sexta-feira, 12 de novembro de 2010
LINHAS CRUZADAS #40
A Vida e a Arte do encontro na Música
Pieter Nooten & Michael Brook
Outro dos grandes encontros na casa mãe 4AD, a editora independente britânica que celebra este ano três décadas de edições alternativas.
Pieter Nooten é um músico holandês, que fez parte do grupo Clan of Xymox onde esteve até 1986.
Michael Brook, guitarrista canadiano e engenheiro de som, foi dele a produção desta dupla sem continuidade.
O álbum «Sleeps With The Fishes» nunca teve a visibilidade que verdadeiramente merecia, muito por causa de ter sido ofuscado por outras edições de grande nível em 1987 pela 4AD. De resto, um ano muito profícuo em termos de grandes edições da casa sediada em Alma Road, em Londres.
Densas paisagens sonoras, com temas instrumentais e cantados. Também se encontra neste registo a dois uma nova versão do tema “After The Call” – um original dos Clan of Xymox do álbum «Medusa» no ano de 1986 – que foi o último trabalho dos Xymox em que Pieter Nooten participou antes de iniciar uma carreira a solo, que ainda hoje mantém.
Mas há outras participações de relevo no álbum «Sleeps With The Fishes». Por exemplo Brian Eno nos sintetizadores e de Peter Ulrich, antigo percurcionista dos Dead Can Dance.
Vamos ficar com o tema "Equal Ways" na voz de Alison Limeric.
O encontro único entre Pieter Nooten & Michael Brook, em 1987, no álbum «Sleeps With The Fishes».
LINHAS CRUZADAS #40
Tempo total: 07:00
Ouvir/download/podcast
No vídeo (de imagem fixa) que se segue, um dos temas cantados pelo ex-membro dos Clan Of Xymox:
Pieter Nooten & Michael Brook – “After The Call” (1987)
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Adieu, Goodbye, Au revoir, Ciao
A canção com que o animador de serviço na Antena1 homenageou “O Senhor do Adeus” hoje, ao princípio da noite. De Lisboa para o Mundo:
quarta-feira, 10 de novembro de 2010
Maratonas na Rádio
Já lá vai o tempo das grandes maratonas na Rádio. Fossem manhãs ou tardes imensas de seis a oito horas temáticas ou de entretenimento variado, fossem noites incríveis até ao raiar da manhã. A grande aventura das emissões extra-longas tornou-se quase inexistente. As que existem regularmente são dedicadas ao desporto, mais exactamente ao Futebol nacional, nas suas intermináveis jornadas espartilhadas por vários dias e, no caso das maratonas de relatos, espalhadas por várias horas num mesmo dia onde se disputa a maior parte dos jogos. Normalmente ao Domingo à tarde (também pode ser ao Sábado), onde os encontros há muito que deixaram de ser à mesma hora. Actualmente só já a Antena1 se dedica a essas transmissões que podem iniciar-se às três da tarde e terminarem à meia-noite.
No entanto, no curto espaço de apenas menos de um mês, ocorreram duas saborosas maratonas na Rádio – e que não foram dedicadas ao Futebol. Uma foi sobre música, a outra sobre temas vários, muita conversa e quase nenhuma música.
A primeira das duas maratonas foi na RADAR, no dia 07 de Setembro, Terça-feira (16:00/22:00) no especial «Álbum de Família». É uma maratona recorrente e anual. Acontece sempre que o programa de Tiago Castro termina uma época de emissões semanais regulares. O processo de realização é francamente democrático. No site da estação são votados pelos ouvintes os álbuns de família que mais gostaram de todos os que foram sendo apresentados ao longo do ano. Feita a contagem, os primeiros 50 vão à antena [um tema por cada álbum desses 50] e, com convidados e outros radialistas da casa, se faz uma emissão de seis horas consecutivas em directo.
A Maratona em directo com a divulgação da votação final da 5ª série do programa de Tiago Castro na RADAR teve a apresentação de Pedro Ramos (com Tiago Castro), Pedro Moreira Dias, Joana Bernardo e ainda vários convidados e participantes. Entre eles: Luís Filipe Barros, Henrique Amaro, Ricardo Mariano, Inês Meneses, Ana Cristina Ferrão, Zé Pedro, Tiago Santos, Duarte Pinto Coelho, Mário Lopes e Pedro Gomes.
Houve repetição integral no Sábado, 11 de Setembro (13:00/19:00) e também no dia seguinte, Domingo, ao longo de toda a manhã.
