terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Há boa Rádio em Portugal (I)
Muito se tem dito que a Rádio já não é o que era, que está em declínio, que não terá futuro, que perdeu qualidades, etc. Há muita especulação sobre o assunto, mas muito poucas certezas.
Um dos aspectos mais salientes de tudo isso que se tem dito é uma evidente diminuição dos programas de autor, um género em crescente extinção a cada ano que passa.
Já houve a Rádio de autor em Portugal. Actualmente o que ainda há são alguns programas de autor.
À medida que os programas de cunho pessoal se vão extinguindo, vão surgindo menos autores. Porque quando se é jovem e não se ouve programas de autor antes de se trabalhar na Rádio, dificilmente se terá a intenção de realizar um programa de autor na Rádio. Apesar de aparecerem sempre profissionais com talento, mas que depois esbarram em formatos limitativos da criatividade individual.
O melhor programa actual na Rádio em Portugal é, para mim, na minha mera qualidade de ouvinte, o de António Cartaxo.
«Em Sintonia» reúne todos os condimentos que aprecio num programa verdadeiramente de Autor. É dotado de profunda identidade, possui e transmite um ambiente envolvente, contém boa apresentação num tom de voz absolutamente inigualável, a música seleccionada é de primeiríssima água – não tem discussão sequer – e é devidamente apresentada, contextualizada e enquadrada. A fusão dos textos com a voz (que timbre!) e com a música resulta numa composição una, plena de solidez e harmonia. Melhor seria impossível, tendo em conta os elementos utilizados e os meios envolvidos nesta realização, a todos os níveis notável.
Desconheço quando «Em Sintonia» teve início. Comecei a escutá-lo na Primavera/Verão de 2004. Desde então que mantenho a sintonia. António Cartaxo é um talento ímpar na Rádio, premiado internacionalmente.
A RDP, a Rádio Pública, é o único local onde profissionais de longa data (ainda) podem envelhecer com dignidade. No activo e com liberdade criativa para fazerem o que melhor sabem.
Em estações comerciais há muito que teriam desaparecido. Salvo raríssimas excepções, não há lugar para eles nas rádios privadas.
Primeira de quatro partes de artigo publicado na «Rádio Crítica» no passado dia 31 de Dezembro 2011
Texto integral aqui
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O que eles dizem (76):
A subserviência dos jornalistas perante o poder económico
(…)
Os jornalistas são uma classe muito particular: a proximidade que têm dos poderes – que os namoram e seduzem – dá-lhes a ilusão de poder. A sua fragilidade profissional (cada vez maior, com a crescente proletarização da profissão) torna-os extraordinariamente fracos. A sua osmose com o poder dominante fá-los repetir o discurso hegemónico de cada momento. E esse discurso é definido pelo poder mais forte de cada momento. E esse poder é, hoje, o económico e financeiro. Sendo de classe média, o jornalista de economia tende a pensar como um rico. Não representando ninguém, o jornalista de política tende a pensar como se fosse eleito.
É por tudo isto que devemos ter em atenção três premissas. A primeira: a independência do jornalista não depende de quem é o seu empregador. Nem a empresa privada garante maior autonomia que o Estado nem a coragem de um jornalista depende do seu patrão. Ou tem, ou não tem. A segunda: sendo a comunicação social fundamental para a democracia ela não substitui a democracia. A opinião de um jornalista não é mais descomprometida e livre do que a de qualquer outra pessoa, incluindo os agentes políticos tradicionais. E a opinião publicada (a minha incluída) não é a mesma coisa que a opinião pública. A terceira: os jornalistas não têm como única função fiscalizar o poder político, mas fiscalizar todos os poderes. Incluindo o seu. Quando não o fazem tornam-se inúteis.
Daniel Oliveira
In: EXPRESSO online
Sexta-feira, 6 de Janeiro 2012.