quinta-feira, 25 de maio de 2006

RDP-ANTENA1 anos 80

Como já aqui referi anteriormente, a Rádio Comercial era a minha estação de eleição nos anos 80. Assim foi até quase ao fim da década. Mas na segunda metade dos anos oitenta o panorama radiofónico nacional começou a mexer e de que maneira! Novas rádios, o fenómeno explosivo das rádios pirata, novos projectos e novos desafios. O meio rádio em Portugal fervilhava, era aliciante para quem ouvia e acima de tudo, prometia muito. Acompanhei o desenvolvimento de algumas dessas movimentações sempre na qualidade de ouvinte. É disso que vos venho agora falar, partilhando memórias de um período hertziano muito conturbado mas imensamente rico.
Até à chegada das rádios pirata, a Rádio Comercial era a estação que mais ouvia. A seguir, com longa distância, vinha a Antena1. E o que me ficou na memória desses tempos da rádio pública? O seguinte:

«Viva o Sábado»: Tardes de Sábado, com três jovens apresentadores: Nuno Santos, Jorge Alexandre Lopes e Carlos Dias da Silva. Numa ainda muito pesada e cinzenta RDP, este programa foi uma das novas criações na Antena 1 com vista a rejuvenescer um pouco o produto final, dando abertura a novos profissionais. Eu era ouvinte do «Viva o Sábado». Participava nos passatempos em directo ao telefone afim de obter bilhetes para, por exemplo, aceder à “Festa dos matemáticos aplicados”. Ganhava as entradas, mas nunca lá ia receber o prémio do passatempo. Participava apenas porque queria fazer parte do programa, queria ser um deles! Ainda me lembro do número de cor: 66 76 14. Estávamos em 1986, 1987.

«Voo de Pássaro»: Júlio Montenegro, nas noites de segunda a sexta-feira (23:00/01:00). Este voo, natural e descontraído, pairava no ar depois do «Imaginário» de Graça Vasconcelos. O «Voo de Pássaro» era uma emissão de cariz musical, escolhida a dedo pelo autor e apresentador Júlio Montenegro, mas não dispensava a palavra, a frase certeira, alguma ironia (q.b.), e mesmo alguma intimidade. Por vezes, uma boa conversa. Um disco que fiquei a conhecer ao longo deste “voo”: "The Princess Bride" (1987) com a voz de Willy DeVille; Uma canção que marcou o programa e que perdura no meu ouvido: “Somewhere Down The Crazy River” de Robbie Robertson (1987).

«Sete Mares»: Sílvia Alves no seu melhor momento radiofónico. Na rádio portuguesa o indicativo do programa (“Saudade”, dos Love & Rockets) ficou-lhe para sempre associado. Tardes de 2ªa 6ª feira, que durante algum tempo teve a colaboração de Ricardo Saló.

«Janela Indiscreta» e «Em Busca do Acorde Perdido»: Ricardo Saló no papel que melhor desempenha no mundo da rádio: o de divulgador de correntes musicais futuristas e alternativas, quase sempre à margem dos territórios pop-rock, conseguindo com isso elaborar um ambiente em crescendo que não conhecia finais infelizes.

«Imaginário»: Graça Vasconcelos a liderar a equipa de um distinto magazine cultural (2ª a 6ª feira, 21:00/23:00). Dirigia-se a um público mais exigente, elitista até. Tinha como indicativo um tema de Ry Cooder da banda sonora do filme “Paris Texas” de Wim Wenders.

«Rocklandia»: Fernando Neves, e outros. Tardes de segunda a sexta-feira. O nome do programa diz tudo: a terra do Rock. Este espaço também fazia parte da tentativa de reordenação da RDP em busca de um público mais jovem.

«Íntima Fracção»: Francisco Amaral. A emissão inaugural foi na noite de sábado de 08 para 09 de Abril de 1984. Durante o verão desse ano, o projecto inicial fora a abandonado transitoriamente – por ter sido considerado demasiadamente hermético – tornando-se num espaço inócuo de divulgação de actividades ditas culturais, para, já no Outono de 84, regressar em definitivo ao conceito original “Sempre pouco para dizer, muito para escutar, tudo para sentir”. Infelizmente só captei este programa em Janeiro de 1987, mas continuo a acompanhá-lo até hoje. Sou um indefectível da IF.