O disco mais votado no final da 5ª série do programa «Álbum de Família» na RADAR foi o da capa aqui em cima ilustrada.
As votações dos ouvintes + A lista final de 50 álbuns
A outra maratona na Rádio aconteceu no dia 01 de Outubro, com um especial «Prova Oral» - Noite Infernal. Um inédito no programa fórum/talk show de Fernando Alvim com Rita Moreira na Antena3.
Vários temas falados - entre eles a própria Rádio - vários convidados em estúdio e a participação dos ouvintes. Muito improviso e boa disposição. Também em directo, da meia-noite às 07:00 da manhã.
Ainda assim, nada que apague as boas e ternas memórias de outras maratonas nocturnas na história da Rádio portuguesa dos últimos trinta anos, nos programas diários «A Noite é Nossa» de Ruy Castelar e «No Calor da Noite» (de Luís Filipe Barros, José Augusto Marques, Fernando Correia e Jorge Perestrelo, entre outros) na Rádio Comercial.
Siga a bola!
terça-feira, 9 de novembro de 2010
Em ‘repeat’
Sweet Lights – "Waterwell" (2010)
É o tema que não deixo de ouvir muitas vezes por estes dias. Porquê? Também queria saber. Está em 'repeat' e não me canso. Dizer que gosto muito não chega para justificar. Deve haver algo mais.Na Rádio também há muitos em 'repeat' nas playlists monocromáticas, onde os poucos temas seleccionados repetem e repetem-se para além da exaustão. Dá a falsa sensação de que aqueles artistas que estão a tocar não têm nem sabem outra canção, ou que aqueles discos não têm mais faixas. Por ventura, as melhores.
Na RADAR também há um 'repeat', mas muito diferente. Um espaço que repete várias vezes ao dia na emissão da Alternativa, mas com inovação. É escolhida uma pessoa - não interessa qual - para anunciar o tema musical que não pára de ouvir. O que "roda" mais nos seus ouvidos.
Pode ser uma pessoa qualquer, de preferência desconhecida. A que está ali ao lado, a que passa à porta, a que se cruza nas escadas, no elevador, no corredor, na mesa do café. O amigo do amigo, a amiga da amiga, o conhecido, a conhecida. Os desconhecidos. Todos cabem na apresentação do tema em 'repeat'.
Uma frescura para os tímpanos, tão saturados de outras estações de Rádio do 'VIP' convidado, que escolhe, que é figura ou figurão, mesmo fazendo (nem sempre) uma triste figura.
Na RADAR no espaço em 'repeat' não há má figura nem má música. Basta no início indicar nome, idade ou profissão/ocupação. Curto e eficaz. O resto é música.
Os Sweet Lights são uma banda independente de Filadélfia e o tema do vídeo acima pertence ao álbum que vai ser lançado no próximo dia 27, embora já tenha publicação em linha e com acesso a temas gratuitos.
Saber mais aqui:
sweetlights.bandcamp.com
Sweet Lights: MySpace
Nota final: As imagens do vídeo são retiradas do filme «À Bout de Souffle» [ «O Acossado»] de Jean Luc Godard (1960). A actriz é Jean Seberg e as mãos que lhe tocam o delicado pescoço são do actor Jean Paul Belmondo.
Preciosa fonte: Zito C./«Bitsounds»
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
"Dou you remember?"
Einstein dizia que um dos efeitos nefastos do aumento da velocidade de deslocação é a rapidez com que a memória elimina informação sem a processar.
Numa sociedade de fast living, e com memória curta, inventa-se muito. E em Portugal então ainda mais, não fosse Portugal ter sido inventado por um português (... lá diz a canção).
O jornal «Económico» avançou no passado dia 28 de Outubro com uma notícia que não a era:
Tivessem os responsáveis pela redacção da "notícia" terem feito o seu T.P.C. e nada do que se escreveu teria sido publicado.
Dou you remember?
domingo, 7 de novembro de 2010
Palavra de Lobo (VII)
A RÁDIO, O PÚBLICO, O HOMEM E O ARTEFACTO
Esta compilação que apresenta momentos ímpares na história recente da música popular contemporânea é o resultado da colaboração dinâmica do radialista e do seu público ao longo de mais de uma década.
Nessa massa de gente a que vulgarmente chamamos "ouvintes" encontram-se muitos dos que hoje fazem a diferença no panorama cultural português, tal é o caso de quem orienta os destinos da editora que publica o presente artefacto.
