domingo, 26 de janeiro de 2025

O que as redes sociais nos fazem (II)










Fotografia de Jorge Carmona 

De volta ao Ódio no Festival Internacional de Literatura Fólio, em Outubro do ano passado, que teve como tema a Inquietação 
O ódio marca a humanidade desde sempre, mas o caminho da civilização devia atenuá-lo, racionalizá-lo, removê-lo. Não é isso que o mundo de hoje nos mostra. 
O ódio foi tema para uma conversa na recente edição do festival Fólio com os escritores Hugo Gonçalves (português) e Carina Sainz Borgo (venezuelana). 

"A Internet é um acelerador de partículas. É uma máquina de hiperbolização tremenda e que pega nos nossos agravos pessoais, nas pequenas coisas e lhes dá uma dimensão porque as pessoas acham que têm uma audiência. Antigamente a audiência estava circunscrita às pessoas que falavam na Televisão, às pessoas que escreviam nos jornais. E há uma falsa ilusão de que cada um de nós, com o seu telefone e com o seu perfil na rede social está a dar um espectáculo constante de "olha o que é que eu acho sobre o conflito israelo-palestiniano", sobre a polémica da semana. Essa alimentação do ego com coraçõezinhos e com likes ou com pessoas que vão lá e entram em discussão, mais o facto do algoritmo privilegiar o ultraje e o ódio - muito mais do que uma foto de um gato fofinho - isso  realmente é uma tempestade perfeita para que estes sentimentos possam tornar-se um produto que depois é muito apetitoso por líderes demagógicos, por canais de Televisão sensacionalistas." 

(...) 

"Desde o início as redes sociais triunfaram porque o modelo de negócio exigia que não fossem responsáveis - ao contrário do que acontece nos jornais e na Comunicação Social - por aquilo que publicavam, porque senão iam ter processos que nunca mais acabava. Isso era no início que as redes sociais eram utilizadas com uma certa ingenuidade, com fotografias das férias, antes do ódio. Nós às vezes esquecemo-nos disso, mas na curta vida das redes sociais elas têm um perfil que mudou radicalmente e hoje em dia elas são usadas - não é por acaso - são usadas para manipular eleições, são utilizadas por governos exactamente para poder interferir noutros países. Então ganharam uma dimensão que não tem nada a ver com essa nossa ingenuidade inicial de quando ainda estávamos no paraíso, antes de sermos expulsos do paraíso inicial das redes sociais."  

(...) 

"Eu queria fazer esta diferença: não há "cá fora". Muitas vezes as pessoas diziam "ah não, mas isso são coisas das redes sociais". As redes sociais são a nossa vida, não são virtuais. Há pessoas que passam oito, nove, dez horas online. Não há uma diferença hoje em dia substancial, porque se nós estamos num estado de consciência a interagir com outras pessoas, a reagir ao ultraje, a insultá-las durante seis, sete horas, quando eu vou ao café o meu estado mental é exactamente o mesmo. Então acho que essa divisão hoje em dia é muito mais ténue. Pode-se dizer  "ah, mas talvez as pessoas não digam cara a cara aquilo que dizem nas redes socais." Já começam a dizer. Essa linguagem das redes sociais já saiu e contamina a vida porque as redes sociais são a vida real." 

(...) 

"Eu, de vez em quando, vou espreitar as redes sociais, só espreitar - por uma questão de higiene não posso lá passar muito tempo - algumas contas que disseminam-nos desinformação e onde vão as pessoas vomitar o seu ódio diário." 


A Força Das Coisas 
Antena2 
Programa de Luís Caetano 
Sábado, 25 de Janeiro 2025 (16:00/17:30) 
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