado, um exemplo tão claro de dignidade. De estatura. Desmotiva muito. Faz lembrar coisas que conviria esquecer, que atrapalham a marcha para a capitulação final. Vai ter sorte a estação de rádio onde voltará a tocar a música de António Sérgio. Mas que fique desde já avisada que escusa de tentar desviar a caminhada do bicho. Em vão agitará no corredor papéis com números de audiências ou os amoques de focus groups. É escusado implorar-lhe que oiça "sem preconceitos" os CD de merda que vos interessa impingir. Não vale a pena atirar-lhe com a história dos tempos terem mudado. Os tempos sim; a rádio outrossim; mas a urgência de descobrir e defender a música boa é a mesma de sempre. Ou maior ainda, dada a massificação da própria desistência de escolher e divulgar a música que vale a pena. E não há ninguém que saiba fazer isso melhor do que António Sérgio. Que não faz outra coisa desde que faz rádio. Que não fará outra, mesmo que tentem impedi-lo. Para nosso bem - e, sobretudo, para bem de quem ainda não se sabe quem. Ou então não - nem isso é preciso. A música de António Sérgio é a melhor e está tudo dito. Haja pressa em poder ouvi-la e saber dela outra vez.


Depoimentos
PÚBLICO 17.09.2007

Danças com Lobos
Das Danças - Em 1979, com a Rádio Comercial no seu início, lançámos o conceito de grelha de programas. Pela primeira vez uma estação organizava a sua programação com objectivos definidos, alvos identificados e criadores em antena. A Onda Média diferente do FM, com grupos etários, sociais e culturais diversos, tentando, na mesma emissora, a convivência entre contrários. Um espelho da própria sociedade. Um reflexo devolvido de uma forma pensada, dirigido à emoção e à razão. Fazendo, finalmente, parte da vida das pessoas. Nesse espaço fizeram-se em OM novos programas de culto: Grafonola Ideal e Febre de Sábado de Manhã do Júlio Isidro, mas mantiveram-se marcas como os Parodiantes de Lisboa, ou Quando o Telefone Toca. Em FM o Rock em Stock do Luís Filipe Barros, o Café Concerto da Maria José Mauperrin, o Morisson Hotel do Rui Morisson foram também novos programas de culto, mas mantivémos a marca do Em Órbita do Jorge Gil. Muitos outros tiveram sucesso : Pão com Manteiga do Carlos Cruz, Flor do Éter e Rebéubéu Pardais ao Ninho do Herman José, Country Music do Jaime Fernandes, Os Cantores do Rádio do José Nuno Martins e, já agora, os que fiz com Maria Elisa Fogo Cruzado, com Miguel Esteves Cardoso Trópico de Dança, ainda com o MEC e com David Ferreira e Margarida M. de Mello Escola do Paraíso, ou as Marcas de um Século com o João Alfacinha da Silva, para dar alguns exemplos. Mas de todos, em termos de verdadeiro culto, nenhum superou as emissões/emoções do António Sérgio: Som da Frente, Lança-Chamas, Rolls Rock. Cumpre reconhecer, no entanto, que hoje, passados mais de 20 anos, nas danças e andanças de programas, uma rádio privada tem opções que nem sempre se compadecem com programas de culto. Dos Lobos - Se calhar foi por isso que o Pedro Ribeiro, um grande profissional de rádio, teve que acabar com o programa do Sérgio, que afinal já não se chamava (que pena!) Hora do Lobo, mas Nas Horas. E ele há horas infelizes! A MCR passa por uma delas. Acaba de dispensar uma das poucas referências que restam na Rádio Portuguesa. Encontrei o Sérgio nos anos 70, no meio do movimento punk, convidei-o para a Comercial, ainda na fase do Rotações e depois foi a explosão da música, vibrante, intimista, pesada, insólita, diferente, criativa, o verdadeiro som da frente. Foi sempre essa, afinal, a marca do António Sérgio : um homem do som, na frente. Um lobo solitário, que teve a sua hora em várias horas. Nas horas más, como agora, os lobos recolhem-se, mas não esquecem. Regressam inexoravelmente. E o António vai ter que voltar! Já que há RDP (olá Rui Pego) espero que em breve o António Sérgio continue a dar o som da frente e a lançar chamas de novo, nas horas da Antena 3. Na Hora do Lobo. Será um serviço público e de defesa do ambiente. Olhem que os lobos têm que ser protegidos porque, pelos vistos, estão em vias de extinção!

João David Nunes
Antigo director da Rádio Comercial


Um farol solitário
Vou ser tendencioso. Da Media Capital - a empresa-mãe da Comercial - não gosto nada. Do António Sérgio só posso dizer bem. Há mais de trinta anos vejo nele a mesma pessoa informada e com a paixão da música que encontrei há dez semanas no Festival da Lusofonia (diz-se que também vai fechar... será possível?!); o Sérgio lá estava - quase só, como de costume, no que toca a radialistas - a ouvir mais longe: e a noite de Kalaf e os Poetas gloriosamente provaria que mais uma vez o instinto o não enganara. O Sérgio descobriu, do inesperado posto de observação que era a Renascença de meados dos anos 70, o punk. Depois, o João David pescou-o para a Comercial e deu-lhe o que é preciso dar a pessoas assim, mãos livres; anos mais tarde, o Luís Montez faria o mesmo. O Sérgio virou farol, abriu ouvidos e apoiou bandas novas, com aquele entusiasmo juvenil hoje tão raro de encontrar. E farol muitas vezes solitário, ainda mais valioso por isso mesmo. Até voltar à antena - que seja depressa! - vai fazer muita falta.