«Espaço de Transição»: Jovens elementos da RDP, alguns da equipa de «Viva o Sábado» aqui num espaço nocturno (de segunda a sexta-feira, 23:00/01:00) aparentemente de transição, já que durou talvez mais do que se previa. Marcou-me pela música, boas apresentações, um estilo fresco a indicar um possível novo caminho - que não foi continuado - na pouco atraente Antena 1 de então. Era transitório e assim foi.

«Noites de Luar»: Este programa iniciou-se em Abril de 1984 e terminou exactamente no dia 31 de Dezembro de 1985. Alguma palavra, colaborações em várias áreas (que não me lembro, confesso!) e música, muito boa música. Conhecem o magnífico tema “Love At The First Sigth” dos Gist? Foi aqui que o ouvi pela primeira vez pela mão de Aníbal Cabrita.

«Do Choupal até à Lapa»: Sanção Coelho a recuperar com autoridade e sapiência a tradição do fado de Coimbra. Domingos à noite, a partir dos estúdios da RDP-Centro (Coimbra) para todo o Portugal. Não posso afirmar se este programa começou ainda nos anos 80; eu só o “apanhei” já do dealbar de 1990.

«Relatos de futebol de David Borges»: A par de Fernando Correia e Jorge Perestrelo, que nesta altura estavam na RDP-Rádio Comercial, David Borges era um dos melhores relatadores de futebol na rádio. Também era excelente como apresentador das emissões de desporto em estúdio.

«Especial Bruce Springsteen & The E-Street Band»: Ainda conservo a gravação desta emissão de rádio em duas velhas cassetes BASF. O triplo álbum ao vivo de Bruce Springsteen (Live 1975–1985), editado em 1986, foi muito bem acolhido na rádio em Portugal de então, sendo neste caso alvo de uma emissão especial conduzida por Jorge Alexandre Lopes, na tarde do último dia do ano de 1986 (há alguns anos, num mesmo 31 de Dezembro, estive a ouvir - novamente e na íntegra - esta gravação e… céus!!! O JAL estava irreconhecível!).


RDP 2006
Durante muitos anos andei revoltado por lá em casa ter-se que pagar uma coisa chamada “taxa de radiodifusão” anexada à conta mensal da electricidade. Porque razão ter que pagar por uma rádio que não ouvia? Ouvir a RDP até ouvia, mas muito pouco. E da Antena 2 rigorosamente nada. Hoje já não penso assim. A RDP tem vindo a melhorar com o tempo e melhorou substancialmente desde 2003. Actualmente já não mostra ser aquela criatura monolítica, cinzenta e apática como era há 20 ou 25 anos. A recente adesão ao digital (emissões on-line dos diversos canais: Antena1; Antena2; Antena3; RDP Internacional; RDP África; RDP Madeira-Antena1; RDP Madeira-Antena3; RDP Açores-Antena1; Podcast) confirma o acordar do monstro adormecido. Bastou isso para a RDP tornar-se desde já no maior fornecedor português de ficheiros digitais para descarregamento ou audição provenientes da emissão hertziana.
Mas a RDP nos dias de hoje não está isenta da sua eterna (?) dicotomia, pelo menos enquanto for uma empresa pública: rivaliza com a concorrência privada ao mesmo tempo que tem uma obrigação de concessão de serviço público. Ou dito de outra forma, se não tem a liderança nas audiências para quê continuar a gastarem-se tantas verbas no serviço público de radiodifusão? Sou defensor da existência em Portugal do serviço público de radiodifusão, não para rivalizar com os operadores privados, mas para ser diferente destes. Para ser uma alternativa sólida, qualitativa e credível.
Em 2006 a RDP, “A rádio que liga Portugal”, está com um pé em cada um dos lados, e sendo assim, não está assente em nenhum. Ficando a meio caminho, acaba por “apanhar” dos dois.



<< Home