A equipa que garantiu a logística da compilação Som da frente I e II, manteve apesar das mudanças de identidade, a vontade férrea de permanecer fiel aos seus objectivos, apesar do quebra-cabeças associado às formalidades que o processo de licenciamento obriga.
Bem-hajam!
Raramente se encontra, neste tipo de compilações, um alinhamento articulado onde o autor partilhe de forma tão íntima a sua experiência sensorial mas, mais raro ainda se torna o facto de essa experiência resultar de um karma acarinhado ao longo de noites de partilha com uma "imensa minoria" que uniu estratégias e imagens de iconografias tão díspares quanto acertivas da diferença face ao mainstream, criando um vocabulário e uma semântica sonora que ainda hoje persiste.
Estes sons são a prova de que a música não se limita à realidade crua e dura dos números, dos nice prices que recuperam os fundos de catálogo, das compilações "que misturam e voltam a dar". Estes sons provam que a música contemporânea, nas suas expressões populares como o rock, o blues, o rock ou o pop, são uma das muitas portas da Arte e representam a escolha certa para um caminho, neste caso rilhado por uma emissão de Rádio que fez serviço público ao "educar" a orelha de quem teve o mérito e discernimento de a arrebitar noite após noite.
Ana Cristina Ferrão
Inlay CD «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE II 1982-1993»
Fevereiro 2005
Indicativo do programa. Tema instrumental e original dos Xutos e Pontapés – “Som da Frente”:
ROCK
Recordo sempre a pergunta sacramental, aquando da visita-estreia lá a casa, sem tirar os olhos das prateleiras: «- Estão arrumados como? Alfabeticamente? - Não! Não estão arrumados. O inquérito continuava: - Então como é que encontram os discos? A resposta sempre foi desconcertante: - Nós sabemos onde estão. E se não sabemos procuramos e (re)encontramos outros no processo.»
No meio da cacofonia virtual da nossa cultura, o António Sérgio manteve-se fiel a si próprio, na sua visão ímpar e muitas vezes pouco ortodoxa do "como fazer".
Sempre foi e ainda é – o que o berço dá só a tumba leva – homem para não procurar (ou não saber achar) o caminho mais simples, mas sim o caminho mais de acordo com a sua intuição. Daí a desmontar prateleiras de discos em vinil, arrastar com o pó de anos de imobilização, inundar o chão com capas simples, duplas, triplas; rever o vinil preto, colorido ou transparente; retomar o prazer do "pica-montinhos" ou esboçar o sorriso de orelha a orelha quando as mãos fiéis e certeiras acertam na espira - vai o tal passo que mitos escarnecem perante o manancial que os catálogos electrónico, as bases de dados ou os repositórios mp3 disponibilizam. Todo aquele cerimonial faz parte deste objecto sonoro que agora têm nas mãos.
Ah! Já me esquecia e seria deveras confrangedor não partilhar convosco a existência do bloco de notas, a velhinha Parker de tinta preta, e a enorme, sempre conspurcada de impressões digitais, lupa! O ritual proporcionou uma perspectiva contextualizada pela memória e pela sua prova de resistência ao tempo através da evidência auditiva, anos depois, garante da integridade da aposta em momento passado pela persistência de valores no futuro-presente.
Enjoy!
Ana Cristina Ferrão
Inlay CD «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE II 1982-1993»
Fevereiro 2005
PS: A casa ainda está num caos! Mas afinal em mais de vinte anos nunca esteve arrumada e, ainda se oferece "rodar uns sons para tu ouvires" como expoente máximo de meiguice.
Mazzy Star - "Fade Into You" (1993)
Palavra de Lobo (VI)
Quando no ano de 2001 comecei a coligir dados para a primeira compilação "Som da Frente" senti de imediato que os 11 anos em que o programa se manteve "No Ar", através da R.D.P. – Rádio Comercial entre 1982 e 1993, iriam obrigar-me a muita ginástica para lidar com essa enorme carga de actividade ininterrupta do meio musical.
Estava consciente de que o programa divulgara milhares e bandas, artistas e projecto musicais, uns mais marcantes que outros, o que naturalmente levantava constrangimentos à concepção de um acoplamento coerente e, ao mesmo tempo, aliciante para quem se sentisse motivado para tal reencontro.
