quarta-feira, 5 de março de 2025

O que as redes sociais nos fazem (VI)

A Rádio, o território das vozes 



































"Eu detecto no mundo, às vezes, um adormecimento, um costume do horror. Mas às vezes também detecto uma indignação permanente e gratuita e um pouco frívola em indignarmo-nos por tudo ao mesmo tempo e de maneira constante. Há um grau de frivolidade ali e com muita frequência do que os americanos chamam de "virtual signaling", que é indignar-me sobre uma tragédia humana, não por preocupação da tragédia, mas sim para assinalar "que virtuoso sou eu, que tenho o coração do lado correcto". Há um grau de banalidade nisto também. Eu creio que o grande problema é que o nosso comportamento nas redes sociais, lentamente, tem tido um efeito perverso na nossa relação com o mundo. Dizia-o uma autora de livros muito inteligentes, "Millennial", que sabe muito mais disto que eu, que falava de um mecanismo perverso que é chegar a ver tudo o que sucede no mundo - diz ela que "isto é uma consequência da ética das redes sociais, do Facebook e do Twitter" - chegar a ver tudo o que ocorre no mundo como um comentário sobre o que sou eu. As redes sociais produzem uma maneira narcisista de ver o mundo e isso distorce as nossas relações sociais, a nossa vida de cidadãos, as nossas opiniões políticas inclusivamente. Em certo sentido, isto é o contrário do que se passa num romance. Um romance, a leitura de um romance, é o abandono do "eu". É uma viagem ao outro. Interessar-nos durante trezentas ou quatrocentas páginas no destino de outra pessoa. Esse é o momento de curiosidade pelo outro, de altruísmo, em certo sentido. É oposto ao que sucede na conversação contemporânea que temos nas redes sociais. Em certo sentido, por isso, são duas éticas distintas. Maneiras distintas de ver o mundo e opostas e que estão confrontadas." 

Juan Gabriel Vásquez 

A Ronda Da Noite 
18 de Fevereiro 2025 
Antena2 
Programa de Luís Caetano 
Ouvir aqui 



<< Home