David Ferreira
Ex-director da EMI-Valentim de Carvalho


Aquele "gravão" que me enche as medidas
É uma pena [o programa sair de antena]. Perde-se um grande divulgador e deixamos de ouvir aquela voz vincada, que me é muito agradável. A figura do António Sérgio acorda em mim recordações de quando me liguei ao movimento Punk, em 1978. Ele foi o primeiro a começar a divulgação daquele tipo de música. Foi um tempo curioso. Éramos para aí uns 20, em Lisboa, que ouvíamos sagradamente o António Sérgio, ainda quando ele estava julgo que na Rádio Renascença. Desde então para cá ele tornou-se importantíssimo na minha carreira. Tornámo-nos amigos. É uma personalidade com um grande conhecimento do rock&roll. Tem um ouvido e uma sensibilidade especiais para descobrir o que há de novo e aquilo que vai ser importante. E tem uma voz impecável. À tarde já era boa, mas é especialmente adaptada à noite, com aquele "gravão" todo, que me enche as medidas.

Zé Pedro
Guitarrista dos Xutos & Pontapés


Blogues em papel
PÚBLICO 18.09.2007

Go West

http://o-blog-preto.blogspot.com/
Querido dinossauro de muito pêlo, o António Sérgio. Chegava a escolher a música nova só pelo nome da banda. Faro de verdadeiro Lobo. Agora, um rapazote velho e meio-néscio despediu-o. Oh éter, oh tempo! E o MEC, outro estimado pioneiro, presta-lhe público e honroso tributo. Uivemos!

Com o ouvido colado ao rádio

http://pausa.wordpress.com/
É certo que a rádio não pode voltar a ser o que era. Eu ouço-a com a distância dos quase 20 anos que me separam das noites que passei com o ouvido colado ao rádio a ouvir o Morrison Hotel e o Som da Frente. Nem tenho bem a certeza do que significa o nome do António Sérgio para quem ouve rádio nos dias de hoje. Mas vai ser estranho passar a associar a voz dele apenas às promoções da SIC, tal como hoje é impossível não associar a voz do Morrison ao sítio do costume.

Recordando a homilia

http://rupturavizela.blogs.sapo.pt/
O maior programa de Música na Rádio Som da Frente era escutado como se de uma homilia se tratasse. Bons tempos. Da mesma altura outro ícone da Rádio era Luís Filipe Barros com o seu Rock em Stock. Quem não ouvia estes dois programas não sabia nada deMúsica Moderna.

A Comercial não merece as ondas hertzianas que respira

http://girls-go.blogspot.com/
É o que acontece quando dão razão ao Princípio de Peter, que diz: "Toda a gente é promovida até ao cúmulo da sua incompetência."Sei que gostos não se discutem. Mas sempre achei (eu. É a minha opinião) que o Pedro Ribeiro era um animador de rádio mediano. A puxar para o medíocre. A fórmula que não resultou antes, quando pegaram no Pedro Tojal e fizeram de um animador de uma rádio director de uma outra e todos os absurdos que daí advieram não parecem ter ensinado nada aos senhores da Comercial. Tanto, que insistiram no erro, piorando aquilo que parecia já não ter possibilidade de passar de mau a péssimo, e promovem o tal mediano a director da Rádio. E qual a sua atitude de gestão brilhante? Dispensar aquele que todos os que alguma vez trabalharam com ele chamavam "Mestre". A minha opinião é que uma rádio que não tem lugar para o Senhor António Sérgio não merece as ondas hertzianas que "respira". Passe ou não o meu blog.Para o senhor d"A Hora do Lobo: espero ouvi-lo rapidamente num sítio onde o mereçam.


António Sérgio sai de antena
Após 10 anos ininterruptos de presença "no ar" nas rádios do Grupo MCR), como realizador do programa A HORA DO LOBO (rebaptizado em 2006 pela Direcção de Programas como "Nas Horas"), António Sérgio não integrará a nova grelha da Rádio Comercial.
A última emissão do "Lobo" acontece na madrugada (01:00h-03:00h) de sábado, 15 de Setembro de 2007.


Breve historial da obra de António Sérgio na Rádio em Portugal:
Realizador do programa Rotação (RR) em 1977, António Sérgio abriu o universo radiofónico português a novos sons e estilos que elegem a música como a "estrela da companhia".

Em 1980 mudou-se para a Rádio Comercial onde realizou os programas seminais Rolls Rock e Som da Frente.

Em 1993 participa na criação da XFM, a rádio para uma imensa minoria, que nasceu no seio do grupo TSF. Aí aventurou-se, nos horários diurnos da manhã e da tarde, navegando pelo Grande Delta.

Realizou ainda o primeiro programa da rádio portuguesa dedicado ao Hard rock / Heavy Metal: o Lança Chamas habitou a Rádio Comercial e, mais tarde na Rádio Energia.

Em 1997 é convidado a integrar o Grupo MCR, onde realizou diversos programas tanto na Rádio Comercial como na BEST Rock FM, com especial destaque para a A Hora do Lobo.


António Sérgio na «Rádio Crítica»: 04 Abril 2005; 10 Abril 2006

Neste final de verão, a praia ficou ainda mais vazia e a toca do lobo desabitada.




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