Antevi, mas nunca na totalidade do pesadelo que se tornou, que o processo de licenciamento viria a sofrer incríveis dificuldades (muitas das quais redundaram em impossibilidade) na obtenção de determinados temas de certos artistas.
Resolvi planear uma compilação de material sonoro da emissão radiofónica que viajasse desde o seu início até ao aparecimento do 'compact-disc' em 1986, ganhando assim, uma data 'redonda' e um limit cómodo.
Confiei que, mediante resultados, tudo se viesse a completar com um resumo menos parcial de todo o tempo e vida do programa, pondo em saliência os muito cambiantes, as novidades e os empurrões com que a música popular (e não só o rock) nos presenteou nesse período brilhante de invenção e performance.
Ao partir para este segundo e final passo na reposição da memória do "Som da rente", pensei no reencontro com os que descobriram na Rádio portuguesa, um espaço que apenas tinha como objectivo ser um estandarte da "arte de ouvir".
Sabia que ao concretizá-lo se tornou a companhia de uma geração a quem se pedia pela avidez pelo conhecimento, uma atitude de diferença, uma agilidade igual ou superior à do próprio programa, para que a montra e sons se tornasse a "enriquecedora experiência sensorial" que povoa ainda o imaginário de muitos dos seus contemporâneos.
«O "Som da Frente" propunha-se como projecto de divulgação e com espaço de inovação na medida em que se procurava encontrar o ponto de viragem nas formas de abordar a música, tentando deslocá-las para fora do âmbito restrito do 'rodar de discos' descontextualizado. De onde quer que o mundo o observasse, O Som da Frente observava o mundo.» (escreveu Ana Cristina Ferrão na nota de capa da edição anterior, e estas palavras espelham o projecto rádio subjacente a esses 11 anos de emissão).
Graças aos ouvintes, às músicas e aos músicos a quem sempre brindei com o protagonismo na inovação, na mudança e na alternativa, constato hoje que o sonho de muitas noites desses longos 11 anos e vida "no éter" se tornou realidade. Uma realidade que é também memória e que dedico a quem fez mais do que todos nós pela música: "John Peel – Music Lover".
Como repeti noite após noite, pelo direito à diferença!
António Sérgio
Inlay CD «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE II 1982-1993»
Janeiro 2005
A segunda compilação de temas do Som da Frente foi editada em 2005 (a primeira em 2002) e também em duplo CD, contemplando toda a vida do programa na Rádio Comercial (1982-1993). Um dos temas da segunda edição é “Wax and Wane” dos Cocteau Twins, do primeiro álbum «Garlands» editado pela 4AD em 1982.
António Sérgio foi, talvez, o primeiro radialista português a divulgá-lo. Pelo menos foi no «Som da Frente» que ouvi pela primeira vez. É o vídeo que se segue:
Cocteau Twins – “Wax and Wane” (1982)
O que eles dizem (57)
A irrelevância da rádio
Quando António Sérgio (1950-2009) começou a sua aventura radiofónica, foi tarde para mim porque eu já tinha substituído o rock e a pop do tempo pela música clássica, jazz e pop-jazz. Contudo, sempre reconheci nele um dos grandes profissionais do media radiofónico. Ele representava o novo; estudava e preparava o conteúdo dos seus programas; e tinha uma forma própria e adequada de o apresentar. Nessa unidade apuradíssima de conteúdo e forma, ninguém batia António Sérgio.
E, no entanto, a alta qualidade dos seus programas [António Sérgio] tornou-se anacrónica. O uso social e cultural da rádio mudou radicalmente nas últimas décadas. A audição de rádio perdeu relevância quanto aos conteúdos. Tornou-se uma ocupação do silêncio, uma anestesia aural. Não se ouvem programas, ocupam-se os ouvidos, no carro, no café.As rádios generalistas anularam os programas de "autor": não há público; poucos se dispõem a ligar o aparelho a uma hora certa para ouvir certo programa, mesmo no género preferido.Bob Dylan tem feito nos últimos anos um programa a contrário, como se fosse de antigamente, ao jeito de documento do que a rádio era quando tinha autonomia. Mas é um mundo que perdemos: os programas de Dylan ouvem-se em CD ou MP3.
