sexta-feira, 30 de outubro de 2020

Este não é o tempo das coisas boas

 
 

Do not go gentle into that good night 

Dylan Thomas 


Quando se entra num túnel escuro, não se sabe o que se encontrará no interior dele, não se sabe quando se sairá dele, nem como. A sociedade actual, que nunca antes vivera uma situação destas a nível planetário, está desorientada, baralhada, fortemente fustigada e fatigada, por causa de um novo vírus. Entrámos mais facilmente no túnel do que quando tentámos sair e não soubemos sair. Confinou-se bem, desconfinou-se mal e de forma atabalhoada. O desconfinamento deixou-nos desconfiados, depois de uma Primavera que não o foi e do Verão mais bizarro de que há memória. Ninguém estava preparado para isto. E continuamos a não estar. Como em todas as situações na Vida, em que se pretende sair de uma situação adversa, só há uma maneira de sair bem: é sair completamente. Tal atitude é agora impossível de concretizar. Não se sabe quando será e não há fim à vista. 
A Rádio, como quase todas as actividades humanas, tem sofrido bastante com a pandemia. A começar pelo Som. Sendo a Rádio o primado do som, este é o que mais tem sofrido em termos de qualidade e percepção, com o recorrente recurso à transmissão em telechamada. Demasiado ruído, imensas falhas sonoras, provocando deficiente recepção e compreensão da mensagem. Ecos, delaysfeedbacks, distonias, prejudicando o produto final, quer seja gravado, quer seja em directo. 
Este vírus que nos entontece tem alterado as normais grelhas de programação, tem feito multiplicar-se o exercício das repetições e reposições de programas mais antigos e outros, não tão antigos, mas anteriormente transmitidos. Ainda assim, com tantas adversidades, os efeitos operacionais da actual pandemia também tem produzido interessantes programas especiais dedicados ao tema, criado outros referentes ao drama e tudo o que isso implica nestes dias sombrios, estranhos, perigosos e incertos. 
O teletrabalho não é um recurso opcional em todas as áreas e sectores da Rádio e esse facto trouxe coisas positivas ao meio. Quer o próprio teletrabalho, quer o seu contrário. 
Há estações que melhoraram a sua oferta, exibindo uma notável capacidade de resposta, como por exemplo o principal canal da Rádio pública, com o regresso das 24 horas em directo, rectificando uma anterior opção injustificada de colocar em antena apenas espaços previamente gravados durante a madrugada, tendo sido, nesse período que durou anos, uma Rádio sem alma, sem chama, sem actualidade. 
Depois do Natal do nosso descontentamento, em que as rádios ilegais foram totalmente silenciadas na noite de 24 de Dezembro de 1988, antes de ressurgirem em Março do ano seguinte já com alvarás atribuídos apenas às estações seleccionadas pelo poder político, este está a ser o ano mais negro da História da Rádio em Portugal. Não só por razões qualitativas ou anterior pobreza de diversidade e oferta, mas por motivos económicos causados pela pandemia. Redução das equipas, cortes orçamentais, soma de prejuízos, diminuição acentuada das receitas, saída de profissionais não colmatadas ou apenas em parte, Layoff, rescisões por mútuo acordo, redução de horários, quarentenas, horários em espelho, turnos suprimidos, afastamento físico, distância social, ausência presencial e crescimento dos espaços vazios em antena. 
Antes da epidemia e da consequente pandemia, a Rádio já estava a ser assolada por uma longa crise desde o ano 2007. Sempre em plano inclinado desde então, a degradação da linha descendente nunca conseguiu um achatamento estável, tendo ido por aí a baixo, continuando no aqui e agora. Eis-nos então chegados às portas de 2021, num cenário impensável há poucos meses. A pandemia acentuou e acelerou quase tudo o que de negativo já havia. Não só na Rádio. 

O mais interessante e belo programa diário de Rádio actualmente existente em Portugal regressou das férias de Verão para a oitava temporada e fê-lo debruçando-se sobre livros recentes que falam sobre o tempo que vivemos agora. Olhares actuais sobre os dias, sobre o Mundo. 

2ª feira, 14 de Setembro de 2020 
Realização de Luís Caetano 
Ouvir aqui




<< Home