Os programas de autor da segunda metade do século XX criavam um ambiente alternativo ao ouvinte, um mundo à parte, como a literatura ou o teatro. A rádio distinguia-se por programas diversificados, com personalidades vincadas em função dos seus autores, géneros, narrativas, estilos.Hoje a rádio generalista quase só pretende ser o ambiente "natural", ocupando todo o tempo com as mesmas canções impostas pelas editoras e pessoas a blablar como na TV, no emprego e na rua.O som da rádio parece o ruído de fundo dos hipermercados.Passámos do mundo do Som da Frente, de António Sérgio, para um zumbido, um fluxo indistinto, sem passado nem futuro.
António Sérgio subiu ao topo da realização radiofónica nas emissoras nacionais, que depois o afastaram; terminou, com a mesma qualidade, numa rádio local.Diz-se que até hoje nenhum media morreu por aparecer outro, mas pergunto a mim mesmo que tipo de vida tem a rádio, se a nada aspirar senão à sua própria irrelevância.
Eduardo Cintra Torres
In: «PÚBLICO», Sábado de 07 Novembro 2009
sábado, 6 de novembro de 2010
A 'Playlist' de Luís Pinheiro de Almeida
Ao longo da semana ouviram-se raridades e preciosidades esquecidas, como por exemplo o antigo trovador José Almada ou ainda um tema do primeiro álbum de Fausto, ainda nos anos 60. Um trabalho rejeitado pelo próprio autor de «Por Este Rio Acima».
A história da Rádio também mereceu homenagem através do tema indicativo do histórico programa «Em órbita», na sua primeira fase em 1965, cujo indicativo era um instrumental dos britânicos Kinks chamado “Revenge”; e ainda através dos coros femininos iniciais do clássico “You Can’t Always Get What You Want” dos Rolling Stones que serviu de indicativo ao programa «Amigos de Alex» (1985-1995). Um programa de Rádio que faria esta semana (dia 02 de Novembro) 25 anos e que foi realizado pelo próprio Luís Pinheiro de Almeida na Rádio Renascença-FM Estereo e depois na RFM.
O maior conhecedor de Beatles em Portugal confessa nesta emissão que não gostou nada dos fab four das primeiras vezes que os ouviu e explica como ficou a gostar dos quatro de Liverpool. Parte da explicação está nesta canção:
The Beatles – “Do You Want to Know a Secret?”
Luís Pinheiro de Almeida é também o autor do blogue «IÉ-IÉ»
Mais sobre Luís Pinheiro de Almeida na «Rádio Crítica» (28 Setembro 2010).
Ouvir em permanência aqui
Palavra de Lobo (V)
A ORELHA DE ANTÓNIO SÉRGIO – PERFIL DA VOZ POR TRÁS DO MICROFONE
Da minha língua vê-se o mar. Da minha língua ouve-se o seu rumor, como da de outros se ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto, nenhuma outra citação me vem à memória que melhor defina António Sérgio.
E se considerarem descaramento a utilização das palavras do mestre Vergílio Ferreira, não peço perdão. António Sérgio fez mais pela cultura das duas últimas gerações que muitas escolas deste país. Através da magia sonora, da postura rebelde e sem papas na língua, abriu espaço à divulgação da Arte e criou na sua tribo de ouvintes o estigma do horror à ignorância e estimulou o desejo de partir à descoberta da cultura, nacional e do mundo.
Reservado e solitário, quando entra nas quatro paredes do estúdio de emissão, António Sérgio nunca se alheou da vida ou das gentes, recusando estatutos especiais ou lugares privilegiados. É presença habitual nas salas de espectáculo, seja o cartaz world music, hardcore, dance, rock'n'roll, ou puro rhythm and blues. No meio da tribo, afasta os curiosos da superficialidade, com o seu histórico "feitio". O "abracadabra" para uma gargalhada espontânea passa por uma boa história "on the road". Para lhe captar a atenção basta um "registo" dentro de um envelope (nome e telefone, é obrigatório!) com uma boa canção, um bom riff, uma voz "vibrante" ou um projecto que lhe encha a orelha.
A voz grave ganhou modulações, subtilezas e ressonâncias com o passar dos anos. Falou de esperança quando o abismo parecia tão perto, invocou o espanto e o pavor de viver, evocou os desaparecidos, regozijou-se com o sol e a magia da lua.
A voz por trás do microfone ainda estende o seu manto profundo na habitual despedida: Take Care!
Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
inlay CD colectânea «Som da Frente 1982-1986»
The Waterboys – “A Girl Called Johnny” (1983)
António Sérgio subiu ao topo da realização radiofónica nas emissoras nacionais, que depois o afastaram; terminou, com a mesma qualidade, numa rádio local.
Diz-se que até hoje nenhum media morreu por aparecer outro, mas pergunto a mim mesmo que tipo de vida tem a rádio, se a nada aspirar senão à sua própria irrelevância.
Eduardo Cintra Torres
In: «PÚBLICO», Sábado de 07 Novembro 2009
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Palavra de Lobo (IV)
O Som da Frente propunha-se como projecto de divulgação e como espaço de inovação, na medida em que procurava encontrar o ponto de viragem nas formas de abordar a música, tentando deslocá-las para fora do âmbito restrito do "rodar de discos" descontextualizado.
Composto por algumas rubricas fixas e por outras mais ou menos flutuantes, tinha uma dupla estrutura baseada em dois vectores chave: som e palavra, possibilitando a inserção de vários textos relacionados com a vivência do som apresentado, intervenções de opinião e entrevistas de língua solta onde não existiam tópicos tabu.
Funcionou como estaleiro de som, onde as ideias se transformavam em projectos. O Som da Frente acompanhou a evolução e a maturação da música moderna portuguesa sem sucumbir a falsos paternalismos conducentes a "doenças infantis" infundadas, fazendo-a fluir num contexto sonoro onde a nacionalidade se esbatia a favor da qualidade. Ensinou também a ouvir o silêncio, tornando-se um espelho criterioso permeável ao quotidiano. De onde quer que o mundo o observasse, O Som da Frente observava o mundo. Este processo de mútua contaminação foi a chave para a criação da tribo de ouvintes que lhe conferiu o ainda actual prestígio e um perfil sociológico muito particular.
A presente compilação de sons e estéticas, pretende marcar uma pauta das emoções sonoras alusivas ao período que mediou entre 1982 e 1986, retomando cada tema seleccionado numa perspectiva panorâmica de fixação, possibilitando sistematicamente uma ulterior consulta mais aprofundada do trabalho dos artistas visados, numa atitude consistente com o objectivo último subjacente ao Som da Frente - a descoberta da diáspora musical, em clara independência da diacronia da indústria discográfica.
Para quem teve a experiência auditiva o Som da Frente permanece como uma memória inesquecível.
Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
inlay CD colectânea «Som da Frente 1982-1986»
(continua)
Joy Division – “Atmosphere” (1980)
O que eles dizem (55)
Os programas de autor da segunda metade do século XX criavam um ambiente alternativo ao ouvinte, um mundo à parte, como a literatura ou o teatro. A rádio distinguia-se por programas diversificados, com personalidades vincadas em função dos seus autores, géneros, narrativas, estilos.
Hoje a rádio generalista quase só pretende ser o ambiente "natural", ocupando todo o tempo com as mesmas canções impostas pelas editoras e pessoas a blablar como na TV, no emprego e na rua.
O som da rádio parece o ruído de fundo dos hipermercados.
Passámos do mundo do Som da Frente, de António Sérgio, para um zumbido, um fluxo indistinto, sem passado nem futuro.
Eduardo Cintra Torres
In: «PÚBLICO», Sábado de 07 Novembro 2009
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
Palavra de Lobo (III)
Fotografia Rita Carmo
Esse era o outro mote "o direito à diferença", que conferia o orgulho militante a quem se sabia informado sobre os projectos de vanguarda e pertence a um grupo restrito de gente que mundo fora partilhava interesses e gostos.
Foi essa outra das novidades, o Som da Frente apenas por existir e sem o procurar de uma forma deliberada criou uma comunidade. Essa comunidade tinha os seus signos e comunicava mais ou menos discretamente através dessas pequenas deixas que iam corrompendo o quotidiano normalizado de forma subtil mas sem possibilidade de recuperação.
Essa alteração dos padrões sócio-culturais foi muito mais profunda que aquilo que podemos pensar, não sendo estranho hoje encontrarmos como prato forte da playlist de muitas estações de rádio, garante das suas audiências ascendentes, a mesma sonoridade que em oitenta era considerada "inaceitável e inaudível" - em suma: barulho, ruído!
Essa é uma das ironias do rock: grande parte das suas bandas seminais só ganhou reconhecimento vários anos a edição do último álbum. A ausência de sucesso, a dificuldade em lidar com as regras de mercado, a agonia das tabelas de venda levaram parte das vezes ao dispersar e, quando anos depois o back catalogue se torna uma fonte de receitas seguras, muitas vezes mantendo o fôlego a companhias discográficas moribundas, só alguns têm a memória da vivência sonora a seu tempo.
A comunidade Som da Frente não se incomodou muito com essa apropriação do mainstream; aliás a educação das massas fazia parte do objecto da sua existência "divertir, formar, informar". A diferença continuava presente pois raramente a sua preferência recaía apenas sobre a canção que se tornaria hit single.
Constituiu, por essa razão, prioridade em termos monográficos, de temas que emprestam ao mundo da música a sua razão de ser, aberto ao mundo através do éter empenhou-se na difusão regular de temáticas-chave cujo interesse foi partilhado por estudiosos e amantes da música, das letras e da cultura, sendo alvo de diversos trabalhos universitários.
Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
inlay CD colectânea «Som da Frente 1982-1986»
(continua)
Mais um dos 36 temas da colectânea «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE 1982-1986».
Um Vini Reilly ainda muito novo, há quase 30 anos:
Durutti Column - "Sketch For Dawn" (1981)
O que eles dizem (54)
E, no entanto, a alta qualidade dos seus programas [António Sérgio] tornou-se anacrónica. O uso social e cultural da rádio mudou radicalmente nas últimas décadas. A audição de rádio perdeu relevância quanto aos conteúdos. Tornou-se uma ocupação do silêncio, uma anestesia aural. Não se ouvem programas, ocupam-se os ouvidos, no carro, no café.
As rádios generalistas anularam os programas de "autor": não há público; poucos se dispõem a ligar o aparelho a uma hora certa para ouvir certo programa, mesmo no género preferido.
Bob Dylan tem feito nos últimos anos um programa a contrário, como se fosse de antigamente, ao jeito de documento do que a rádio era quando tinha autonomia. Mas é um mundo que perdemos: os programas de Dylan ouvem-se em CD ou MP3.
Eduardo Cintra Torres
In: «PÚBLICO», Sábado de 07 Novembro 2009
quarta-feira, 3 de novembro de 2010
Palavra de Lobo (II)
"O Som da Frente" foi o programa de rádio que desempenhou o papel de maior relevo na assimilação da música popular dos anos oitenta" - dizia uma jornalista da época. Indicando que para manter o lugar dianteiro que justificava o próprio nome, implicava a procura incessante das últimas novidades discográficas numa altura em que o circuito de importação e a penetração da própria indústria discográfica em Portugal não tinha o protagonismo de hoje.
O que sempre foi fascinante no conceito O Som da Frente e da tribo formada pelos seus fiéis seguidores foi o total desprezo e até aversão à "estreia mundial", aos tops de vendas, à repetição de fórmulas sonoras. Esta aversão era compensada pelo apego zeloso ao "som" enquanto forma de Arte, espelho de sub culturas e ponto de partida para a exploração das Artes Plásticas e Cénicas, Cinema, Filosofia, Antropologia, ou até mesmo do património histórico-artístico universal, dado representarem áreas de riqueza que importava conhecer e valorizar para compreender os novos sons. O Som da Frente era a montra para o som enquanto experiência sensorial.
As viagens semestrais a Londres, os empréstimos dos fãs e a intuição criteriosa de quem acreditou não sonhar sozinho, deram o toque de magia mesmo sem a corrente de novidade que muitos pensavam ser apanágio da emissão.
Os empréstimos decorriam da constatação única e, para os mais incautos, insólita: a sensação experimentada ao ouvir uma canção no gira-discos "lá de casa" era uma experiência auditiva substancialmente diferente e de menor gradação, comparada com a obtida ao ouvir a mesma canção entrosada numa "corrente sonora" do Som da Frente, na sua versão diurna ou nocturna. O Som da Frente tornou-se assim mais uma peça fundamental na panóplia de estímulos que actuam como "expansores de consciência".
Explicar este sentimento, que arrisco colectivo, seria conseguir o impossível: explicar a magia da Rádio. No entanto, a manipulação dos sentimentos através do som não é exclusivo do meio, mas sim do artista que o molda à sua imagem, à sua sensibilidade, fazendo fluir na onda da sua intuição sons, vozes, silêncios, instrumentos, palavras que, embora considerados pelas "normas" malditos, eram apenas diferentes.Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
inlay CD colectânea «Som da Frente 1982-1986»
(continua)
Outro dos 36 temas da colectânea «António Sérgio apresenta SOM DA FRENTE 1982-1986».
Há poucos dias, a banda de Richard Butler esteve ao vivo no Porto e tocaram este clássico no concerto realizado no passado dia 20 de Outubro no Teatro Sá da Bandeira:
The Psychedelic Furs - "Sister Europe" (1980)
Quando António Sérgio (1950-2009) começou a sua aventura radiofónica, foi tarde para mim porque eu já tinha substituído o rock e a pop do tempo pela música clássica, jazz e pop-jazz. Contudo, sempre reconheci nele um dos grandes profissionais do media radiofónico. Ele representava o novo; estudava e preparava o conteúdo dos seus programas; e tinha uma forma própria e adequada de o apresentar. Nessa unidade apuradíssima de conteúdo e forma, ninguém batia António Sérgio.
Eduardo Cintra Torres
In: «PÚBLICO», Sábado de 07 Novembro 2009
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Palavra de Lobo (I)
Fotografia de Rita Carmo
O SOM DA FRENTE – A ARTE DE OUVIR
É vulgar encontrá-los na rua, nas salas improvisadas para concertos, ou nalguma discoteca, até na praia. Uns optam por "cotovelar" os amigos, comentando: "Olha ali o António Sérgio! O que eu estudei ao ouvi-lo!"
Porquê este mito em torno de um nome?! O Som da Frente, inicialmente um jingle do programa Rotação, a par de "Rock Final", tornou-se uma marca registada do som, que não se resumia ao rótulo estreito e aquilosante de "alternativo".
O Som da Frente era mais abrangente, não tinha delimitações temporais, não sucumbia aos bpm's, aos ritmos, às escolas, às geografias ou à cronologia impiedosa que espartilha o som. Chamada ao exercício físico e intelectual de ouvir. O Som da Frente tornou-se assim o vício de Ouvir mais. Ouvir melhor. Ouvir sem preconceitos. E neste contexto, Ouvir tornou-se a obsessão dessa geração que aí consolidou o conceito básico da autodeterminação, da livre escollha e do direito à diferença.
Alegre e endiabrado, sereno e intimista, brutal e interventivo, épico e psicadélico, apelando à Vida ou enaltecendo o negrume da Morte, O Som da Frente aninhava-se no "estado de espírito" do momento como uma segunda alma.
Banda sonora do paraíso onírico de cada um alimentava-o, noite após noite, dia após dia, de histórias fantásticas passadas ou futuras.
Ana Cristina Ferrão
Dezembro 2001
(continua)
A ilustrar, o tema "Israel" de Siouxie Sioux com os Banshees, numa poderosa interpretação ao vivo nos bons velhos tempos do «Som da Frente» e da Rádio de autor.
Este tema é um dos que fazem parte da dupla compilação de clássicos divulgados pelo lobo no mítico programa da Rádio Comercial.
Siouxsie and the Banshees – "Israel" (ao vivo em 1983)
segunda-feira, 1 de novembro de 2010
Dia ANTÓNIO SÉRGIO na RADAR
A notícia chegou-me via telemóvel. Era a minha irmã: "Já ouviste as notícias hoje? Morreu o António Sérgio". Foi há um ano.
O repasto de churrasco à hora do almoço que partilhava com amigos do peito em Oliveira do Hospital já não teve o mesmo bom sabor até ao fim. Reacção natural depois de uma inesperada notícia destas, de alguém que admirámos, acompanhámos e conhecíamos há tantos anos.
Nesse dia e nos seguintes sucederam-se, nos vários media nacionais, as homenagens justas e outras de circunstância, acompanhadas daquelas coisas que se dizem sempre quando alguém morre.
Hoje a RADAR, a última toca do lobo, recorda emissões em contínuo do programa «Viriato 25» de António Sérgio. Todo o dia de hoje é dia de António Sérgio na RADAR. Grande homenagem, grande dia para um grande da Rádio. Da Rádio de autor.
E a voz... aquela VOZ!
Fica em vídeo (com imagem fixa da capa do álbum «Ask Me Tomorrow») o tema "Love Songs on the Radio" dos norte-americanos Mojave 3. Uma canção que ouvi pela primeira vez pelas mãos de António Sérgio numa emissão por ele realizada na extinta X-FM num final de tarde/início de noite, em suave viagem de barco para Sul.
Uma nota adicional dirigida à RADAR: depois do súbito desaparecimento de António Sérgio foram publicadas em podcast algumas emissões de «Viriato 25» no alojamento de ficheiros sonoros da RADAR [ http://radar.podomatic.com// ].